Não sou adepto dos
graffiti, considerados por uns como vandalismo transgressivo, admitidos por outros como legítima forma de contestação, vistos por terceiros como resposta ao desafio das superfícies nuas do deserto urbano. Mas não deixo de reconhecer que, no meio de muito lixo, aparecem verdadeiras obras de arte ou oportunos desenhos críticos ou simplesmente bem apanhados, que podem contribuir para o bom humor da malta, como o que se mostra no exemplo acima - colhido na cidade da Senhora da Hora, concelho de Matosinhos. Mas o que me preocupa nessas obras é a sua efemeridade. Os
graffiti estão condenados a desaparecer, muitas vezes devorados por outros
graffiti - e nem sempre da mesma qualidade - de forma idêntica ao progressivo esfumar das mensagens, escritos e poemas que enchiam os livros de visitas dos anteriores
chat's (quem se lembra disso) e que prosseguiram nos seus supervenientes derivados e sucessores até aos formatos e "livros-fronhas" actuais. Há assim uma sucessão de esforço expressivo, muitas vezes de verdadeira arte, que intencionalmente é produzido sabendo quão efémero é e que vive nessa e dessa efemeridade. Desde que, em Toronto, há muitos anos, trouxe de um saldo livreiro, por desfastio, uma obra que viria a despertar-me mais interesse do que eu esperava e que dava pelo título sugestivo de
"Towards a People's Art [1] que me preocupa este voluntário e aparentemente sem-sentido suicídio de algumas produções artísticas reconhecendo que, como aí li e sobretudo como me foi explicado depois, qualquer freio a essa mesma efemeridade vai coagir a capacidade criativa ou contestatária que ela mesma representa ou assume. A arte efémera passará portanto pela necessidade da sua efemeridade, retomando a expressão alquímica do
auribus que continua a comer a sua própria cauda. Mas a entropia aumenta...
É verdade que existem os registos fotográficos, é verdade que desses poemas e prosas dos livros de visitas do chats poderão ter ficado cópias escritas - mas o balanço geral é tendencialmente negativo, ou seja, tendencialmente perdedor [2] [3]. Há que constatá-lo e, talvez, ficar por aí.
As segundas gravuras ( em vista geral e pormenor destacado) foram "capturadas" de uma parede no Barreiro. Contém uma reflexão importante, quase uma regra de vida tão válida para a expressão grafiteira como para qualquer outro posicionamento perante a criação. Não basta o mais simples, o imediato, não se percam nisso - já que, mesmo no que se sabe ser efémero e é aceite numa escala muito própria de valores, se reconhece uma gradação, se diferencia uma qualidade e se deixa escapar o quanto desejável (ou mesmo, quanto eficaz) é o poder/querer ir mais longe. Afirmação que ab-initio terá sido motivada pela estética, mais que pela própria ética, vai a final reflectir-se indissociavelmente nesta.
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[1] Dizia alguém (talvez Bernard Shaw e não Churchill, porque esse tinha a fama de "comportamentos aquisitivos"): "Por vezes vou a casa de meus amigos inventariar a minha própria biblioteca".
[2] Como nos recibos de saúde para efeitos do IRS, enquanto nos deixarem de lhes dar sentido: há sempre um que ficou tresmalhado... e com isso (como no zero da roleta para a banca) o fisco sempre ganha! A propósito: ensinaram-me algures que a relação fiscal era de natureza contratual e que, numa dada Faculdade e num dado momento, era liminarmente chumbado quem defendesse, como se atribuía a um economista alemão famoso e realista (Franz von Mirbach-Rheinfeld), que o imposto era, a final, um esbulho. Mas afinal como é e a final como vai ser?
[3] A ausência (ou mesmo a impossibilidade ) de back-ups capazes também é exemplificativa!