Em tempos já passados, um Senhor Nogueira teve o seu dia de glória a contar milhares e milhares de professores que considerava ter posto na rua, em protesto contra um processo mal conduzido de avaliações necessárias e que de qualquer forma mais tarde ou mais cedo surgirão. Num desenvolvimento energético considerável, uma classe inteira veio então protestar contra uma avaliação que qualificava de injusta, burocrática, complexa e certamente incómoda - porque as avaliações são-no sempre [1].
Hoje despontou o dia (aliás já tinha começado na noite precedente) com a notícia de que uma das tais "agências rateiras" que fazem a avaliação da economia das nações e a que estas, quais carneiros de Panúrgio, ainda concedem crédito, tinha, sem avisar ninguém, colocado na lixeira a nossa dívida, mostrando-se "nas tintas" para qualquer acordo troikolento ou para quaisquer medidas para além do acordo com que Portugal, procurando remendar o bibe do "bom aluno" (mesmo que entretanto enodoado), iniciou um previsivelmente longo exercício de auto-flagelação. Tratou-se de uma avaliação gratuita e inoportuna (mas certamente oportuna para os objectivos que esses senhores perseguem), que vem acarretar as mais graves consequências, atingindo a vida de todos nós (incluindo os supra referidos senhores professores), ditada por um organismo de natureza empresarial, donde contratável, arvorado em árbitro por iniciativa própria, que nem oficial é, cujos mandantes se desconhecem (salvo a localização estadunidense da sua sede social), apanhando governos desprevenidos e surpresos [2]. Não obstante, tal gravidade, que inclusive arrisca passar-se a outros por efeito dominó, não parece susceptível de levantar uma parcela da energia que se associou ao supracitado movimento social, cabendo perguntar quem vem agora por alguma forma "repulsar" o insulto que assim nos é dirigido? Ou a contestação desta "gajada rateira"(usemos os termos apropriados) limita-se a ficarmos todos de rabinho entre as pernas, frente ao crescente terror alimentado pelos noticiários da TV, esperando que os eurocratas façam qualquer coisa, aprendendo à custa própria que o que realmente se passou e passa nunca esteve limitado à nossa capoeira e traduz um processo - sistémico de natureza, profundo de intensidade e universal de campo - em que nós apenas figuramos por sermos um dos elos mais fracos daquela maior realidade que desde o início da crise se pretende "alavancar" (aqui em sentido não económico) e destruir e que se chama Europa? Certo dia não distante ouvi eu advertir que não deveríamos "apoquentar os mercados" (e se as palavras não foram exactamente estas, pelo menos eram parecidas em formulação e sentido); como se vê eles, "os mercados", precedidos pelas suas trombetas "rateiras", preocupam-se bem connosco!
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[1] Se esse Senhor pensava que toda aquela gente ficava atraída pela sua linha política, enganou-se mais que redondamente. Mas não é por aí que o gato vai às filhós!
[2] É curioso que, apenas dias atrás, tendo a Europa respirado aliviada com a "votação grega" e ficado algo mais aliviada com a notícia de um mecanismo de possível recuperação, agora liderado pela França, tenha logo aparecido um outro dos tais "rateiros" a ameaçar, em tom entre o sabotador e o chantagista, que se esse mecanismo prosseguisse atacaria logo a Grécia com um abaixamento brutal do "rating". E a Europa, manifestamente em desUnião Europeia (qual Festung, qual história!) vai deixando isto correr enquanto bruxuleia (de Bruxelas, ou de bruxas ou do tremeluzir de estrelas que se apagam)! Entretanto, "stars and stripes for ever", do outro lado do Atlântico pede-se o aumento do tecto legal do endividamento público, rosna-se apenas um bocadinho ... e os mesmos abusadores mantém inalterado o glorioso "rating" AAA. Esta disparidade kafkiana e esta inacção europeia sugerem a recuperação de uma leitura útil, mesmo que já algo requentada: o "Empire", de Michael Hardt e Antonio Negri, Obra que foi publicada pela Harvard University Press no (já) distante último ano do século XX, podia encontrar-se há alguns anos na néte em