sexta-feira, 30 de setembro de 2005

Inscrição

(nos lavabos de um café-restaurante em Lisboa)

«Asserção de CANN: "A divisão das contas em partes iguais é geralmente uma proposta de quem pediu o prato mais caro."»

A lápis; Anónimo (invocando o nome de CANN)
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quinta-feira, 29 de setembro de 2005

Homenagem impressionista às papoilas, já fora do tempo delas

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Claude Monet (1840-1926)

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De Tarde

Naquele "pic-nic" de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima de uns penhascos,
Nós acampamos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão,damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda,
O ramalhete rubro de papoulas!

Cesário Verde (1855-1886)

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Dois irmãos na relva

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terça-feira, 27 de setembro de 2005

Livros velhos, Barreiro e ...ramais mineiros do Alentejo

Ontem foi o dia da chegada de livros que encomendei ao meu alfarrabista. Dia de festa, pois. Entre (a) um elucidário sobre a "maldade" das ideias progressistas, escrito em 1936 para uso e abuso dos hierarcas do regime; (b) umas cartas para o Alentejo, transcrição de crónicas jornalísticas escritas nos anos 40 por um interessante correspondente, felizmente em latitudes políticas diferentes das do anterior - mas certamente temperado, nos originais, pelo zeloso e venerador termocautério da censura; (c) um descritivo chatamente minucioso das batalhas da guerra franco-prussiana de 1870-1871, já visitado pelo "peixinho de prata" mas ainda bom para cotejar com o "A Derrocada", de Zola; e (d), finalmente, um dos primeiros textos do Serviço de Fomento Mineiro, sobre "as minas de ferro de Montemor-o-Novo" [1].

Perguntar-se-á o que tem esta salada de livros a ver com o Barreiro. E tem! Tem, no primeiro, porque em 1936 havia de certeza, no Barreiro, hierarcas do regime, prontos a ler o dito livreco (e certamente que ainda os há, embora tenham ultrapassado aquele na curva do tempo e até, por vezes, fora de mão para fingir seguiduras, mesmo que transitórias, do "espírito da época"). Tem, no segundo, porque algumas das cartas para o Alentejo ficariam também razoavelmente enquadradas aqui ou no "Xangai" [2], não fosse/seja o Barreiro uma verdadeira testa de ponte alentejana à beira-Tejo, muito por mercê do comboio, que deixou esquecer por uns bons decénios o histórico encabeçamento filípico, em Aldeia Galega, da "estrada dos espanhois". Tem, no terceiro, porque a guerra franco-prussiana teve repercussões ruidosas nesta terra, de que aliás já falei, levando ao exaltar dos ãnimos e a uma cisão (que ainda hoje perdura) de uma sociedade cultural e recreativa, cisão essa em que os politicamente menos avançados à época são os que hoje se reclamam desse avanço. Vidas! E, finalmente chegados ao quarto livro, também tem, porque o terminal ferroviário do Barreiro, mesmo antes da CUF ser aqui sonhada, passava já por importante infraestrutura do tráfego mineraleiro nacional. Encontrei e citei referências à exportação de "lumps" ou "nódulos cupríferos", em que o cobre se concentrava e que, retirados por isso dos restos das teleiras [3], eram poupados à lixiviação e vendidos tal-qual -- e existe, na memória dos barreirenses mais velhos, uma conotação a infraestruturas portuárias (hoje desaparecidas) designadas como "dos ingleses" (vg. a "Ponte dos Ingleses"), que permitiam a interface comboio/barco para o "minério de ferro das minas dos Monges", precisamente algumas das minas do tal conjunto de Montemor / Escoural. Ora, no livro que comprei, encontro -- com razoável desenvolvimento -- a situação e topografia, a história, a geografia, a geologia, a mineralogia, a descrição das estruturas e as infraestruras e os mais relevantes elementos de ordem económica (quantidades, teores, etc) das referidas minas, enquanto laboraram!.

Fixando-me agora neste último volume e ainda sob as sãs influências da Barborinha de ontem, venho por as referidas informações à disposição de quem as deseje obter e muito especialmente de quem, um dia, queira abordar a questão do Barreiro como terminal exportador de minérios do Alentejo, depois da chegada do caminho de ferro e no período anterior à CUF [4]. Ou de quem, abrindo uma perspectiva mais ampla, se aventure na "história mineira" dos caminhos de ferro do Sul e Sueste e dos ramais adjacentes, com a consideração e descrição dos diversos "caminhos de ferro mineiros" que proliferaram por aí e que, duma forma ou de outra, neles "desaguavam"! [5]


Para abrir o apetite aí vai a fotografia de uma das quatro locomotivas-tenders de 7 toneladas que "in illo tempore" levavam o minério das minas de Montemor, Monges & outras, até à junção do ramal mineiro com a linha do Sul e Sueste, ao quilómetro 81 desta. Sugerir custa pouco; por isso -- e porque já me falta tempo e alguma genica -- passo a bola, centrando, para quem queira, nestes temas, rematar à baliza! [6]

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Observações & notas:
[1] Trata-se da obra de ADALBERTO DE ANDRADE et al., "Minas de Ferro de Montemor-o-Novo", Publicação nº 15 do Serviço de Fomento Mineiro, Lisboa, 1949.
[2] Forma pouco carinhosa como era tratada então a "Baixa da Banheira do Tejo", hoje a totalmente diferente desenvolvida e populosa freguesia da "Baixa da Banheira", do concelho da Moita, imediatamente a nascente do Barreiro.
[3] As teleiras ou telheiras eram montes de pirite e lenha, em que o minério era queimado ao ar livre para depois se lhe extrair o cobre por lixiviação. Consumiam (loucamente) madeira e exalavam (loucamente) anidrido sulfuroso. Com elas, adeus bosques! A história das minas de sulfuretos do Alentejo e da "cuenca" do Tinto / Odiel está cheia de (más) histórias quanto a esta prática, que - na altura - era o que havia. Perto de Aljustrel, as "Pedras Brancas" ainda mostram restos da paisagem lunar resultante dessa prática, que se manteve até ao início do sec XX. Os ambientalistas de hoje, postos perante aquilo, rasgariam biblicamente as vestes e cortariam as barbas! Igualmente grave, para o futuro, seria esta sistematica exportação de fracções ricas em cobre em lugar de as procurar tratar nas minas (ou em metalurgias nacionais), de forma integrada como já sucederia em RioTinto antes do sec. XX. Esta sistemática falta de prática (ou de vontade) integradora levar-nos-ia a perder para outros a oportunidade de fruir, em nosso benefício, a descoberta de Neves-Corvo, já nos anos 80 do sec.XX. Mas isso são outras histórias, um dia também a contar!
[3] De que, bem recentemente, se voltou a falar nos jornais... mas não certamente como minas de ferro!
[4] Quando as fábricas da CUF são montadas (1908), começa-se, no Barreiro, a dar um emprego mais confinado e menos agressivo que as teleiras às pirites do Alentejo, usando-as para produzir o ácido sulfúrico necessário à produção de adubos fosfatados (superfosfatos). Aliás o interesse mundial pelo ácido sulfúrico permitiu que as pirites passassem a ser exportadas com esse mesmo fim, ou seja, como fonte de enxofre, em vez de se lançar o mesmo para a atmosfera junto às minas, como anidrido sulfuroso. É uma marcante reviravolta na utilização deste mineral, que transporta a sua transformação da boca das minas para os centros industriais utilizadores, periféricos ou remotos, ligados á indústria química e certamente localizados de forma a poderem também receber as fosforites, essencialmente provenientes do Norte de África. Conviria igualmente saber até que ponto o "terminal mineraleiro" do Barreiro contribuiu para isso, dando passagem quer à exportação de pirites, quer ao abastecimento das adubeiras do norte do Tejo pelas minas do sul (com excepção, certamente, da mina de S.Domingos que, afastada da rede ferroviária nacional, tinha o seu próprio caminho de ferro mineiro até ao porto fluvial do Pomarão, no Guadiana, por onde a sua produção ia saindo)
{5] O ultimo dos quais, aliás recente (posto ao serviço em Setembro de 1992), consistiu na ligação da mina de Neves-Corvo à rede ferroviária nacional em Ourique, com um percurso de 32 km . Para quem goste menos de minas e mais de cinema, ou para quem goste de ambas as coisas, dir-se-á que este ramal serviu para filmar "A Casa dos Espíritos" (1993), baseado no romance homónimo de Isabel Allende.
[6} Com uma rede ferroviária muito mais rica e uma cuidada conservação do equipamento, RioTinto explora turisticamente a sua "história ferroviária" quer na mina (fazendo o passeio diário do comboio mineiro até à "estação" de Los Frailes e mostrando as oficinas / depósitos). quer no monumental terminal portuário, em molhe, em Huelva, construído em 1874. Tharsis, que também tinha linha e terminal portuário próprios, não mostra o mesmo grau de avanço. Nós, quando mostramos qualquer coisa, é por mera excepção, porque a maior parte do que poderia ter valor já quase sempre se perdeu! RioTinto, ao que sei. tem uma monografia publicada sobre a via férrea e outra sobre a sua reconstrução após uma famosa enxurrada ainda no sec XIX; o molhe tem, igualmente, descrição e publicação própria. Nós, ao que eu julgo saber, nada temos -- salvo notícias ou referências dispersas.
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Santa Bárbara... de Afinsa

Desculpemo-nos todos se o blogista (que sou eu) se passou dos carretos e vou surgir aqui com uma postagem nem convencional nem "politicamente correcta", fazendo a "transcrição" pura e simples dum anúncio hoje presente na primeira página do "Diário Económico". Penso estar certo ao admitir que o "dono do anúncio", a Afinsa, que transacciona com bens tangíveis como razão de investimento, se não vai importar com a publicidade que, por esta via, lhe é involuntariamente - mas efectivamente - dada! Aliás se o anúncio não fosse chamativo, se fosse visão corriqueira de passa-leitor, não me faria cair na drosera publicitária e, ainda por cima, eufuísticamente satisfeito com a beleza que, mesmo escondida, mesmo que só muito parcialmente revelada, pode habitar num canto de página de jornal diário!


Mas o caso é... Santa Bárbara! Quando nela falei, na infância deste blog, a 21 de Agosto, creio, prometi voltar. Certamente que não o contava fazer assim... mas quando olhei para o rosto aureolado e florido da santa (também pouco mais dela se vê...), para o castelinho ou torre claramente evidente do lado esquerdo, pensei logo "temos Bárbara!". E temos Bárbara fora do (meu) inventário virtual, ou seja, do meu album de invejosa olhadela... sem mesmo saber se a imagem pertence aos senhores da Afinsa ou a algum muito feliz investidor ou a qualquer outro igualmente feliz possuidor. E a que escola pertence: catalã, mais como me parece, leigo que sou nestas coisas, valenciana, mas menos provavelmente flamenga? Pois bem, não resisti. Aqui está a Santa tal qual vem no anúncio. Valha-me ela, para que seja perdoado! E. quando penso que existe a sul uma Santa Bárbara de Padrões, que existe, ainda mais ao sul, uma Santa Bárbara de Nexe, por que razão não chamar, a esta, tão sita a sul duma página, Santa Bárbara... de Afinsa? E, dada a natureza e o título do suporte que a trouxe, por que razão não a invocár para que afaste as trovoadas económicas (e não só económicas!) que teimam em relampejar por aquí.

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A tempo: Se algum senhor da Afinsa visitar este blog, gostaria que soubesse quanto - sem qualquer outro interesse que não apenas esse - me interessava ter uma foto da Santa "de corpo inteiro", com os possíveis dados sobre o seu "BI artístico" (dispensa-se o NIF).
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segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Dos labirintos... (1)

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Sempre me interessaram os labirintos pelo que são, pelo que significam, pelo que podem significar. Recordo-me de alguns, relembro outros, passo de jardins franceses, amaneirados, a outros mais densos e mais românticos, com alamedas luxuriantes e compactas de buxo recortado, em que bancos de mármore sabiamente dispostos vão sugerindo uma pausa que Watteau não desgostaria enquanto se procura uma saída, e como o mármore pode ser frio! Deixo atrás de mim, desenroladas na memória, as superfícies de papel de cenário em que desenhávamos e corrigíamos, pacientemente, uma das primeiras aplicações da teoria dos grafos ao planeamento de obra para uma unidade industrial, em Portugal, enquanto um emissário corria para Lisboa, a usar o único computador disponível para "correr o Pert" daquele trabalho - e o labirinto lá estava, com uma entrada e uma saída, uma rede complexa, ligações lógicas e o cuidado de evitar "circuitos fechados" (os tenebrosos "loops") que por vezes nos surpreendiam, surgindo sabe-se lá de onde! Retomo cálculos de "net-backs", traço e retraço diagramas da teoria e da prática de comunicações, redes de distribuição, lendas, narrativas mitológicas, Teseus matando o Minotauro na superfície de vasos gregos, S.Jorges galopando para interromper duvidosas progressões de donzelas modestamente nuas à porta do covil quiçá labiríntico-iniciático do dragão, Simão Bolíver posicionado na prosa fértil de Gabriel García Marquez, Tom Sawyer e Becky perdidos na gruta, barracas de feira com carrinhos rolantes e beijos roubados com apalpões sortidos entre esqueletos de plástico e serapilheiras simulando teias de aranha, pedrinhas deitadas ao chão para reencontrar caminhos, riscos imperceptíveis nas paredes, fios e laços de lã colorida de Ariadnes-caramelas como nas matas da Arrábida, nós dados na urze só com a mão esquerda como os de S.Salvador do Mundo, mas aqui para guiar mais que para acolher pedidos, assegurar promessas, conjurar e esconjurare ódios, o céu imutável por cima do saibro, em que voam Dédalo & Filho, Sucessores, S.A. empoleirados em parapentes, e as paredes verticais limitadoras de campo, indutoras de trajectórias, obstáculos intransponíveis que se levantam e tolhem o passo quando a saída parece estar mesmo ao lado mas teimosamente se nega, entre as gargalhadas dos que já se libertaram.

Pois, um dia destes, deu-me para procurar o que houvesse sobre labirintos, em termos analíticos. Recordo-me que uma vez, folheando uma enciclopédia de estilo monográfico, creio que a EINAUDI [1], encontrei uma referência à "ciência dos labirintos", mas a verdade é que, buscando então outro assunto, deixei-me perder essa fonte. Procurarei nova e pacientemente, na primeira oportunidade -- e contarei aqui, tintim por tintim, em pura madeira de Gepeto, o que por lá constar. Entretando desci à "net" e fiquei estarrecido com o número de referências que cada motor podia proporcionar e com a verdadeira complexidade de busca daí resultante.,englobando e intrincadamente misturando os mais maniversos conceitos e acepções Há, entendamo-nos, muito poluição nética, muita poeira no ar e a tentativa de encontrar textos de interesse levarão a muito trabalho e a duvidosos resultados. A menos que se recorra á técnica da pesquisa em cacho de uvas!

Porém, numa primeira, ainda muito elementar e limitada abordagem, recolheram-se já alguns interessantes pontos de apoio, que aqui ficam registados para navegações futuras:

"A Invenção do Dédalo", por Celuy Roberta Hundzinski Damásio, em http://www.espacoacademico.com.br/052/52damasio.htm

"Das Geometrias Labirínticas", por Lima de Freitas, em
www.instituto-camoes.pt/cvc/bvc/revistaicalp/labirintos.pdf

Diversas portas abertas e a pesquisar em
http://laborintus.planetaclix.pt/Refs-DB.html

Um "programa fazedor de labirintos", mera curiosidade, mas interessante, em http:// www.billsgame.com / mazegenerator

Feitas pois estas anotações de partida, desafiando e agradecendo desde já o contributo de quem as queira desenvolver e aumentar (procuro essencialmente a abordagem analítica da entidade "labirinto") e prometendo regressar ao tema, deixo um apontamento delicioso recolhido enquanto percorria e crivava o verdadeiro labirinto de páginas obtido . Trata-se de um excerto da biografia do professor Claude Elwood Shannon (1916 - 2001), nome pioneiro da teoria da informação [2].

"Génio matemático que combinava a intuição, a abstracção e as aplicações, Claude Shanon tinha como passatempos andar de monociclo e construir máquinas aparentemente inúteis. Construiu várias máquinas de jogar xadrez, um autómato que procurava a saída num labirinto, e aquela a que chamou de "máquina final". Nela, via-se apenas um interruptor. Ligando-o, o aparelho emitia um som zangado e dele emergia uma mão mecãnica que desligava o interruptor, terminando a brincadeira."

Esta "máquina final" não é mesmo um achado?

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Notas:

[1] É surpreendente a débil divulgação que a ENCM fez desta excelente enciclopédia, que editou, traduzida, em 43 volumes.

[4] Em http://www.numaboa.com.br/criptologia/historia/shannon.php
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domingo, 25 de setembro de 2005

Desvelo autárquico

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Anúncio no "Jornal de Notícias", 24/9/2005, pag.40

sábado, 24 de setembro de 2005

Cracóvia... Porto... e Vila Nova de Gaia !

À minha amiga Clara Leonora, com cumprimentos.

Efeméride na pag. 4 do "Jornal de Notícias" de 5 de Setembro de 2005

Na manhã de 5 do corrente mês de Setembro, ao folhear o matutino que acompanha, ao ser lido, o galão morno e escuro e o pão com manteiga do meu pequeno almoço, dei com uma efeméride que me transportou à minha terra natal, no tempo da minha infância. Curiosamente, essa mesma efeméride iria também trazer-me recordações de Cracóvia, a cidade de praça majestosa, de castelo surpreendente sobre o rio, de igrejas monumentais e que, na minha primeira visita, mal pude admirar pois encontrei-a com a surpreendente temperatura ambiente de – 35ºC (menos trinta e cinco graus Celsius), de que – avisado á partida - me fui precavendo com um capote alentejano, tão admirado quanto eu com aquelas frialdades, interiores termotebe (passe a publicidade, que não é enganosa!) e os líquidos contributos locais de wirobowa quanto baste e de... “cognac Napoleon” no restante, que também o encontramos por ali a ponto da “delegação portuguesa” esvaziar uma garrafa inteirinha. E a "delegação" eram... dois!

Em recordações mais remotas: Era o tempo da guerra e, lá em casa, sabíamos bem do lado em que estávamos. Meu avô, velho democrata, ainda era vivo; meu pai andara em França na I GG e fora "gaseado" na frente do Lys, meu tio Guilherme negociava carvão... com a Inglaterra. O Sr. Fernando Peça, aos microfones da BBC, era companheiro assíduo, à hora de jantar, entre assobios diversos e música de Elgar nos intervalos. No escritório havia um grande mapa e, entre uma mancha castanha central e uma enorme superfície verde havia um país colorido a rosa que meu avô designou um dia – e marcou-me, essa designação – como sendo “a Polónia, a mártir”! Mais ou menos por essa altura, folheando as revistas de guerra, decobri uns miudos maltratados, pequenos como eu, chorando sentados na beira dum passeio, frente aos destroços duma casa que ardia. Eram polacos, dizia a legenda. E eu iniciei então, espontaneamente, algo que, na minha ingenuidade, eu achava ser uma forma eficiente de protesto: o meu boicote pessoal às “bolas de Berlim”. Seja dito que, antes dessa recusa, eu era um entusiasta dos ditos bolos e que, após a guerra, eu voltei ao meu entusiasmo. Mas, de calções curtos e boina (outra forma escondida de protesto... porque o Bernardo tinha uma boina mas o Erwin não tinha!), eu mantive-me anos seguidos sem comer bolas de Berlim.

Mas estou a afastar-me do tema – coisa que os blogues toleram, no espaço e no tempo! Vou fixar-me agora alguns anos depois do episódio dos “Berlinerkugeln” recusados, quando já me obrigavam a melhor aprender a história local! Lá em Vila Nova havia, como há, a Rua dos Polacos. Faz parte da toponímia local, como memória dos meses turvos do cerco do Porto (Agosto 1832 – Agosto 1833), quando as forças absolutistas do rei D. Miguel tentavam aniquilar as forças liberais do irmão e também rei D.Pedro, encerradas estas na cidade de granito, a norte do rio Douro [1].



"Serra do Pilar" (Vila Nova de Gaia, Portugal) : vistas actuais

Ao sul do rio, um enorme batólito descoberto e isolado, também granítico, permanecia inexpugnável nas mãos dos defensores da cidade, encimado pela original igreja redonda, herança filipina, e o mosteiro anexo, permanentemente bombardeado e alvo de ataques violentos que se cruzavam com as surtidas dos sitiados. Todos sabiam que, perdida a “Serra do Pilar”, a cidade fronteira correria sério risco de ser tomada – pois melhor lugar não poderia haver para montar mais canhões e bombardear o casario, da Ribeira à Sé, dos Guindais à Batalha por Santa Clara e a Muralha Fernandina. Havia que resistir, o bastião da “Serra”, mesmo que isolado, não poderia cair... e não caiu!

"A batalha da Serra do Pilar" (1832-1833)
Dias da Costa, 1832
(in Biblioteca Nacional Digital
bhd.bn.pt/ed/castilho/iconografia/015.html)

D. Pedro IV, o Rei Soldado, o mesmo que dissera “Fico!”, que dera o “grito do Ipiranga” e que abdicara do trono do Brasil para colocar no trono português sua filha Maria da Glória, não poderia deixar de honrar os defensores da Serra do Pilar e quando, depois de um dos tremendos ataques que sofreram, lhes deu publico louvor não encontrou melhor expressão, para celebrar a sua denodada resistência, que chamar-lhes “os Polacos da Serra!”. Essa frase tinha aliás dois sentidos: o sentido romântico da luta do povo polaco pela liberdade que merecia a admiração da Europa e que, decénios antes, se consubstanciara na imagem do também denodado Tadeus Kociusko


Os "irmãos desavindos" e as forças que os suportavam
(caricatura inglesa)
... ou não há almoços gratis!

e um sentido simbólico, pois sendo D.Miguel apoiado pelos “apostólicos”, pela coligação dirigida pela Aústria, a Prússia e a Rússia, era precisamente citando os polacos que se exibia a oposição a esses mesmos estados, habituados que estavam a repartir entre si o território polaco. A “Rua dos Polacos” era e permanece uma recordação dessa frase real. E eu sabia, porque menino e moço m’o tinham contado, que – anos antes de eu ter nascido - uma delegação oficial polaca tinha estado ali, no que fora um campo de violenta luta, para levar para a Polónia terra da “Serra do Pilar”.

Muitos anos depois, situações diversas levar-me-iam novamente a Cracóvia e, numa visita mais amena que a primeira, pude descobrir as quatro (creio que são quatro) colinas artificiais que estão nos arredores da cidade. Duas são muito antigas, uma das quais – segundo me disseram – se chamava Krak e era apontada como tendo dado o nome à terra. Das outras duas, mais recentes, uma celebrava Kociusko, precisamente, e a outra José Pilsudski, que morreu marechal e que teve uma vida com diversas fases sombrias, de que pouco se conhece por aqui. Ora foi precisamente para este monte artificial que foi acarretada a porção de terra recolhida em Vila Nova de Gaia, para se juntar á terra de milhares de outros campos de batalha ou de locais históricos directa ou indirectamente ligados à Polónia – como a efeméride do Jornalde Notícias veio recordar.

O morro PIlsudski, em Cracóvia

Esta colina, que os alemães arrasaram durante a ocupação, seria anos depois refeita e lá está, como eu também a pude ver -- sem saber então como podia estar tão longe mas simultaneamente tão perto duma porção, mesmo que ínfima, de terra da minha terra. [2]

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Duas breves notas:


[1] As toponímias de Vila Nova de Gaia e do Porto guardam outras memórias do decisivo cerco. Mas é a “Rua dos Polacos” e a recolha, com pompa e circunstância, da porção de terra enviada para a Polónia, que mereceu a atenção do referido “Jornal de Notícias” de 5 de Setembro e que evoco agora aqui. Acrescento que, assinada a paz em Évora-Monte (Maio 1834) e remetido D.Miguel ao desterro em Viena de Aústria, D. Pedro pouco tempo iria sobreviver à sua vitória e morreria no Palácio de Queluz (Setembro 1834), no mesmo quarto em que nascera. Jamais esqueceria o Porto, cidade a que legou o seu coração – que ainda hoje se mantém como relíquia, em escrínio de prata, na Igreja da Lapa.

[2] Mais ou menos na mesma altura da efeméride citada, celebrando em festa partidária os 60 anos do fim da II GG, um político português recordou, e bem, o papel da URSS na designada “Grande Guerra Patriótica”. Sugerindo porém que “os comunistas sempre tinham sido contra a guerra”, passou uma rápida esponja pelos longos e sofridos dias que vão de 1 de Setembro de 1939 à reviravolta de 22 de Junho de 1941, em que a Alemanha iniciou, de surpresa (pelo menos para alguns!) a “Operação Barbaroxa” e atacou a URSS. Manteve-se, nesse período de cerca de 2 anos, o que foi o coito danado que o livro que seguidamente se mostra, entre muitos outros, descreve - mas que ainda não está inteiramente contado:


A escolha difícil... e o esquecimento fácil.

E mais uma vez, repartida entre vizinhos indesejáveis. teve a Polónia, com horroroso sacrifício do seu povo, que arcar com toda a tragédia emergente dessas históricas e imperialistas cobiças.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2005

Alda Lara (Benguela, 1930 - Cambambe, 1962)

Prelúdio

(para Lídia, minha velha ama negra)

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra desce com ela.

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos
nas suas mãos apertadas...

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
tem voz de noite descendo
de mansinho pela estrada.

... Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada.
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo,
Mãe-Negra...

É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaços,
bem quieta, bem calada...

É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo
de mansinho pela estrada...

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Alda Ferreira Pires Barreto de Lara, a que veio acrescer Albuquerque pelo casamento com o escritor Orlando de Albuquerque, nasceu e morreu em Angola (Benguela, a 9 de Junho de 1930; Cambambe, a 30 de Janeiro de 1962) - embora grande parte da sua vida se passasse em Lisboa, onde concluiu o Liceu e iniciou o curso de Medicina, e em Coimbra, onde concluiu esta licenciatura. O poema transcrito, presente em muitas antologias de poesia em português, terá sido escrito em Lisboa, em 1955, e tem a dedicatória "para Lídia, minha velha ama negra". Tendo regressado a Angola, poucos anos mais iria viver. A sua produção poética e literária (era igualmente contista de reconhecido valor), alguma dela dispersa, foi - pelo menos parcialmente - coligida por Orlando de Albuquerque, que se propôs editar-lhe postumamente toda a obra. Como declamadora e colaborando em algumas iniciativas da Casa dos Estudantes do Império foi, enquanto em Portugal, uma difusora da poesia e literatura africanas de expressão portuguesa. Conheci a sua poesia nos livrinhos da "Imbondeiro", editora (enquanto deixaram essa editora editar...) da então Sá da Bandeira, hoje Lubango.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

O enigma de um dia

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O enigma de um dia
Giorgio de Chirico

... e que o teu dia, esse, não tenha consigo nenhum enigma.
Que corra placidamente muito feliz, como mereces.
Psst! Vê se me consegues lobrigar à janela da segunda carruagem naquele comboio distante... e como o sei desviar agora da mancha colorida da imagem para te poder gritar "Feliz Aniversário!".
Esse é que é mesmo o mistério escondido que, ficando longe, partilhávamos
e que podia fazer uma história das que te contava.
Não a contes pois a mais ninguém!


[Pois quaisquer semelhanças com o mercado, a ex-chaminé da ex-metalurgia, a estátua e as formas cilíndicas de Alburrica poderiam sugerir outro pequeno enigma...
Mas tranquiliza-te: ao que se sabe, Chirico não conheceu o Barreiro!]

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Em louvor dos alienígenas

"A prova provada de que existe vida inteligente no Universo é que ninguém tem tentado contactar-nos"

Recordado de um Calvin & Hobbes, anos atrás

Georgius Agricola:produção de ácido nítrico (sec. XVI)

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em "De Re Metallica", ca. 1550

terça-feira, 20 de setembro de 2005

Não te esqueças nunca

Não te esqueças nunca de Thasos nem de Egina
O pinhal a coluna a veemência divina

O templo e teatro o rolar de uma pinha

O ar cheirava a mel a pedra a resina

Na estátua morava tua nudez marinha

Sob o sol azul e a veemência divina

Não te esqueças nunca Treblinka e Hiroshima
O horror o terror a suprema ignomínia.


Sophia de Mello Breyner Andresen

(transcrito em
“Amnistia Internacional - Informação”, 20/21, pag.28)

segunda-feira, 19 de setembro de 2005

Duas "prendas" e uma descoberta...

1. A última postagem sobre a "sublime Garbo" e a referência feita á "cena transgressora" no Cinema Batalha [1] trouxe-me duas "prendas" e uma descoberta. De comentários escritos, até ao momento "nicles"! Tenho de mudar a equipe, depois do intervalo!

2. A primeira prenda foi alguém recordar-me o artigo de "El País Semanal" publicado no domingo 10 de Julho de 2005 que Javier Marias assinou, com o título "El escote escamoteado" [O decote surripiado] e que, com ênfase, subtitulou "Eles decidiam o que podíamos ver, ler e escutar". Tinha-o e tenho-o comigo, o artigo, pois pessoa amiga mo trouxe de Madrid ao saber do meu entusiasmo (de então, como agora [2]) pelo cinema italiano, mas a verdade é que o texto "fez mossa", como pode ser lido e verificado por uma simples busca do conceito "el escote escamoteado" (assim mesmo, entre aspas) no Google [2A]. Aí se vê como, no país vizinho, também se cultivavam, predominantemente de outro modo, mas não menos insidioso, desvelos oficiais sortidos para tapar os olhos e preservar a virtude numa juventude merecedora de dúvidas, porque considerada potencialmente corruptível. Dir-se-ia, na altura, que "lá como cá, más fadas há". Hoje rememoramos o mesmo, ainda que alguns já se tenham esquecido e outros cantem de galo com o que não viveram nem experimentaram.

Como desforço ao que reste desses "cónegos remédios avant la lettre", vou seguidamente postar o cartaz de "Arroz Amargo", película italiana de 1949, com direcção de Giuseppe de Santis, produção de Dino de Laurentis e um elenco sensacional, em que se destacavam Vittorio Gassman, Doris Dowling, Silvana Mangano (eu não dizia!), Raf Vallone e Aristide:



3. A segunda prenda foi-me mandada num normal zicho informático, com autor desconhecido, tal como anda por aí na "net". Mas merece um pequeno comentário prévio.

É sabido que diversas civilizações antigas, muito mais pragmáticas que teóricas, não enveredaram por cultos a estátuas de bezerros de ouro ou de serpentes de bronze e prezaram, como figuras de devoção ou como representações propiciatórias muito próximas, os vulgaríssimos cerdos, animais utilíssimos que serviam para nutrir a população esfomeada, eram pouco sofisticados em comedorias, agarravam-se e matavam-se bem e, ainda por cima, se mostravam razoavelmente procriadores [3]. No inventário arqueológico de Portugal existem diversos desses porcos graníticos, inconfundíveis, como o varrão monumental que se mostra a seguir e está presente na vila de Murça, sendo conhecido como "porca de Murça":


A origem dos porcos-mealheiros, difundidos por todo o mundo [4], pode ter como inspiração remota essa utilidade do porco e a riqueza que o porco traz. Em Portugal são correntes os porquinhos-mealheiros de barro, produto vulgar de olaria artesanal, que se vendem nas feiras e que se partem quando cheios de moedas. Mas há-os de multiplos formatos, materiais e apresentações, como no exemplo que se dá a seguir e que aparentemente é de plástico:


Ora a oferta tem a ver com isto! Dadas as dificuldades orçamentais em que vivemos, é-nos proposto um "porquinho-mealheiro para lusitanos", ou seja, adaptado à situação corrente! Mais exemplo de humor realista que materialização do tradicional pessimismo doméstico - assim pelo menos o vejo - ei-lo aqui:



4. Fica ainda a descoberta. Esta é mais séria e constitui o "pensamento da semana" da "newsletter" dum portal gastronómico que costumo visitar por outras óbvias razões [5]. Achei-o porreiríssimo e, por isso, o transcrevo:

"As ilusões perdidas são as verdades encontradas"

E não é mesmo que têm razão? E não é que se adapta, como legenda final, a tudo o resto?

Boa noite!


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Notas:

[1] Onde também havia uma grande pintura mural que a "suma inteligência" da época mandou apagar. Como sucedeu também no café Rialto, idem no Porto, creio que até já falei nisso. Havia então uma enorme preocupação com as pinturas murais. Ou com todas e quaisquer pinturas! Parece-me que foi um dos dois jornais humorísticos de então (que, ambos, parece não terem ultrapassado em longevidade o moscovita "Krokodil"... !) que "morreu de morte macaca" quando o regime festejava "os 40 anos de cultura" com pompa e circunstância e o caricaturista de serviço se lembrou de colocar na primeira página o personagem habitual, ao lado de uma grande lata de tinta e a legenda "40 anos de pintura... e sempre à brocha".

[2] Que a Anne Francis, esteja onde estiver, me desculpe, mas isto veio mesmo depois...

[2A] Quem não obtiver o texto e estiver interessado, que m'o diga pelo e-mail do blog.

[3] Outros, como é sabido, afastaram e afastam os porcos, tidos como "animais impuros". Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso! E todos - terras e usos, rocas e fusos - são igualmente respeitáveis!

[4] Aparece nas mais diversas latitudes e, por vezes, até trazendo novidades. Uma destas pode descobrir-se ao procurar "mealheiro de porco", assim mesmo escrito à portuguesa, num dos motores de busca da "net": vão encontrar diversas referências... mas em japonês. Restos da presença portuguesa lá? Legado linguístico, como "pan", "botan", "castero", etc? Eu não sei japonês, mas anotei para, na primeira oportunidade, tirar a limpo e explicar-vos-ei depois! [mais uma promessa... pareço mesmo um primário e inexperiente candidato a autarca, com exacerbado síndrome pre-eleitoral]

[5] www.gastronomias.com

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domingo, 18 de setembro de 2005

Centenário da "Sublime Garbo"



Faria 100 anos! Rememoro-a como a conheci, no filme "Maria Walewska" (no original "Conquest") que saiu de Hollywood para o mundo em 1937, ano de vinhos medíocres mas de outras melhores colheitas [1].

E, seguidamente, como eu, teleportado no tempo, gostaria de a ter conhecido


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Espumas da memoria...


[1] Contracenava com Charles Boyer, que (pudera! ao lado da Garbo) assumia com agrado o papel de Napoleão. Claro que não vi o filme em 1937... mas bastante depois, quando este estava incompreensivelmente classificado - em plena e rigorosa dureza moralista do regime! - "para maiores de 18 anos" e eu ainda nos meus 14 (ou 16?). Tudo se passou no Cinema Batalha, no Porto. Recordo-me que me dirigi ao polícia de serviço à porta de ingresso e que lhe disse com ar sério: "Fique sabendo que não tenho idade, mas conheço todos os pormenores da história e até tenho que fazer um trabalho sobre o assunto!". E ele, compreensivo com a argumentação, a história e... o trabalho, deixou-me passar e vi a Garbo! De facto conhecia a história... e ainda hoje pergunto qual o critério apadrecado (no pior sentido) que, mesmo no quadro de então, rotulou aquilo de "filme para maiores de 18 anos"!

O potencial interesse de um blog como veículo de divulgação de elementos de natureza histórica e/ou científica por uma entidade hierarquizada

1.Na apresentação de uma das obras publicadas pela Câmara Municipal do Barreiro dentro do seu programa “Barreiro no Tempo” [1], J. Pacheco Pereira, nome assaz conhecido do panorama político nacional e conceituado activista da blogosfera portuguesa [2] e muito não-só-isso, que passarei a designar pela forma abreviada de JPP, lançou para a audiência um interessante desafio. Dadas as dificuldades e custos da publicação de que os intervenientes se queixavam, questionava ele por que não ir lançando documentos e resultados de pesquisa no conhecimento público, divulgando trabalhos valiosos que muitas vezes jazem policopiados em prateleiras, através da instituição e manutenção de um “blog”. Razão tinha JPP no seu desafio, ao confrontar com uma realidade moderna uma sociedade em que, como no Barreiro, há muito que contar, em que tal realidade é factível, a diversos planos e em que nem sempre a disponibilidade de meios (velha pecha nacional) permite manter uma linha editorial de maior ritmo e conteúdo. Razão e experiência, direi eu, pois um exemplo de sucesso neste campo é o blog “Estudos sobre o comunismo” que JPP mantém e que é já fonte consagrada de consulta por todos os que estão pelo assunto motivados, mormente pelos que conduzem investigação sobre a política e história contemporâneas.

2.Reflexões sobre a proposta de JPP, realizadas em destinatários potencialmente interessados, levantaram questões sortidas que, se ainda não totalmente resolvidas em sede própria, me fizeram avançar a nível “piloto”, entrando na blogosfera em fins de Julho passado pela construção de um “blog” pessoal, e reflectir sobre diversos aspectos que são públicos, para me permitir fundamentar posições futuras em qualquer debate a que venha a ser chamado. Dado o carácter geral destas observações, poderão passar também a “blog”.

3.Uma das primeiras questões que se pode por é a da opção entre “blog” e “site”. Considera-se, como ponto inicial desse debate, que o “site” – entidade informática conceptualmente mais formal - melhor permitiria a disposição pública de informações destinadas a uma audiência de interessados, muito especialmente orientada para a investigação e conhecimento. Por outro lado, a menor interactividade do “site” reforçaria essa formalidade. Finalmente, o “site” permitiria um maior controle e segurança dos elementos postados, dando possibilidade ao seu registo e recuperação permanente.

4.A estes argumentos a favor do “site” vs/ “blog” podem, em minha opinião, ser contrapostas diversas observações [3]:

4.1.O que se pode pretender com o “blog”, na orientação referida, é um meio expedito de comunicação que se destina a uma divulgação pública de elementos de trabalho e mesmo de trabalhos em fase de preparação ou que poderia ser de pre-publicação, mas já suscepíveis de serem divulgados. Nesse sentido, a formalidade pode ser mais um obstáculo que um objectivo e prejudica o propósito de aberta e rápida comunicação que, com o “blog”, se pretende;

4.2.A fonte emissora do “blog” e a autorização para isso, dentro da entidade emissora, também são aspectos a não ignorar. Um dos receios existentes, relativamente ao blog institucional, é que possa constituir uma forma de divulgação não coordenada de informação, escapando, por uma via não centralizada, às regras próprias da entidade emissora. É facto que uma tal objecção se poderá transpor para qualquer elemento original de informação externa que dessa entidade brote. Na verdade, mediante o estabelecimento de um “código do blog” [4] é possível garantir uma redução ou mesmo uma cobertura desses riscos. A identificação da origem dos comentários é possível e é também possível, sem grande esforço, manter uma reprodução exacta do material postado, incluindo os comentários, através de um permanente exercício periódico de verificação e controle.

4.3. A opção como “site” da modalidade que aqui se propõe como “blog” pode levantar uma outra questão: normalmente, muitas das entidades em causa dispõem de “sites” de estruturação relativamente pesada e naturalmente demorada, em termos de cinética, onde se colocam diversas utilizações, desde a divulgação institucional até campos vastos e diversificados de interacção com natureza informativa, processual ou comercial. A informação que se pretende postar, se inserida no “site global”, ficará assim quase diluída, em volume e importãncia, no manancial de informação mais premente e actual que esse “site” contém e que frequentemente se renova. Por outro lado, caso mesmo assim fosse aberta num outro “site periférico”, por-se-ia sempre a questão de “porquê dois sites?”, conduzindo inevitavelmente à atracção de qualquer “site periférico” e aligeirado para inserção e domínio no referido ”site global” - único, pesado e denso. É curioso verificar, aliás, as utilizações periféricas que se associam aos cada vez mais divulgados “blogs de empresa”.

4.4. A consideração do ponto 4.3. anterior resulta reforçada ao considerar as rotinas de processamento de informação que, sendo exigidas para um “site”, podem simplificar-se sensivelmente com o “blog”, Ainda o “blog”, em situações de liquidação, deixa menos escaras que as que seriam produzidas pela cessação de um “site” ou de um ramo inserido no “site” formal da entidade.

4.5. Quanto á especialização dos “blogs”, quer individuais, quer institucionais, é já facto conhecido. [5]

5. Demonstrando o interesse crescente pelos “blogues institucionais” e, dentro destes, pelos “blogues empresariais”, quase simultaneamente com estas considerações, a utilização dessas novas vias de comunicação ganhou novo alento. Cite-se o texto “Blogs & Wikis: Technologies for Entreprise Applications?” publicado no vol. 12, nº 10, 2005, pags 1 a 9 do « The Gilbane Report », que se encontra em www.gilbane.com [6] e o texto
http://www.portalexecutivo.com/PortalExecutivo/Redacção/2005/36/Blogs+
+empresariais+uma+nova+forma+de+comunicar
publicado em Portugal no “site” do grupo privado de comunicação “portalexecutivo.com”. Destes textos, que aliás tem diversas vertentes de aproximação, extraí alguns conceitos que poderão orientar qualquer aplicação dentro da linha prevista:

a) “Blogs” do CEO [6A] e “blogs” das “Relações públicas”. Dada a natureza das empresas portuguesas, considero bastante difícil, para não dizer revolucionária, a adopção da primeira destas modalidades. De facto a Administração “posta” informação pública no “site informal” da sociedade, dirige-se internamente através da “intranet” mas, a meu conhecimento, não existe qualquer caso em que esta comunicação seja aberta e tome uma forma explicativa, exponente de estratégia e dirigida ao grande público. Creio mesmo que possam existir limitações legais no caso de sociedades cotadas. A interactividade também, em princípio, será problemática. Mas não sucederá assim se a postagem se limitar a assuntos históricos ou técnicos, difundindo o que pode ser potencialmente sujeito a publicação ou que foi já motivo de comunicações públicas efectuadas noutros suportes.

b) A modalidade “wiki”: Trata-se de “blogs” que acabam por ser, em grande parte, editados pelos utentes, ou seja, em que a interactividade sai reforçada no sentido público -> emissor. Se este tipo de comportamento pode ser útil, p.ex. num “concurso de ideias”, não é precisamente o caso que se depara na postagem de informação científica e técnica. Para a protecção desta própria informação, dever-se-á tomar o conjunto de medidas que : i – impeçam o anonimato do comentador, implicando a sua identificação (e isso é possível); ii – evitem o “spam” ou outros mecanismos abusivos (e isso é também possível, nomeadamente com um sistema de identificação de legendas aleatórias); iii – impeçam o acesso à “mesa de montagem”, bem como o sacar de imagens e textos; iv – advirtam o utente de que qualquer referência ao material exposto deve necessariamente referenciar a fonte [7].

c) A renovação do material postado: Recolhe-se a frase “um blog onde os posts possam ser constantemente alterados acaba por não ser tão bem aceite pelo público e muitas vezes está mais próximo de ser ou um catálogo de informações sobre produtos ou mesmo um conjunto de press-releases”. Não é certamente este o risco de um “blog” como o que se pretende, em que os materiais postados raramente serão sujeitos a revisões e em que essas revisões, a existirem, serão motivo dos mesmos critérios de selecção dos textos originais e ficarão devidamente identificadas.

d) A recolha de informação: o que escrevi nas duas alíneas anteriores não deve obstar a que possa ser postada, como comentário, informação proveniente do público a que o “blog” se dirige. Essa informação não deve ser menosprezada e deve manter-se a máxima de que “o bloguista deve avaliar sempre os comentários que recebe”.

e) A presença de “expontãneos” na emissão do blog: deverá estar excluída pelo código do blog, já aludido. A postagem de trabalhos efectuados por elementos externos à entidade emissora será certamente possível, mas envolverá (i) a aceitação do texto; (ii) a aceitação de divulgação como blog pelo seu autor ou autores, sem invocação de quaisquer outros direitos além dos que sejam convencionados para a publicação.

6. um outro problema que subsiste é o da dimensão / número de postagens e dimensão do próprio blog. É evidente que, como diria Monsieur de laPalisse, o blog deve adaptar-se ao fim e extensão em vista e isso deve ser previsto em qualquer contratação de serviços com potenciais fornecedores de blog. Facto é que nas condições gerais de fornecimento de serviços por parte de “locais” habituais e úteis, a informação de limitações é escassa ou inexistente, mas que a entidade “servidora” se reserva o direito de a qualquer altura limitar o material postado ou a postar. Este é de facto um oceano ainda a explorar mas para o qual a experiência demonstra existirem soluções. Uma destas – a disposição de um servidor próprio – é onerosa, obriga a infraestruturas activas e pode por em causa um dos objectos que, com esta solução, se procura e que é o baixo preço´(por agora) da divulgação que permite. Por outro lado existem blogues, como os já citados de JPP, que atingem hoje uma extensão assaz considerável e um valor documental que não pode estar sujeito a vicissitudes e riscos. A solução imediata e simples consiste exactamente no que já foi referido quanto à preservação da informação: nenhum material será postado sem ter sido gravado em suporte óptico, a que se irão juntando, periodicamente, os comentários que forem sendo recebidos. As experiências que já conduzi no meu próprio blog, feito “instalação-piloto”, demonstram que isso é factível, com um mínimo de disciplina de registo. [8]

7. Embora a sua adaptabilidade ao projecto em causa seja menos crítica, dada a natureza potencialmente menos conflitual do material postado e as previsões do “código do blog” oportunamente referidas (e constantes da nota [4]) não deixa de ser importante o “undecálogo” da política sobre blogs da IBM, como vem transcrita no documento da “portalexecutivo.com” já referencioado supra:

1. Conhecer e seguir as directrizes de conduta empresarial da IBM.

2. Os blogs, os wikis e outras formas de discurso online são interacções individuais, não comunicação empresarial. Os funcionários da IBM assumem responsabilidade pessoal por aquilo que escrevem. (...)

3. Identifique-se (...) quando coloca num blog comentários sobre a IBM ou relacionados com a IBM.(...) Deve deixar claro que está a falar por si e não em nome da IBM.

4. Se publicar um blog ou escrever mensagens num blog e se tiver alguma coisa a ver com o trabalho que faz (...) use uma declaração de exoneração de responsabilidade.

5. Respeite os direitos de autor, uso justo e as leis de demonstração financeira.

6. Não forneça (...) informação confidencial ou outra informação proprietária.

7. Não cite nem referencie clientes, parceiros ou fornecedores sem o seu consentimento.

8. Respeite o seu público.

9. Descubra quem mais tem blogs sobre o tema e cite-os.

10. Não se envolva em disputas. (...)

11. Tente acrescentar valor. (...)

8. Nestes termos e com as referidas precauções, tenho como possível a criação de blog’s, por entidades emissoras hierarquizadas, que permitam a divulgação de elementos científicos ou técnicos de potencial utilidade para uma comunidade de informação e estudo, sem comprometer os sistemas formais de informação que a entidade emissora disponha. A realização dessas vias complementares poderá inclusive construir uma imagem muito positiva (e merecida) para a entidade emissora..

José M. Leal da Silva
Barreiro e Lisboa, 12 de Setembro de 2005

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ANOTAÇÕES:

[1] A 12 de Julho de 2005, na apresentação da obra da Dra. Vanessa de Almeida “Um momento de viragem - do 18 de Janeiro de 1934 ao hastear da Bandeira Vermelha em 1935”, obra esta integrada no projecto editorial “O Barreiro no tempo”, da Câmara Municipal do Barreiro.
[2] Desnecessária é a publicação de uma biografia do Dr. José Pacheco Pereira. Da sua actividade bloguista citam-se os consagrados “best-visited” da nossa blogosfera
http://estudossobrecomunismo.weblog.com.pt e http://abrupto.blogspot.com.
[3] O que representa uma opinião pessoal; no debate subsequente a este texto foram encontradas outras posições pessoais, quer mantendo a vantagem do site vs/ o blog, por razões de formalidade e garantia, quer defendendo ser esta uma questão meramente semãntica pois, numa entidade hierarquizada, acabam por dar ambas no mesmo.
[4] Um “código de blog” poderá nomeadamente conter as seguintes previsões:
1. o objectivo;
2. a natureza dos elementos a postar;
3. os direitos que se lhe associam
3.1. elementos próprios;
3.2. contribuições convidadas;
3.3. elementos públicos e citações.
4. a identificação do órgão emissor;
5. as responsabilidades associadas ao órgão emissor:
5.1. quanto a postagem
5.1.1. estabelecimento de um processo de acreditação prévia de textos, inclusive para garantir a qualidade e a qualificação do material postado;
5.1.2. comunicações;
5.1.3. autorizações;
5.1.4. revisões e actualizações de elementos postados.
5.2. quanto à manutenção do blog:
5.2.1. manutenção processual;
5.2.2. manutenção informática;
5.3. quanto ao registo e conservação das postagens e comentários;
5.3.1. (potencial) tratamento interactivo dos comentários (sabendo que é possível limitar comentários a comentadores identificados), são removidas praticamente todas essas dificuldades;
5.3.2. seguimento das questões suscitadas.
6. decisão de suspensão do blog
7. decisão de encerramento do blog
7.1. destino do material postado e dos elementos recolhidos durante o período de uso.
8. casos omissos
[5] Vide p.ex. o “blog” pessoal “Roda Livre”, voltado para a temática do caminho de ferro: rodalivre@blogspot.com bem como o já citado blog histórico de JPP.
[6] O acesso ao texto referido pode envolver a inscrição (gratuita) no “site”. Recomendo a consulta do “inquérito sobre blogs empresariais” que decorre no portal indicado, podendo também aí verificar-se os resultados obtidos até ao momento nessa consulta e os comentários produzidos.
[6A] Vd. o blog do vice-presidente da GM http://fastlane.gmblogs.com , como exemplo desta aplicação. Um anúncio recente de uma utilização deste tipo em Portugal (Jornal de Negócios (Lisboa) de 13 de Setembro de 2005, página 14) fala frequentemente em “site” mas sugere um envolvimento parecido com um “blog”. Assinale-se porém que, muito à portuguesa, o acesso é restrito a uma série de “eleitos”.
[7] Numa posição mais extrema, mas igualmente possível (JPP adoptou-a recentemente após uma série de “ataques” a um dos seus blogues), poder-se-á impedir a postagem absoluta de comentários, remetendo qualque comentário ou contributo para o e-mail que seja indicado, o que não inibe o contributo “de fora para dentro”. Como já se referiu no texto, recomendam-se medidas para evitar a intromissão (física ou informática) de “hackers”, bem como que evitem o “retirar” de imagens por parte de visitantes do blog.
[8] Para reduzir o espaço ocupado por um blog pde usar-se uma técnica também simples: deixar postados X trimestres, ou X semestres, ou até 1 ano e mensalmente “fotografar” a totalidade do material postado antes de fazer uma eliminação “FIFO” (“first in, first out”). Pode assim estabilizar-se a dimensão do blog, fazendo-se um índice para “documentos removidos”, que poderão ser sempre “repostados” a pedido.

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Fim…”for the moment”!

sábado, 17 de setembro de 2005

Enrique Casanova, pintor (1850-1913) (2)

Tive a ideia de adicionar como comentários quaisquer achegas supervenientes a postagens já editadas, parecendo-me essa técnica bem melhor e mais verdadeira que fazer uma revisão (e modificação) da postagem em si. Porém uma objecção se me deparou: procedendo assim, ficam essas novas observações fora da listagem sistemática das próprias postagens, correndo o risco de ficarem isoladas numa revisão global do tema – pelo que decidi passar a incluí-las em postagens complementares, devidamente identificando-as no título com o correspondente número de ordem. Assim sendo, aí vão mais algumas anotações sobre o já referido pintor. Podem perguntar-me por que razão o faço, muito em especial, sobre a obra de Enrique Casanova (EC) e a minha resposta é simples e única: porque gosto do que tenho visto. Mais nada.

1) O texto citado na anterior postagem, do jornalista António Valdemar, foi publicado no DN de 27 de Março de 2004 (não tenho de momento indicações mais completas para o localizar dentro do referido periódico – estando no entanto, acessível na “net” sem dificuldades). Surge a propósito duma exposição integrada no ciclo “Um Olhar sobre o Palácio”, exposição essa que penso ter sido inaugurada a 16 de Abril daquele ano, e em que um pintor contemporâneo, Luís Cohen Fusé, apresentou aspectos relativos ao palácio da Ajuda. Mas, relativamente à exposição, diz-se que “o motivo inspirador são as aguarelas de Casanova executadas em 1889 por encomenda da Rainha D.Maria Pia que as tencionava oferecer a seu marido o rei D.Luís I, no dia do aniversário”. Não chegaria a concretizar a oferta: D. Luís, que “aniversariava” a 31 de Outubro, morreu na cidadela de Cascais a 19 de Outubro de 1889.

2) Escrevi em nota à anterior postagem que não conhecia qualquer obra biográfica sobre o Infante D.Afonso, irmão de D. Carlos. Mas, afinal, parece que existe/m e já me indicaram pelo menos uma: de Emydio Gouveia, “O Infante D. Afonso de Bragança - O Popular “Arreda””, editada em Lisboa, em 1939. Certamente que a vou procurar.

3) Na listagem de obras de arte levadas ao 50º leilão (2001) de Cabral Moncada - Leilões, 3ª sessão, respectivamente como Lote 806 e Lote 807 estão referidas as duas obras mencionadas no texto como "Vista de Lisboa" (litografia colorida sobre papel, defeitos, dim. 39x116 cm) e "Vista do Porto" (litografia aguarelada sobre papel, defeitos, dim 39x116cm), cada uma delas posicionada, nessa altura, com valores €500-750. Ainda na mesma leiloeira, no 52º Leilão (2002), 1ª Sessão, consta uma "Menina de Touca", pastel sobre papel, assinado e datado de 1888, 42,5x32,5 cm, posicionado a €3500-5000. O que não impede que, num comentário de 2003 que me foi facultado a título de “comunicação pessoal”, se opine que as obras de EC "não tem cotação no mercado em virtude dos seus quadros não serem transaccionados desde que os herdeiros venderam todo o espólio, pelo que caiu, assim, no esquecimento".

4) Existem, na "net", referências e representações de duas outras obras de Enrique Casanova, ambas relativas a motivos do Porto, datadas de 1885 e referenciadas em purl.pt - Biblioteca Nacional Digital, que seguidamente se apontam, com transcrição das correspondentes fichas bibliográficas:



Ficha bibliográfica
[600873]
CASANOVA, Enrique, 1850-1913
[Foz do Douro] [Visual gráfico / E. Casanova. - [Lisboa? : s.n., ca. 1890]. - 1 gravura : litografia, color. ; 20x29 cm. - Data segundo inscrição e actividade do autor
CDU 908(469.121)Foz do Douro "189"(084.1)
763(=1.460)"18"(084.1)



Ficha bibliográfica
[600874]
CASANOVA, Enrique, 1850-1913
[Porto [Visual gráfico : Torre dos Clérigos] / E. Casanova. - [S.l. : s.n., ca. 1890]. - 1 gravura : litografia, color. ; 29x30 cm. - Data atribuída segundo actividade do autor
CDU 725.94(469.121)Torre dos Clérigos(084.1)
908(469.121)Porto "18"(084.1)
763(=1.460)"18"(084.1)

5) A intervenção de Enrique Casanova no panorama cultural português da sua época esrá ainda patente no texto "Leopoldo Battistini: realidade e utopia", pag. 3, coluna 13, que se encontra em "Alice Lázaro-Homepage":
http://pwp.netcabo.pt/maol/maol/obras_publicadas/LB_RU/int_Pag12_13.htm).
Salientando que vale bem a pena, porque não é pena alguma, consultar o referido texto e verificar a saga e a influência positiva de uma série de artistas estrangeiros que foram no fim do sec. XIX distribuídos pelo País para o ensino das artes, transcrevo seguidamente um fragmento desse textox, diferenciando as supressões e notas por mim introduzidas {...} das que estavam presentes no original transcrito [...]:
«Tal mistura de experiências, de formações e de nacionalidades introduziria, inevitavelmente, resultados quiçá diferentes dos esperados e, simultaneamente, a polémica. Esta seria servida, muitas vezes, sob o calor do debate ideológico, tendo por tribuna não só a imprensa local, mas alguma da especialidade, como a revista Arte Portuguesa, que se colocava ao lado do processo, nem sempre de modo pacífico, todavia. {...} à frente desta revista, como director artístico, estava o pintor Enrique Casanova, que encerrou a publicação com amargura incontida, dizendo que o fazia devido a “incessantes contratriedades de toda a espécie”, nomeadamente, “a indiferença [...] bastante acentuada do público, por tudo quanto a sério se refere a artes”, indiferença que ele atribuía à incompreensão do “valor económico e moral da Arte nas sociedades modernas”. Confessa o director artístico da revista Arte Portuguesa que o tinham impulsionado “a dedicação por este país” – que considerava segunda pátria – e “a admiração que cada dia lhe inspiravam as esplêndidas obras d’arte profusamente espalhadas por toda a parte, em Portugal e que tanta glória e individualidade lhe deram outrora”. Doía-lhe que aqueles exemplos “não tivessem sido suficientemente vulgarizados, nem utilizados pelas artes e indústrias locais” pois, do seu pontode vista, isso teria contribuído para emancipar “por completo, da cega e rotineira imitação de produtos estranhos” que, por essa razão, nunca poderiam satisfazer “o sentimento artístico nacional”. {Chamada a rodapé: 2. Enrique Casanova. In, Arte Portuguesa de 30.9.1895}»

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sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Enrique Casanova, pintor (1850-1913)

São bem conhecidas as reproduções de uma vista global da ribeira de Lisboa, desde Belém ao Jardim do Tabaco, tirada do rio pelo pincel de um aguarelista que assina Enrique Casanova e que data essa obra de 1883. Menos conhecida será talvez uma vista do Porto, de idênticas dimensões, tirada do morro de Gaia, assinada pelo mesmo autor e na mesma data. Mas quem foi Enrique Casanova?

De diversas fontes [1], pode concluir-se que nasceu em Saragoça em 1850. Durante o breve reinado de Amadeu de Saboia no país vizinho [2], Enrique Casanova aproximou-se do rei e, inclusive, fez desenhos deste, difundidos em caixas de fósforos e que divulgaram a sua arte. Essa dedicação ao efémero monarca sair-lhe-ia cara, acabando por o levar à prisão.

Devolvido à liberdade, Enrique Casanova - certamente sentindo que o ambiente espanhol lhe era hostil e que se tornara um perseguido na sua pátria - instala-se em Portugal em 1880, reinava D. Luís I [3]. Adquire renome, tornando-se próximo da casa real, que retrata, e mestre dos monarcas e príncipes: D.Luís, D. Carlos e seu irmão, o Infante D.Afonso [4], D. Amélia e dos dois filhos do casal real, Luís Filipe e Manuel, que - por morte do pai e do irmão no atentado de 1 de Fevereiro de 1908, foi aclamado rei, como D. Manuel II. Todos, pelos vistos, pintavam e de todos eles foi Casanova professor[5].

Durante a sua presença em Portugal, Enrique Casanova dedica-se a diversas artes: litografia, pintura a óleo, gouache, cerâmica e sobretudo, como já referido, a aguarela, obtendo mesmo uma 1ª medalha em aguarela na Sociedade de Belas Artes. No texto de divulgação de uma exposição no Palácio Nacional da Ajuda em 2004, dedicada também a Enrique Casanova, escreve António Valdemar a respeito deste:

"Teve importância decisiva [...] na evolução das artes plásticas e nas artes gráficas, nas últimas décadas do século XIX e no início do século XX. Um dos aspectos mais significativos e conhecidos da actividade de Casanova [...] circunscreve-se ao aguarelista e mestre das primeiras gerações de aguarelistas que se entregaram á interpretação da paisagem, da figura humana, reprodução de motivos arquitectónicos, artísticos e arqueológicos. Todavia não foi menos relevante o trabalho que Enrique Casanova realizou na Imprensa Nacional, quando esteve á frente da oficina de desenho e litografia. Pode-se considerar precursor de novas técnicas e concepções estéticas que perduraram muito para além da eclosão do modernismo. Alfredo Morais é um dos seus discípulos mais representativos, que exerceu funções na Imprensa Nacional até aos anos 50 do seéculo passado e numa intensa colaboração regular nas principais editoras de Lisboa e Porto (Bertrand, Guimarães, Lello) e ainda em jornais e revistas de grande expansão, como por exemplo "O Século", a "Ilustração Portuguesa" e o "Diário de Notícias"."

Lamentando que não existam reproduções das aguarelas de Lisboa e do Porto e que a dimensão disponível seja muito pequena e perca qualidade na ampliação, dá-se seguidamente o retrato de D.Maria Pia com o seu neto, o Príncipe Luís Filipe:



Proclamada a República, em 1910, Enrique Casanova regressa a Espanha, morrendo em Madrid, em 1913.

Grande parte das suas obras encontra-se no Palácio Nacional da Ajuda, estando também representado na Galeria do Museu Condes de Castro Guimarães, em Cascais. Vendido todo o seu espólio pelos herdeiros, caiu hoje num relativo esquecimento, interrompido recentemente pelo aparecimento, no mercado, das já referidas reproduções e pela exposição de 2004.

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Anotações:

[1] Da busca efectuada na “net” pelo conceito “Enrique Casanova” ( e “Henrique Casanova”) e de apontamentos gentilmente facultados pelo Sr. Dr. Alexandre de Lucena e Valle.

[2] Amadeu de Saboia (1845-1890), filho de Vítor Emanuel II, Rei de Itália, é eleito Rei de Espanha aos 16 de Novembro de 1870 e proclamado a 2 de Janeiro de 1871, pondo cobro à situação confusa criada pela deposição de Isabel II (1868) e o governo provisório estabelecido desde essa data. Abdica a 11 de Fevereiro de 1873, depois de um breve reinado cheio de tormentas políticas. Sucede-lhe a também efémera 1ª República Espanhola (1873-1874) e a "restauração afonsina" pelo reinado de Afonso XII, filho de Isabel II, de 1874 a 1885.

[3] D. Luís I reinou de 1861 a 1889. Era casado com Maria Pia de Saboia, precisamente irmã de Amadeu de Saboia. Tendo Enrique Casanova sido perseguido, em Espanha, pelo seu apego ao Rei Amadeu, natural se torna o bom acolhimento recebido na corte portuguesa.

[4] A figura pitoresca do irmão do rei D.Carlos, o infante D.Afonso Henriques, um dos pioneiros do automobilismo em Portugal e popularmente conhecido como “O Arreda”, pelo grito com que pretendia substituir a buzina, de há muito merece um estudo biográfico.

[5] Professor e não só! Na Parte VIII do “Recent Portuguese Publications Bulletin 19”, de Outubro de 1999, publicado por Richard C. Ramer – Old & Rare Books (e acessível no local da net http://livroraro.com/B19/b19pt8.htm), item 373, ao anunciar para venda a publicação de D. Carlos “Aves de Portugal”, em 3 volumes (reedição da INCM de 1998), acrescenta-se o seguinte, em Inglês:
“Primeira edição completa. Os primeiros dois volumes, com 40 gravuras, foram publicados pela Imprensa Nacional em 1903 e 1907. Foram reeditados em 1983. Por essa altura, foram porém encontradas nas instalações da Imprensa Nacional 53 novas gravuras, que foram editadas como suplemento em 1985.Embora o texto científico seja sem dúvida obra do Rei Carlos I de Portugal, sabe-se agora que as ilustrações eram realizadas por Enrique Casanova.” [sem negrita no original].

quinta-feira, 15 de setembro de 2005

Reflexões posteriores à 5ª Conferência Internacional de História da Química (Estoril - Lisboa, 6 a 10 de Setembro corrente)

Parece-me útil registar algumas reflexões estritamente pessoais:

a) Do teor das comunicações e dos comunicantes: Não passará despercebido que a maioria dos comunicantes tem um perfil e uma actividade académica activas e isso repercute-se no teor das comunicações. A curiosidade (preocupante) com que foi referida a minha qualidade de engenheiro, quer na apresentação, quer no resumo (em que se disse qualquer coisa como “estivemos tão diversificados que até tivemos aqui um engenheiro”) traduz a lacuna de uma componente essencial. Em termos de realismo jurídico, diz-se com frequência que “quem faz a lei é quem a aplica” e, nesse sentido, o julgador compartilha com o legislador um terreno comum; o mesmo se poderá dizer para qualquer outra vertente de aplicação de conhecimentos, argumentando que é quem os aplica que efectivamente lhes traz valor – tendo porém a certeza que uma tal visão, levada ao extremo, vai de imediato levantar uma questão muito velha, que os livros de leitura da “primária” já referiam no famoso mas temido texto “os pés e as mãos acusaram o ventre”, etc., etc. Há pois que a constatar e que a referir “cum grano salis”, sem a negar mas sem dela injustamente fazer cavalo de batalha.

b) De facto, o que podemos tirar dessa constatação é que uma lacuna subsiste nas Sociedades Químicas nacionais e, no caso vertente, na SPQ (Sociedade Portuguesa de Química): a prática ausência “em campo” de uma secção de química industrial, em que se desenvolvesse o capítulo das aplicações e realizações químicas e a transposição destas do nível da bancada para o nível industrial Estou certo, até porque o conheço, que existem aí muitas histórias de interesse e de valor para contar. Ao que me dizem, a SPQ teve já uma activa secção ligada à Indústria Química – mas na realidade actual ou não tem, ou não se vê. Conheci um esforço recente em que se falava nisso com entusiasmo, mas que parece ter parado. É tempo de por fim a este divórcio, de "glosarmos o Fritz Haber e esquecermos o Carl Bosch". E há pois que procurar as condições para que isso não suceda: se se espera que seja a Indústria Química portuguesa a, por sua iniciativa, procurar ocupar um rincão da SPQ, sem que esta demonstre a utilidade dessa participação, em termos de diálogo interno e de representação externa, em termos de espaço de divulgação, em termos de publicação, então minhas boas encomendas! Uma accção conjunta com a APEQ (Associação), uma aproximação de ambas, será certamente útil. O mesmo com o Colégio de Engenharia Química da Ordem dos Engenheiros. Mas, ao levar a um lado e outro, um cabaz de perspectivas de colaboração, esse cabaz deve ir devidamente enriquecido com o que efectivamente de novidade se crê poder oferecer.

c) Um outro aspecto, também reconhecido pela minha colega Isabel Cruz, é que, enquanto os estrangeiros realçam contributos pessoais no progresso do conhecimento e na sua realização prática, sem mesmo esquecer insucessos, citando nomes, expondo curricula, mostrando que há pessoas que permanecem por detrás das realizações, os portugueses – fora a menção dos “clássicos” que podiam vir todos incluídos já na Grande Enciclopédia de Maximiano Lemos – parece aceitarem que os mais recentes empreendimentos foram realizados por anjos ou se consubstanciaram, minguados ou vazios, no sexo destes. Há uma geral timidez em individualizar actuações, que – não sendo certamente uma manifestação de incompreensível pudor - até pode sugerir uma reduzida auto-estima ou um não menos inaceitável receio (de quê, raios e coriscos?). Lamenta-se que assim seja, e não apenas no Encontro. Ou será que a passagem pelos “media” dá uma consagração inegavelmente maior, entre nós, que qualquer outra merecedora presença?

d) Ainda aqui se volta a um problema de fundo na nossa História da Química: o verdadeiro “penchant” pela análise química, que vem já dos períodos “clássicos” e envolve muitos nomes sonantes destes. Foi isto que conduziu a uma indústria química tardiamente aberta à síntese e à catálise, ou é precisamente um resultado disso? Penso eu, hoje, que a questão é/foi mais simples e mais triste. Como já Aftalion sugeria, para o caso francês, temos de ir às escolas. Temos de verificar por que razões isso aí nasceu e durante décadas subsistiu e, evidentemente que em menor grau, continua a exibir manifestações esporádicas. A causa que eu defendo é bem mais corriqueira e mais próxima de uma economia pública cronicamente mixuruca, como a nossa: uma simples razão de orçamento. Para fazer face a dotações orçamentais sempre reduzidas, a análise pode ser olhada como uma prática barata (salvo quando começou a envolver equipamentos de crescente sofisticação), os laboratórios de análise são simples e a actividade analítica pode mesmo render dinheiro. Daí essa opção “salvadora”, mas que não cria novidade. Igualmente fundamentada no acesso ao "com que se compram os melões" e mais complicada é hoje, na carreira do Químico, incluindo o engenheiro, a tentação do que lhe vai ser oferecido para um “progresso na vida”: entre nós, frequentemente mas com honrosas excepções a ressalvar, o sucesso do químico começa quando ele deixa de o ser e é chamado a outras funções "pouco químicas" numa estrutura hierarquizada. Curioso é verificar que, malgrado situações paralelas noutros países, há também frequentes situações de sucesso em que o químico progride como químico até aos mais altos escalões da hierarquia. Exemplos destes foram apresentados no Encontro e até foram sublinhadas diferentes atitudes políticas quanto se pretende o desenvolvimento e a manutenção de uma actividade química eficaz. Sublinha-se a abordagem de aspectos económicos e políticos em algumas das comunicações, de forma em tudo coerente com o escopo do encontro, que era a História da Química.

e) Quanto á distribuição por nacionalidades dos participantes, notou-se certamente um predomínio europeu. Como seria de prever! Merece um breve reparo a formulação algo dispersa das intervenções da grande representação portuguesa. Não que se defenda limitar ou impor a forma de exprimir de cada um, mas certamente que algo poderíamos ter lucrado através de uma troca de impressões prévias sobre o que iria cada um fazer. Evitar-se-iam certamente algumas duplicações introdutórias e poderia inclusive defender-se uma melhor articulação, como se tornou perceptível em algumas outras representações nacionais. Ainda aqui o papel da SPQ seria essencial.

f) Em termos de trabalhos, as únicas notas negativas a registar foram (a) a limitação do tempo das exposições (mas esta crítica é recorrente, porque sempre feita, e portanto já não a discuto!) e (b) a ausência real de uma política de exposição dos “posters”. Esses substitutos pobres de comunicações foram atirados para uma simples exibição em salas vazias, enquanto noutras decorriam as sessões de apresentação de comunicações. Resultado: ou não foram vistos, ou foram vistos a correr, ou os seus autores não tiveram a oportunidade de os explicar. Tudo se passou como um Professor jocosamente me referiu: “Chegamos ali, penduramos a roupa na corda e vamo-nos embora!” O que foi pena.

g) No restante, um acontecimento de muito interesse que se repetirá em 2007, agora na Bélgica. Parabéns à organização, pela calendarização e organização das sessões de trabalho e pelo programa complementar muito variado que prodigalizou aos participantes.

J. M. Leal da Silva

quarta-feira, 14 de setembro de 2005

Os contadores de histórias

John Jones: "O Contador de Histórias"

" [...]
A sua linguagem era-lhes tão importante como a minha o era para mim. As palavras tornavam-se seu alimento e não se deixavam eles tentar por qualquer outro, mesmo que de qualidade superior. Senti orgulho no poder que o contador exercia sobre os seus companheiros ouvintes. E considerei-os como meus irmãos mais velhos e mais sabedores. Era como um sentimento de felicidade que dizia para comigo.
"Também eu serei capaz de reunir pessoas à minha volta, a quem contarei coisas. Também hei-de ser ouvido!" Mas em vez de errar de terra em terra, desconhecendo sempre quem iria encontrar, que ouvidos desconhecidos se abririam para mim, em vez de vider da pura confiança nas histórias que viesse a contar, foi minha vontade dedicar-me à escrita!
E vivo agora, protegido por mesas e por portas, sonhador cobarde, enquanto eles vivem no tumulto dos mercados, por entre centenas de rostos desconhecidos, sempre diferentes, livres de frios e supérfluos conhecimentos. Sem livros, sem ambições, sem ocas reputações.
[...]"

Elias Canetti
"As Vozes de Marraquexe. Notas de uma Viagem"
Publicações D.Quixote, 1991
Edição Bibliotex para o D.Notícias, 2003

terça-feira, 13 de setembro de 2005

Camilo: o soneto "Os Meus Amigos"


Amigos cento e dez e talvez mais
Eu já contei! Vaidades que eu sentia!
Pensei que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.

Amigos cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que eu, já farto de os ver, me escapulia,
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente,
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

Que vamos nós, diziam, lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver...
Que cento e nove impávidos marotos!”


Camilo Castelo Branco (1825 - 1895)

segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Audubon: Flamingo


John James AUDUBON
(Haiti, 1785 - Minnie's Land, N.Y.,1851)
Pintor da natureza, fazendo da ornitologia arte.
Autor do famoso "The Birds of America"

domingo, 11 de setembro de 2005

Guerra Junqueiro: "O caçador Simão"[1]

A Fialho d'Almeida

Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lôbrega e silente...
Corta a mudez sinistra o mar profundo...
Chora a rainha desgrenhadamente...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
- É o príncipe Simão que vai à caça.

Os sinos dobram pelo rei finado...
Morte tremenda, pavoroso horror!...
Sai das almas atónitas um brado,
Um brado imenso d'amargura e dor...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
- É o príncipe Simão que vai à caça.

Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da Pátria a agonizar...
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
- É o príncipe Simão que vai à caça.

A Pátria é morta! a Liberdade é morta!
Noite negra sem astros, sem faróis!
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infâmia os sepulcros dos Heróis!

Papagaio real, diz-me, quem passa?
- É o príncipe Simão que vai à caça.

Tiros ao longe numa luta acesa!
Rola indomitamente a multidão...
Tocam clarins de guerra a Marselhesa...
Desaba um trono em súbita explosão!...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
- É alguém, é alguém que foi à caça.
Do caçador Simão!...

Viana do Castelo, 8 de Abril de 1890 [2]

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[1] em "Finis Patriae"
[2] Relacione-se esta data com o Ultimatum Inglês. de 11 de Janeiro de 1890, e a promulgação dos designados Decretos Ditatoriais, de 29 de Março de 1890. D. Carlos reinava há escassos meses (desde Outubro de 1889) e não fazia certamente a mínima ideia de que seria vítima (com o Príncipe Real, Luís Filipe) do regicídio de 1 de fevereiro de 1908. Este poema - de acentuado teor patriótico e republicano - leva-me a recordar que, com a proclamação da República Portuguesa aos 5 de Outubro de 1910, nos tornamos então - depois da Suíça e da França (e que S. Marino me desculpe a omissão) - a terceira república da Europa! E a segunda de língua portuguesa, depois do Brasil.

sábado, 10 de setembro de 2005

Expulsão do paraíso


- E sobretudo - diz o Anjo - acautelai-vos das urtigas!

sexta-feira, 9 de setembro de 2005

Que as torres implodam...

Eu sei que forma verbal está errada, mas é a que - nesta terra e nos nossos dias - melhor trova com "e as indústrias", "e as produções", "e as exportações", etc. etc. ... Quem a sabia toda - na Grécia e no seu tempo - era, afinal, o Christomanos, com o seu "então, mas só então"! E quanto a expectativas, prognósticos e sondagens [1], que viva entretanto o grande "derby" lisboeta de sábado! [2]

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[1] Isto de sondagens leva-me outra vez às tristes histórias duma mineria ainda recente: se são más, diz-se, como o outro, que prognósticos só à segunda feira e resultados só na contagem; se são boas, corremos pressurosos a vender o minério aos estrangeiros... e depois, igualmente pressurosos, a importar o metal! Pressurosos ficaremos sempre, pois - tanto para lá, como para cá!

[2] "Tomara que empatem..."

Reflexão num "poster" da Conferência:

"Esta Nação, que é a nossa, está num processo de renascimento. Renascemos, por um lado, ao devotadamente mantermos a tradição, que é também nossa e que nos liga aos nossos tão queridos antepassados, e, por outro lado, ao procurarmos competir com as nações primeiras da civilização contemporânea e, até, na tentativa de as superar. (...) Mas será só quando o trabalho dos nossos estudantes produzir resultados, quando a sua missão para uma reforma da sociedade tiver penetrado em todas as classes que então, mas só então, poderemos nós falar em despertar nacional e em poder."

Anastasios Christomanos (1841-1906)
Considerado fundador da moderna Química na Grécia
in "Ciências Físicas e Progresso", Atenas, 1897