domingo, 31 de janeiro de 2010

O Museu do Neo-realismo, em Vila Franca de Xira


Lá fui, integrado num dos passeios de domingo organizados pela Câmara Municipal do Barreiro. Visitava-se o Museu e, nele, a exposição temporária sobre Soeiro Pereira Gomes. Vale bem a pena, que não é pena, visitar um e outra - e penalizo-me, isso sim, pela demora, já que, durante a minha efémera colocação em Alverca, tinha agendado uma visita a este Museu, sem nunca de facto a concretizar (tal como ao Museu instalado na antiga Cerâmica de Sacavém).

Tutelado pela Câmara local e instalado no centro de Vila Franca, num edifício de 3 pisos, moderno e airoso, o essencial sobre o museu (história, conteúdo, exposições, programas e publicações à venda) consta do portal electrónico que abaixo se indica e está igualmente disponível, na sua parte permanente, num desdobrável simples mas suficientemente claro. Deste desdobrável transcrevem-se, com a devida vénia, as indicações de horários, localização e contactos que permitem o estabelecimento de um programa de visita - sugerindo-se que, para uma visão global da área expositiva se considere um mínimo de 1,5 a 2 horas. Como o portal e o folheto explicam, o Museu tem dois tipos de exposições: uma exposição de longa duração que se manterá até 2011 sobre o tema da "Batalha pelo Conteúdo - O Movimento Neo-realista Português", e exposições temporárias, documentais e de artes plásticas, nas quais se integra, como documental, a actual exposição dedicada a Soeiro Pereira Gomes. Além das exposições há frequentes realizações de índole cultural e de conteúdo muito diversificado, cuja programação consta das referidas fontes. Destacam-se ainda as visitas orientadas às exposições do Museu que, de acordo com a informação impressa, implicam marcação prévia (às 3ªs, 4ªs e 6ªs feiras) e ainda as oficinas educativas de expressão plástica e de expressão escrita, que também dependem de marcação prévia (às 5ªs feiras).

"Acessibilidades:
Autocarros de Vila Franca de Xira.

Estação de comboios mais próxima: Vila Franca de Xira

Parques de estacionamento mais próximos: Centro Comercial (na rua do Museu, pago), Praça de Touros e Quinta da Mina (gratuitos).

O MNR tem acesso para deficientes.

Horário:
3ª a 6ª Feira: das 10 às 19 horas; Sábados: das 15 às 22 horas; Domingos: das 11 às 18 horas.
Encerrado ao público à 2ª feira e nos dias feriados.
Ingresso:
Entrada gratuita.
Endereço e contactos:
Rua Alves Redol, 45,
2600-099 VILA FRANCA DE XIRA
Telefone: 263 285 626
Telex: 263 284 814
neorealismo@cm-vfxira.pt
www.museudoneorealismo.pt"

É de ter em conta o programa editorial do Museu, bem patente na lista de publicações à venda e das quais o livro exposto no início desta postagem é um simples exemplo quer em qualidade (conteúdo e apresentação gráfica) quer em surpreendente custo (€10). Outro tanto se dirá do catálogo da exposição dedicada a Soeiro Pereira Gomes e a outras edições disponíveis para a venda e que, quase geralmente, não ultrapassam esse valor.

Da visita ficaram duas impressões marcadas: está ali uma obra de natureza e afirmação permanente que se projecta em realizações temporárias e que é alfobre de acções pontuais multiplas - obra que certamente merece ser seguida e observada; outros concelhos há, que tendo seguramente tido coisas para mostrar, continuam dispersos em realizações pontuais e temporárias, minimizam (ou até repudiam) alguns dos seus valores e não conseguem aceder a um limiar crítico que garanta a permanência de uma identificação própria. Destes, que continuam a viver mais encobertos que descobertos, conheço pelo menos um.
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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Inclinações


Manto
Mento
Minto
Monto
Munto
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Imagem: de Wikimedia Commons

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Coisas


Jornais de hoje: agências de "rating" e arbitragens de futebol. Chega!
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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Duas séries de DVD: duas belicosas prendas de Natal (2/2)


Falemos pois da segunda: trata-se de uma série de 8 DVD's sobre as principais batalhas da GCE:
  • A batalha de Badajoz - O Alcazar de Toledo
  • A batalha de Madrid I e II
  • A batalha do Jarama - A batalha de Guadalajara
  • A campanha do Norte . A batalha de Brunete
  • A batalha do Ebro - I e II
  • A batalha de Belchite - Teruel, a batalha do frio
  • A batalha da Catalunha - A queda de Madrid
  • A população civil
distribuída por Llamentol e sob a direcção de Sofia Velilla Bellosillo. As referências a esta obra são escassas e não se obteve qualquer resenha biográfica sobre a "directora" da obra, fora a menção - quiçá de uma interessante jovem homónima - no famigerado "Facebook". Quando muito, num dos "forum" que em Espanha abordam a GCE e cuja visita permite constatar uma relativa incomodidade nas abordagens de tão dolorosa experiência histórica, pode encontrar-se uma referência indirecta à colecção ao refutar dois argumentos nela presentes: de tratar-se a GCE de uma primeira guerra moderna e de nela as populações civis terem sofrido de forma inédita ataques directos. No primeiro caso diz-se que não foi e encontram-se-lhe reminiscências da I GG; no segundo caso lembra-se a Guerra da Secessão, Atlanta e a "marcha através da Geórgia". Se alguma razão assiste a estas observações é apenas de índole parcial, pois de facto a GCE antecipou a II GG em ambos os aspectos e estes foram substancialmente diferentes dos comportamentos tipificados na I GG (ainda que, curiosamente, algo aproximados de alguns factos da Guerra da Secessão Americana). A obra globalmente vê-se, o texto está bem urdido, procura frequentemente traçar a bissectriz e é mesmo de salientar o material extra. Há, no entanto, duas reservas a formular:
1) A designação sistematica das forças bicolores como "nacionales". Sabe-se que este é arreigado hábito em Espanha, a que mesmo historiadores insuspeitos acabam por aderir. Na verdade as forças bicolores foram tão "internacionales" como os "republicanos" (ou tricolores), com a desvantagem relativa de o terem sido desde a origem (com a presença dos Ju na ponte-aérea, indesculpavelmente minimizada pelos republicanos);
2) A repetição sistemática de planos entre os diversos episódios, o que lhes rouba significado histórico. Entre outros, a cena de Franco a traçar planos com um ajudante de campo ao lado e a imagem dos milicianos de cabelos ao vento,quando transportados numa camionete de caixa aberta repetem-se "ad nauseam", independentemente da batalha que se explana - o que teria sido aconselhável evitar.
Deduz-se de todo o conhecido drama (mais que da série, que se procupa essencialmente com os desenvolvimentos bélicos) uma lição que já os Gregos conheciam: numa Guerra Civil, o lado vencido acaba sempre por ser chamado de rebelde. Num dos casos porque o é mesmo; noutro porque passa a ser, mesmo que o não fosse.
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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

"Precisamos de m****, Senhor Soisa!"


Com um considerável esforço e notória dificuldade nos tempos que correm procurou-se sempre manter o nível deste blogue. E é isso que se continua fazer ao reproduzir seguidamente, na íntegra e sem censura, uma fabulosa peça que um Amigo e Colega de Beja nos fez chegar, via "net", certos de que - para resposta a leitores cuja maior sensibilidade se possa sentir melindrada - se se retirassem as falas do "Tolo" do Auto de Mestre Gil, ou se se escondessem algumas das rimas de Bocage (e não só desse), fatalmente se perderiam pérolas da nossa expressão escrita. Se tramposas poderão ser para alguns, numa apreciação relativa, indubitavelmente o deixam de ser em termos absolutos . O que vem a seguir (e espero que se consiga ler) é uma "Exposição" em verso e em 4 páginas manuscritas que um "Dom Tancredo (o Lavrador)", em nome de uma alegada "Junta Corporativa dos Sindicatos Reunidos do Norte, Centro e Sul do Alentejo", de que se desigou "Presidente", dirigiu de Évora ao Ministro da Agricultura, aos 13 de Fevereiro de 1934. Reproduzida já em vários locais da "net", mas nunca requentada (e pouco conhecida), diz-se ter sido lida durante um jantar, no Carnaval de 1934, na presença do então Ministro da Agricultura – Leovigildo Queimado Franco de Sousa (que em Outubro desse ano seria substituído por Rafael Duque) e, na mesma fonte [1], a sua autoria é atribuída ao poeta João Vasconcelos e Sá. Aí vai:






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[1] em http://www.truca.pt/fofo_material_marco_09/semana_12/txt_poema-merda.html onde se encontra uma versão impressa, certamente mais legível que a manuscrita. Aliás atenção ao site www.truca.pt! Tem muito que ler!

1º A TEMPO: Um aspecto preocupante que este País vai desenvolvendo é a apressada perda do humor. Salvam-se os "cartoonistas", alguns corajosos fazedores e, involuntariamente, os deslizes descabelados e os actos incompreensíveis de alguns políticos (especialmente daqueles que se julgam reis do mundo e que são já desconhecidos a escassas dezenas de metros para lá da fronteira do Caia). A vocação de "gatos-pingados", com que alguns humoristas espanhois nos pintam (Maranõn, que não era de todo um humorista, dizia-nos "impregnados pela humidade atlântica") cada dia mais se revela. A Natália - talvez das últimas pessoas que versejou graça naquele hemiciclo cinzento de eleitos cinzentos - faz de facto muita falta! O "aqui ninguém se ri" é um fardo histórico. Coitado d'O Judeu! Foi muita coragem ler aquilo nas fuças de um ministro em 1934; hoje, em liberdade, seria censurado.
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2º A TEMPO: Deve-se à amabilidade de Fernando Ribeiro, visitante deste "blogue", um importante acrescento que aliás referiu em comentário:Blogger está disponível no Youtube um vídeo da RTP em que o actor Vítor de Sousa lê esta "Exposição". Pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?v=MxjBof_WfpM . Bem haja pela informação.

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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Avatar


O permanente trauma do Vietnam
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Uma reformatação do 0911 apud Rousseau
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Cenários e efeitos especiais que pagam o bilhete
(mesmo que este não fosse de 3ª idade)

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Imagem: do cartaz original do filme

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Farewell, "All Black"

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No dia 2 de Abril de 2008 partiu a "Momina". Um ano, nove meses e catorze dias depois foi a vez do "All Black", o último dos "cockers", que aliás tinha sido o primeiro a chegar e que - como a "Momina" e o "Scotex", filho de ambos (e que chorava ao ouvir concertos para violino) - também partilhara o erro de ter acreditado em nós. Velhinho, cego e surdo dava todos os dias - até há poucos dias - a sua volta à casa. Não dará mais.
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domingo, 17 de janeiro de 2010

Haiti: os "algozes humanitários"


"Os algozes humanitários

Um artigo de Elaine Tavares - jornalista


A gente do Haiti é gente de muito valor. Foi o único país, no mundo, em que os escravos fizeram uma revolução contra seus senhores e venceram. Foi em 1791, logo depois da revolução francesa. A ilha caribenha ferveu em desejos de liberdade e o povo armado - mais de 500 mil negros num espaço onde viviam apenas 32 mil brancos - botou os colonizadores franceses para correr. Toussaint de Loverture, Dessalines, Alexandre Pétion. Gigantes da luta de libertação que, com suas idas e vindas, erros e acertos, fizeram do Haiti, com a força das gentes, uma nação livre, digna, soberana. Primeiro país abaixo do Rio Bravo a se fazer independente em 1801. Petión acolheu Bolívar e foi o responsável pela virada na cabeça do libertador. Deu a ele guarida, ajuda e só pediu em troca que ele libertasse os escravos da América do Sul. Bolívar mudou.

Mais tarde, as lutas intestinas revolveram o país e várias lideranças passaram pelo poder, até que no início do século XX o mal fadado vizinho do norte, os Estados Unidos, decidiu intervir no país para cobrar dívidas, uma história muito conhecida pelos países latino-americanos. Desde aí, o povo do Haiti sofreu fortes reveses, culminando com a dinastia Duvalier, sanguinária ditadura de pai e filho, que perdurou de 1957 até 1986. Regime de terror, tortura e perseguições, enfrentado com valentia pela população, que pagou caro por isso. A esperança veio em 1990 quando o povo elegeu Jean Aristide, um padre ligado a teologia de libertação. Mas, de novo, os Estados Unidos meteu o bedelho na vida do país, evitando que por ali tremulasse alguma bandeira vermelha. A eles, no Caribe, já bastava Cuba. Sem grandes riquezas para serem cobiçadas, a gente do Haiti sofreu “preventivamente”. Em 2004, depois de idas e vindas, com o apoio dos EUA, Jean Aristide se elege novamente, mas é deposto em seguida por um golpe, igualmente apoiado pelos EUA, mergulhando novamente o país num caos político.

É quando entram as “forças de paz” da ONU, ocupando o Haiti a pedido dos Estados Unidos. Vários países, tendo Brasil à frente, enviaram suas tropas, alegando que estavam ajudando a manter a ordem, De novo, o povo do Haiti ficava sob a tutela das armas alheias, como se não fosse capaz de definir por si mesmo o seu destino. Desde aí o país está ocupado militarmente, com denúncias diárias de mortes, torturas, estupros, violências de toda ordem. Morte diária, cotidiana, naturalizada. Estas não saem nos jornais. Contra elas não gritam os Casoys, os Bonners e outras bocas alugadas.

Agora, não bastasse toda esta história de dominação, o Haiti sofre uma tragédia natural, uma a mais, nem tão natural, já que é resultado da destruição que vem sendo imposta ao planeta pela ganância dos donos do capital. Milhares de pessoas estão mortas, ceifadas num único dia. Tragédia massiva. Então os jornais se inundam de matérias sobre a ajuda humanitária. Países de todas as cores enviam remédios, alimentos. A Globo e CNN destacam a ajuda estadunidense, “governo tão bom”, o mesmo que deixou a míngua os atingidos do Katrina. As pessoas choram diante da TV, organizam ajuda solidária nos seus bairros, observam aliviadas a humana bondade da França, da Alemanha e até do FMI (pasmem) que decidem doar alguns punhados de dólares. Falam ainda da providencial presença dos “cascos azuis”, soldados da ONU, que estão ajudando no resgate das vítimas, no auxílio aos feridos, etc...

Sim, me compadeço com a tragédia haitiana deste triste 13 de janeiro. Mas, com Venezuela, com Cuba e com outros tantos lutadores sociais tenho feito isso desde que as forças da ONU entraram no país a pedido dos EUA. Contra Lula gritando pela retirada das tropas, e com Fidel e Chávez, entendendo que se alguma ajuda precisava o povo da ilha caribenha era a de médicos, engenheiros, professores, dentistas, enfim, gente que amparasse e fortalecesse as gentes. Não soldados armados para reprimir, matar, mutilar, torturar, estuprar. Doem em mim, sim, as mortes massivas deste dia 13, mas me doem também, com igual força, as mortes cotidianas, recorrentes e naturalizadas no Haiti, no Afeganistão, no Rio de Janeiro, em São Paulo, na periferia de Florianópolis. A ajuda humanitária nestes dias de inferno pós-terremoto não pode ser uma mera musculação de consciência daqueles que doam um quilo de arroz e dormem tranqüilos. Há que se comprometer com a proposta de mudança e libertação. A tragédia haitiana é muito maior do que este terremoto de 13 de janeiro. O terremoto da dependência, da subordinação, da superexploração do trabalho, da ocupação armada é cotidiano, e já dura tempo demais. O país está em escombros e não é de hoje. Ajudar as vítimas da catástrofe do tremor é urgente e necessário, mas não dá para saudar os algozes. Estes que posam de bons moços, enviando alguns dólares, são os responsáveis pelo terremoto cotidiano. Isso não podemos esquecer!

Elaine Tavares

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NOTA : A visão de Elaine Tavares, uma esclarecida jornalista do Brasil, tem a grande vantagem de traduzir uma maior aproximação geogáfica e relacional com o País-vítima, que é o Haiti, escapando à tendência euro-centrista dos discursos que recentemente vamos lendo. Será fácil, do lado de cá do Atlântico e com a grande ignorância que geralmente temos quanto aos assuntos americanos (norte, centro e sul) , minar a fiabilidade do texto de Elaine, acusando-o de uma perspectiva polarizada quanto à visão dos factos e incitando à necessidade de um confronto com outras vozes quiçá mais próximas das nossas sensibilidades. Primeiro erro: não são as nossas sensibilidades que estão em jogo, mas sim o profundo atingimento por um acontecimento trágico de uma sociedade já tragicamente marcada como é a sociedade haitiana. Segundo aspecto: ter-se-á então que a análise de José Miguel Gaspar (gaspar@jn.pt) inserida a 3 páginas no suplemento "Domingo" do JN de hoje, e não seja o JN um dos jornais pagos de maior tiragem neste País, possa ser considerada cono certamente mais próxima das tais alegadas "nossas sensibilidades". E, se assim é, que diferenças se lhe notam relativamente ao texto de Elaine? Começando no título da 2ª página ("A maldição do Haiti somos nós") e concluindo no "confiteor" , que a todos nos assenta, da sua ultima frase ("Pérola permanentemente em sangue, o Haiti, que Caetano canta incessantemente por aí, é aqui. O Haiti é aqui.") a aproximação é manifestaa . Não há "polarização": há a tragédia e as suas causas.

sábado, 16 de janeiro de 2010

"Earth Song", de Michael Jackson

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Jackson contra o fundo de um incêndio florestal simulado
num campo de milho já colhido, para o videoclipe de "Earth Song" [1]


De pessoa amiga acabo de receber por mail a indicação para aceder, pelo Youtube, ao admirável videoclipe de Michael Jackson, de evidente preocupação ecológica, "Earth Song" (A Canção da Terra) sobre uma composição que teve outro nome na origem e que datará de 1995. Apresentado como um sucesso - e de facto é - a sua "letra" foi traduzida e legendada em Português por "danieljacksonlegenda", com o endereço danielnevees@hotmail.com, e o conjunto encontra-se em
http://www.youtube.com/watch?v=oJEqJ9yALx8
permitindo uma visita e audição que certamente se aconselha. Segundo a mensagem que o meu correspondente recebeu e amavelmente me transmitiu, este sucesso nunca teria sido editado como "single" nos EUA. Porém, aberto o "link", logo à direita da apresentação (sigam-na mesmo até ao fim, até depois de acabar a parte lírica), aparece uma mensagem do "legendador" (ou seja, do próprio danieljacksonlegenda, que se ocupou desta e de outras canções de Jackson) em que este declara "Este vídeo ganhou em 1996 o prêmio Le Film Fantastique de Melhor Clipe e foi indicado ao Grammy de Melhor Clipe de 1997, portanto NÃO FOI CENSURADO NOS EUA nem em nenhum lugar como estão divulgando...". Só que as duas afirmações podem não ser incompatíveis, ou seja, pode ter ganho um prémio e ser indigitado para o Grammy na sua especialidade e peça não ter sido publicada em "single" nem disponibilizada como tal no particular mercado estadunidense, donde a passagem ao "portanto" pode estar logicamente defeituosa. E, se se consultarem os artigos correspondentes da "Wilkipedia"
assim mesmo parece ter sido: a canção, divulgada em "single" de grande sucesso em diversos países europeus, não terá sido editada em "single" nos Estados Unidos e terá mesmo recebido aí uma classificação menos saliente. O próprio vídeoclipe terá sido moderadamente ["infrequently"] difundido nos EUA e a apresentação da canção no prémio BRIT, em 1997, daria lugar a um curioso incidente com invasão do palco por outro artista. É pois uma peça "marcada" mas, porque tem efectivo impacto e actualidade, merecendo ser escutada aqui e agora, constata-se a surpreendente controvérsia e aconselha-se a ida ao "YouTube", onde a canção e as imagens do clip se acompanham, sem qualquer dúvida. E bem!

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[1] Imagem do texto Wikipédia em Inglês, supra referido


sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Duas séries de DVD: duas belicosas prendas de Natal (1/2)


Sabedor dos meus assuntos predilectos, o "Pai Natal" depositou na minha avantajada bota duas colecções de DVD's bélicos - uma sobre a GM1 e outra sobre a GCE, designações que, nos meus códigos, significam a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e a Guerra Civil de Espanha (1936-1939), campo de ensaio próximo para armamentos e tácticas da GM2 na Europa. Pelo caminho, no período de entre-guerras, ficaram diversos conflitos de que pouco se fala: na Ásia, com a instalação do expansionismo japonês. na África, com a campanha da Etiópia, na América do Sul (e o escasso que sabemos disso), na Europa (com as estranhas aventuras da guerra sovieto-polaca de 1920, a actividade dos corpos francos alemães do Báltico, os entusiasmos italianos no Adriático, o prosseguimento das lutas que levaram à independência da Irlanda e até a pragmática aproximação sovieto-alemã ainda pouco estudada mas que deu lugar a alguma colaboração militar que o Tratado de Versailles impedia na Alemanha derrotada). Ficam de fora, porque repartidos em dois continentes (Europa e Ásia) os actos de intervenção na Rússia pós-revolução e pós Brest-Litovsk, ainda não URSS mas a caminho disso, e a desastrada guerra greco-turca, sem obviamente esquecer os trágicos acontecimentos da Arménia - estes ainda durante a GM1. Um chorrilho de violência e morte em tempo de "soit-disant" paz, enquanto se limpavam os canhões para a grande hecatombe que viria a seguir. Adiante...

O primeiro conjunto recebido, "1914-1918: La Grande Guerre", de origem francesa (sob o símbolo-marca Dominique Paul Mougenot) e falado em Francês, é constituído por 10 DVD's de títulos atractivos:
  1. 1900-1914 Prelúdio à Guerra
  2. 1914-1918 De Mons ao Somme
  3. 1914-1918 Os chefes militares
  4. 1914-1917 O acordar da América
  5. 1914-1918 A marinha e a aviação
  6. 1917-1918 O vento muda
  7. 1918-1919 Balanço da Guerra
  8. 1916 A Batalha do Ancre (filme mudo)
  9. 1916 A batalha do Somme (filme mudo)
  10. 1914-1918 Retrospectiva
Não obstante tão chamativo programa. o Pai Natal enganou-se na origem da viagem e, quando se esperava que tivesse partido de França ou mesmo do Reino Unido, mantendo o gosto europeu, verificou-se que... afinal tinha partido dos EUA, que os DVD's traziam a marca da Dastar Corp e da MM & V (Marathon Music & Video) e eram comentados por um Senhor Gary Rhay, "Historian" [1], dobrado em francês mas de evidente apresentação e sotaque-em-fundo "stars and stripes". Isto faz que, com excepção dos DVD's 8 e 9, que reproduzem filmes de época do Imperial War Museum britânico, toda a exposição transmita o ponto de vista americano, o esforço americano, os herois americanos, especialmente através da intervenção americana na Guerra. Não deixa de ser um interessante documentário global, com aspectos originais - mas há que contar com a referida marca de origem. Um desses aspectos originais - e aí adquire-se um imprevisto interesse - diz respeito à intervenção de nações aliadas (EUA, Japão, Inglaterra, Itália) na Rússia em revolução e, nomeadamente, à presença de forças expedicionárias americanas na Sibéria, desembarcadas em Vladivostok e assumindo o controle e operação do Transsiberiano até Chita. Entre outros propósitos, sob o argumento de (após o armistício russo-germânico em Brest-Litovsk [2]) garantir a não entrega à Alemanha de apoios de guerra que haviam sido fornecidos pelos Aliados à Rússia czarista, esta operação no Extremo Oriente permitiu proporcionar uma saída à famosa Legião Checa que atravessou a Rússia em revolução desde os campos de batalha da frente oriental, onde combatia, até àquela pontinha da Ásia [3]. São imagens muito pouco vistas de um assunto muito pouco conhecido.

Quanto ao segundo conjunto falar-se-á proximamente.

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[1] Sobre Gary Rhay traduz-se seguidamente a micro-biografia apresentada pelo Smithsonian Center for Folklife and Cultural Heritage a propósito do Encontro sobre a GM2 que aquela instituição realizou em Maio de 2004 ( vd. http://www.folklife.si.edu/education_exhibits/tribute/history.aspx#44): "Rhay alistou-se no exército norte-americano e combateu no Vietnam em 1971-1972. Em 1996 empregou-se como historiador na Marathon Music and Video, que tem um programa de história oral com veteranos de guerra que é anterior ao projecto da Biblioteca do Congresso. O arquivo da Marathon tem aproximadamente 700 a 750 entrevistas em video-gravação e é um parceiro oficial do "Veterans History Project".
[2] Em Brest-Litovsk e à custa de duras imposições, o Governo Revolucionário russo assinou com os Impérios Centrais o armistício que encerrou a GM1 na Frente Russa, libertando divisões alemãs que foram usadas a ocidente na "ofensiva Luddendorf" (e o 9 de Abril foi uma das páginas do capítulo que descreve tão inesperado reacender ofensivo alemão) e austríacas, que foram empregues na campanha de Itália, com similares efeitos. A intervenção em solo russo de algumas nações aliadas invocava, como justificação, que, face às obrigações decorrentes desse armistício, a Rússia pudesse entregar aos Impérios Centrais armamento que recebera dos Aliados quando destes fazia parte.
[3] A Legião Checa incorporava checos e também eslovacos que viviam fora da sua área de origem, que tinham sido feitos prisioneiros ou que haviam fugido à sua incorporação no exército do Império Austro-Húngaro (que incluía a Boémia e a Eslováquia) e que constituiram esse corpo dentro do exército imperial russo para, como independentistas que eram ou que passaram a ser, fazerem frente às tropas austro-húngaras e, inclusive, obterem a deserção de seus nacionais. Com a suspensão das hostilidades na frente oriental, a Legião Checa ficou "orfã" num país em revolução. Temendo o risco de ser entregue às Potências Centrais, como estas pretendiam, preferiu atravessar "manu-militari" a Rússia em guerra civil até encontrar um seguro local de saída. As coisas, no entanto, não foram tão simples...e a saída acabou por não resultar tão airosa quanto isso. Mas, cerca de 63000, sairam mesmo.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Terror e Horror: Copenhague e Haiti

Se não foi suficiente o terror (em que tanto se investe) para conduzir a resultados em Copenhague, dias depois defrontamo-nos com o horror (para que tão debilmente estamos preparados) manifestado na "descida aos infernos" da tragédia haitiana. Salvo a incapacidade de traduzir melhor o que ouvi, esta é uma das conclusões que se pode retirar de um inteligente programa-diálogo que, com muito interesse e a ponto de estacionar enquanto ouvia, segui durante 10 minutos na emissão do "Rádio Clube" após as 17:00 horas de hoje. Subordinado ao tema "Efeito das catástrofes na comunidade científica", tendo de um lado Aurélio Gomes e do outro o Professor Hugo Nabais, da Faculdade de Letras (Filosofia) da Universidade de Lisboa, este programa foi uma breve mas excelente lição cuja escuta aconselho e em que me louvo pela coincidência de pontos de vista quanto ao conhecido e pela reflexão-ensinamento no restante proporcionados. E a sua audição é possível: basta entrar no portal do Radio Clube Português (procurar radioclubeportugues.pt em www.google.pt ou entrar em radioclubeportugues.clix.pt) e depois clicar sucessivamente em podcast/janela aberta/licençapara pensar/"efeito das catástrofes na comunidade científica" com data de hoje [mas o programa manter-se-á disponível durante algum tempo, como se verificará pelos títulos e datas de programas anteriores também disponíveis] para que aquele programa-diálogo se escute em excelentes condições [1].

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[1] Caso se não escute, terá de ajustar o programa adequado no próprio portal.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O segundo octagésimo aniversário do Mickey !


Como uma pessoa que eu conheço, o nosso indispensável Mickey Mouse aniversaria hoje, pela segunda vez, o mesmo número redondo de anos. Fez 80 aninhos a 18 de Novembro de 2008 (outros falam em 15 de Maio, 28 e mesmo 30 de Novembro) e volta a apagar 80 velas a 13 de Janeiro de 2010 - e não se pense que esta é também a idade da outra pessoa que eu conheço, porque AINDA não é... Bom, o caso pode facilmente explicar-se: Mickey nasceu no cinema (primeiras datas) como desenho animados Na segunda data saiu da pantalha e passou a heroi da banda desenhada. Desde aí tem vivido nestes dois carrinhos, sem envelhecer, para alegria de muita gente. Eu mesmo [1].

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[1] Meu Pai nunca foi um grande contador de histórias. Exceptuavam-se, para eu dormir, as longuíssimas narrações do "Mickey" - em que este passara a viver nas Devezas (com Z) e a viajar no "eléctrico" 14 no meio de tremendas peripécias que, de uma forma interactiva, eu próprio ia sugerindo ao longo da narração. Como então ainda morávamos na Fonte Santa, onde nasci, o local da narração e o cenário das acções narradas não estavam de facto muito afastados entre si (quem for de Gaia e ligeiramente "pouco jovem" entende bem estas localizações). A história era sempre comprida e repetitiva quanto convinha mas, quando eu aparentemente cabeceava de sono e o meu Pai procurava sair dali pé ante pé... um ensonado mas atento "E depois?..." mostrava-lhe que havia ainda tempo (e acrescida paciência) para prosseguir a "aventura".

A imagem supra, cortesia a
http://www.floridaleisure.com/mickeymouse/MMouse%2080th.jpg,
corresponde à primeira data e demonstra a simpatia com que o Mickey continhua a viver em Orlando (e na Califórnia, e em Paris!). Certamente que o Mickey se não chateará para que seja usada na segunda celebração dos mesmos 80 anos... um ano e um mê e picos depois e em expressão diversa!


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

"El Angel Gongorino", de Rafael Alberti

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"AMARANTA
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... calzó de viento...
GÓNGORA

Rubios, pulidos senos de Amaranta,
por una lengua de lebrel limados.
Pórticos de limones desviados
por el canal que asciende a tu garganta.

Rojo, un puente de rizos se adelanta
e incendia tus marfiles ondulados.
Muerde, heridor, tus dientes desangrados,
y corvo, en vilo, al viento te levanta.

La soledad, dormida en la espesura,
calza su pie de zéfiro y desciende
del olmo al alto mar de la llanura.

Su cuerpo en sombra, oscuro, se le enciende,
y gladiadora, como una ascua impura,
entre Amaranta y su amador se tiende."

Rafael Alberti

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

"Not in Queen's Victoria birthday!" ou "Fahrenheit 451"

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Título na primeira página dum jornal de hoje:
"Ingleses classificam caso Maddie como segredo de Estado - Detective da Scotland Yard evoca [sic!] esse estatuto para não testemunhar em Lisboa"
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O que é demais é moléstia. Pelo menos fede. Tentem mandar a canhoneira...

domingo, 10 de janeiro de 2010

Coltan

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Sem que muitos dessem por isso, 2009 foi o ano em que o "Coltan" se revelou. Vindo de longe, com um nome de super-heroi (ou de super-vilão) de banda desenhada, ou de filme de acção e fantasia, ou de personagem de jogo electrónico, o "Coltan", que também andou e anda por Portugal, começou por ser um parente pobre e desprezado com que se falsificava o "tio rico" que era então, em plena II Grande Guerra, o fabuloso volfrâmio - abundantemente representado no nosso País pelo seu minério mais abundante, a "asa de corvo" volframite. O volfrâmio é um elemento químico que goza da singularidade de ter dois nomes possíveis: volfrâmio ou tungsténio. Outros existem assim: azoto ou nitrogénio, berílio ou glucínio, nióbio ou colúmbio, etc. É para este último que vamos olhar: com o número atómico 41, no Período 5, está "sentado" entre o zircónio (40) e o molibdénio (42) - vizinhança que, só por si, lhe deixa prever qualidades metálicas surpreendentes e valiosas No andar de baixo (porque nesta casa os mais pesadinhos situam-se convencionalmente por baixo dos mais leves), os vizinhos são igualmente bem conhecidos: o nióbio vive por cima do tântalo (73) que, por sua vez, tem como vizinhos o háfnio (72) e o tal mal-afamado porque belicoso volfrâmio (74), que tanto deu para fazer blindagens como projécteis para as perfurar e que, nesse "humanitário" papel se tem visto ultimamente preterido pelo urânio (pelo empobrecido, coitadinho!), mas não sem efeitos colaterais. Descrita a fracção do condomínio projectado por um senhor russo chamado Mendleieff, dir-se-á que o nome do tântalo veio, em grande parte, do suplício que era obtê-lo puro e separá-lo do tal nióbio, com quem partilha ocorrências no mundo mineral. Tão próximos andam que o nome escolhido para o dito "nióbio", quando descoberto, vem de Niobe, deusa das lágrimas e filha de Tântalo. A Química tem também destes desvelos românticos. ainda que contados pela rama! É natural que ao minério mais rico do tântalo se chamasse tantalite, mas dado o comum acompanhamento pelo nióbio e o outro nome deste, o minério corrente de tântalo e nióbio é geralmente denominado de columbotantalite - nome difícil de pronunciar por pessoas geralmente disléxicas como os aventureiros das corridas ás riquezas, garimpos forçados á lei da bala, contrabandistas proto-genocidas dos lados do Kivu e outros malandrões da vida humana que muitos não pensam suceder e estar por detrás dos telemóveis requintados que usam, de nova geração, e das consolas que têm em casa. É como pensar que, ao oferecer um ramo de flores a uma gentil dama (gesto também em decadência), se lhe está a oferecer nada mais que um apanhado de órgãos sexuais de plantinhas que se adornaram e/ou perfumaram para atrair abelhas fecundadoras e não para serem capadas. Ora da referida dificuldade de pronúncia e da necessidade de um palavrão de código veio uma óbvia simplificação COLumboTANtalite = COLTAN.

Os desenvolvimentos tecnológicos criaram, para muitos elementos químicos, vidas que eram insonhadas e insonháveis há anos atrás - o que, no caso dos metais, ainda vai mais longe pois podem aparecer no cenário com dois fatos: ou vestidos de elementos químicos, arrastando longos mantos dos seus compostos, todos muito bem definidinhos, com propriedades e usos próprios e diversificados, ou, como metais, constituindo ou participando, mesmo que em quantidades pequeninas, em materiais novos, como sejam ligas metálicas. Pelo meio, inclusive, podem assumir posições intermédias, participando noutros tipos de materiais que estão na berra como por exemplo, mas não só, em cerâmicas avançadas. E então ou são abundantes ou não são. E, se não são abundantes e se tornaram elementos de sucesso, fizeram-se caros. E, se se tornam caros e existem em pontos singulares do Planeta Terra, tornam-se potenciais fontes de negócio, de especulação e de migração. E se esses pontos se situam em regiões paupérrimas e com estruturas políticas e sociais débeis passa-se, de qualquer forma, ao "fartai vilanagem" das "quimeras do ouro", mesmo que o ouro seja ouro mesmo, prata, pedras semi-preciosas, volfrâmio, petróleo, coltan ou outras coisas deste género. Outros factores podem ajudar à instalação destes atropelos, que inclusive tanto esquecem, no seu "vale tudo", os homens neles envolvidos como esquecem os ambientes naturais em que decorrem.

Quiz a natureza malévola que o "Coltan" fosse abundante em sitíos pouco adequados para evitar tais males e em zonas que, em termos mineiros e devido essencialmente a recentes crises (como no caso do estanho), ficaram "desestruturadas", como seja na fronteira leste do Zaire e noutras regiões tanto de África como da América do Sul. Daí os inevitáveis frutos: contrabando, pobreza, migrações desenquadradas, explorações artesanais e inseguras, especulação, violência, senhores da guerra, destruição da fauna e flora - em termos que rapidamente se podem aprender visitando o conceito "coltan" na net e que especialmente se revelaram nos ultimos dois anos (com relevo para as denúncias vindas a público em 2009).

E pensar que estes minérios serviram de "lastro" sem valor para "baptizar" o volfrâmio nos nossos distritos mineiros e nos anos 40 e 50!!!
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sábado, 9 de janeiro de 2010

A uns jovens amigos que se ufanam de "não ler!"

Gostos não se discutem. sobretudo quando afirmados de forma tão determinada. Mas na revista "Historia y Vida", Ano XLI, nº 496, 07/2009, pag. 26, encontro uma citação de Santa Teresa de Jesus (1515-1582) que directamente vos serve:

"Lê e dirigirás. Não leias e serás dirigido."

Coisas da vida, pois claro! E um "pequeno" aviso: nem o cinema, nem o "resumo escolar" substituem a obra escrita original.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A moeda de César


Depois de ouvir o comentário verbal de um tal Senhor Claudio Dias Couto antes do noticiário das 09:00 da manhã de hoje, na designada "Rádio SIM" - onda duplicadora de noticiários da Renascença - falando "doutamente" em desígnios das esquerdas e na necessidade de um outro sistema político, etc. etc. a minha posição no assunto ficou completamente definida, mais até por protesto que por convicção. Não é a dele, certamente.
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E deixo uma pergunta àqueles que berram a palavra "Família" em certos momentos da vida nacional: o que é que fizeram para defender a Família quando estavam no poleiro, dormiam com o poder impondo regimes de casamento (hetero) e minando assim a dignidade desta instituição sem nunca abrirem mão de uma actualização concordatária face às evoluções perceptíveis da sociedade ou que, já depois, vêm votando leis fiscais desprestigiantes e outras medidas de "caridadezinha política" sem propor a sua mínima adequação em nome de uma sã protecção familiar? Que esperam? Basta ver a actual dedução fiscal por cada filho, confrontar com a falta de lugar em infantários públicos e o que custa um infantário privado para compreender o que de facto o "legislador", seja ele quem for, entende, neste País, por Família. Basta ver o que a campanha de "capitalismo popular" endossada pela Banca e a minimização persecutória ao mercado de arrendamento (cá temos nós o coito danado dos dois lados do espectro!) foram acarretando para o actual endividamento familiar e as correspondentes distorções na tão reclamada (mas só isso) "célula da sociedade". Basta ver o que a atenção prestada à dita "terceira idade" merece num País que, como no título do filme, manifestamente não é para velhos [1]. Ou só se grita "Fogo!" em cada comício semanal e se aponta para as folhas de abaixo-assinado disponíveis à saída quando a seara já está de há muito ardida?
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Não se tem a noção, sequer, de que os números obtidos e alardeados só demonstram a efectiva dimensão actual do papel que se invoca e não passam de meras vitórias pírricas dos que procuram numa interpretação utilitária da lei a afirmação duma força moral esbanjada?[2]
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No restante, como no ensinamento quanto à moeda de César.
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[1] Vd., a propósito, o comentário de Manuel António Pina "Uma doença nossa" na última página do JN do passado (e, na cidade agitada por saldos, quase geralmente despercebido) "dia de Reis", 6 de Janeiro.
[2] Tenha-se ou não gostado (eu não gostei!), o Senhor Mário Nogueira conseguiu, em menos tempo, reunir um número superior de presenças - demonstrando-se assim como, em termos actuais, é mais mobilizadora a defesa de interesses corporativos de um grupo profissional que o amparo dado aos alegados "altos valores da sociedade".

Imagem: cortesia a http://www.forumancientcoins.com/Coins2/

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O jardim

Houve um tempo em que os dias 7 tiveram um especial sentido. Hoje já não é assim, nem mais será (o famoso "never more" do corvo) e o celebrado SEVEN não passa de um rótulo de "whiskey" mesmo disso - pelo que lhe chamarei apenas dia "6+1" ou dia "sucessor de 6" (lá vem a memória longínqua da "axiomática de Peano" no tempo em que se estudava Aritmética Racional). Pois neste "6+1" recebi uma prenda que pode ajudar -me e ajudar outros a construir cada um "o seu jardim" e a tirar uns minutos colocando beleza no écran aparentemente insensível em que se amontoam e sucedem os dados mais estranhos que o computador debita. Ela aí vai, a prenda: abram e cliquem com o rato no espaço vazio e negro que vai aparecer. Cliquem e cliquem furiosamente. Sentir-se-ão certamente melhor e o frio será menos intenso. Força, pois:


Obrigado, Ana, e um Bom Ano para si! De facto até "cosmos azuis" podem aparecer!

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Dia de Reis: A crónica 433 de Urda ALice Klueger sobre Mário Benedetti

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No dia 21 de Junho de 2009 coloquei neste "blogue" um texto da autoria da escritora catarinense Urda Alice Klueger sobre o poeta uruguaiano Mário Benedetti, em que referia o aparente alheamento com que se registara a sua morte. O único comentário que então recebi e registei neste blogue, de uma muito atenta Amiga, representava uma mesma corrente de impressões que me foram verbalmente transmitidas e que, sem esconder surpresa, davam conta do nosso vasto desconhecimento de vários autores cimeiros de poesia sul-americana, de expressão castelhana e mesmo portuguesa, e manifestavam admiração pela pequena amostra poética que era então dada. Urda Alice Klueger - a quem eu saúdo com amizade no início de um novo ano que desejo seja tão venturoso que leve a diluir no tempo os maus dias que 2009 lhe reservou e, como a ela, a tantos catarinenses - aproveitou o dia de Reis para, na sua crónica 433, voltar sentidamente a lembrar o poeta e o papel, que tão pouco conhecemos, da sua vasta obra. É essa crónica 433 que, com a devida vénia e os melhores votos que atrás se referem, seguidamente se transcreve.

"A gente não se despede de Mário Benedetti

Ele já estava com mais de trinta anos quando eu nasci, mas só fui conhecê-lo em idade adulta. Um ser como ele, único na sua espécie, decerto já andava a espargir o seu pó de pirlimpimpim por sobre sangues, lutas e esperanças lá na altura em que eu nasci, mas muito tempo passou para eu tomar contato com a sua magia – fui criança, fui adolescente, fui jovem, tornei-me madura (será que algum dia a gente, realmente, amadurece?) sem me dar conta que ali, do outro lado da fronteira (fronteiras, pois também viveu como exilado. Como alguém com a espantosa grandeza d’ alma que ele tinha não andar exilado em plena Operação Condor, quando os que nos dirigiam eram títeres formatados por algo nefando como a Escola das Américas [1]?) havia aquele homem que era pura luz, e que como nenhum outro até então soube contar e cantar esta nossa América na limpidez lúcida e corajosa dos seus versos ímpares.

Mário Benedetti entrou na minha vida através de um poema de amor que era cheio de erotismo, e fiquei curiosa com aquele poeta que me chegava do Uruguai (embora os tantos exílios), e tão curiosa fiquei que quis saber mais, e fui mergulhando na sua produção, na sua longa obra de tão longos anos, até o dia em que me deparei com aquele poema único dos únicos: “Te quiero”:

"(...)

Tus ojos son mi conjuro
contra la mala jornada;
te quiero por tu mirada
que mira y siembra futuro.

Tu boca que es tuya y mia
tu boca no se equivoca
te quiero por que tu boca
sabe gritar rebeldia.

Se te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo.
Y en la calle codo a codo
somos muchos más que dos.

(...) [2]"

Céus, aquilo era o meu sonho de vida! “...Em la calle codo a codo somos muchos más que dos.” Calou-me tão fundo à alma que fiquei a pensar se haveria para mim este parceiro que me completaria tão completamente, tão completamente... Sonha-se; assim é a vida, e ninguém como Mário Benedetti para nos atirar para dentro do mundo diáfano, colorido e real dos sonhos – depois de se ler um poema assim, a gente passa a ver que tudo é possível. Tomei-me de tal carinho por “Te quiero” que como que o afivelei com toda a força ao meu coração sempre tão solitário, e ele era como um arrimo para a minha solidão, enquanto descobria mais e mais pérolas desse uruguaio único que era capaz de desestabilizar ditadura cruéis com a força da sua palavra, a ponto de estar tendo sempre que ir trocando de país por onde o Condor voava...

A gente querendo ou não, a vida vai passando e muitas coisas vão acontecendo. Em maio de 2009 eu estava convidada para um evento cultural no Mestrado em Letras da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai – URI -na cidade de Frederico Westphalen/RS, grande evento internacional, que reunia gente da área de Letras de mais de um país. Lá estavam três uruguaios convidados: o escritor Ignacio Martinez, Mariel Cardozo e Graciela Veiga. Foram dias e noites maravilhosas, onde desfrutamos de inúmeras atividades culturais naquele cursos de Letras que me pareceu, também, único – nunca vi outro com tal qualidade e garra pelos lugares onde até hoje andei – e onde professores e convidados fazíamos as refeições juntos em lindos restaurantes, refeições que acabavam se transformando em tertúlias, e numa dessas noites, à hora da sobremesa, os uruguaios passaram a declamar poemas de sua terra, notadamente de Mário Benedetti, e eu pedi: “Ah, por favor, por favor, declamem "Te quiero", aquele que diz: "Y en la calle codo a codo somos muchos más que dos!""

Muito vã a minha ênfase! Se eu cá de outro país, de outra língua, sabia tanto do poema para dizer seu nome e aquele pedacinho fascinante, o que esperar de legítimos uruguaios? Então houve o momento mágico: "nuestros hermanos" passaram imediatamente para o poema, mas não se limitaram a declamá-lo: no Uruguai, ele é música! Ignácio Martinez tomou de um violão, e pela primeira vez na vida eu ouvia, transformados em canção, aqueles versos únicos:

“(...)

Te quiero em mi paraíso;
es decir, que em mi país
la gente vive feliz
aunque no tenga permisso

(...) [3]”

Aquele foi um dos momentos pelos quais vale a pena viver! Emocionadíssima, coração aos saltos, lágrimas nos olhos, eu esperei o final daquela canção fascinante e então assegurei aos irmãos uruguaios: “Se Mário Benedetti morrer antes que eu, não importa se daqui a um ou a vinte anos, eu vou fazer uma crônica de despedida a ele relembrando este momento ímpar aqui em Frederico Westphalen, na companhia de vocês!”.

Um dia ou dois voltei para minha casa – e no terceiro dia depois daquela noite, Mário Benedetti morreu, aos 89 anos. Gastara até o fim a sua vida usando a palavra como carícia e como arma contundente, e deixou para a humanidade um legado que dificilmente poderá ser suplantado. Eu fiquei com aquilo engolido na minha alma como se tivesse um espinho a atravessá-la, e só agora, mais de sete meses depois, é que me sento para fazer a despedida prometida lá em Frederico Westphalen.

Só que não é despedida, porém. Lá do outro lado da vida, Mário Benedetti não nos abandona. Faz um dia ou dois que ele, de repente, reaparece na telinha do meu computador, trazendo toda a esperança e a inquietação que sempre causou ao longo da sua vida:

"Que passaria se un dia
Despertarmos dandonos
Cuenta de que somos mayoría?
(...)
Que passaria?" [4]

Ah! Mestre, Mestre, não há como despedir-me de ti! És como nosso ego, nossa consciência mais profunda, nossa esperança mais certa, nossa sensibilidade mais aflorada. Que acontecerá quando na rua, lado a lado, formos muito mais que dois? Ai, Mestre, como me atinges profundamente o coração!

Blumenau, 06 de janeiro de 2010 – Dia de Reis

Urda Alice Klueger
Escritora

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[1] A Escola das Américas, instituição estadunidense que funcionou desde 1946 no Panamá, formando torturadores e outros sádicos poara dominarem a América dita Latina; actualmente está funcionando no Fort Benning. estado da Geórgia, EUA, com o nome de Instituto de Cooperação para a Segurança Hemisférica.
[2] "(...) Teus olhos são meu conjuro / contra a má jornada / te quero por teu olhar / que olha e semeia o futuro // Tua boca é tua e minha / tua boca não se equivoca / te quero porque tua boca / sabe gritar rebeldia // Se te quero é porque sois / meu amor, minha cúmplice e tudo / E nas ruas lado a lado / somos muito mais que dois. (...)"
[3] "Te quero em meu paraíso / e dizer que em meu país / as pesoas vivem felizes / embora não tenham permissão. (...)"
[4] Que aconteceria se um dia / despertarmos dando-nos / conta de que somos maioria?" (...) Que aconteceria?"

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A tempo: por mero lapso informático, o último período do original de Urda Klueger "desapareceu" do écran na data em que esta mensagem foi colocada. Verificado o erro, a crónica foi completada às primeiras horas de 10 de Janeiro. Do facto peço desculpa à Autora e aos leitores deste blogue.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Véspera de Reis

Bolo-rei

Visitei a cidade. E encontrei diferenças. Comecei por descobrir que, no local onde pontificava o "Comodoro" - e talvez porque tanta gente lá avivou a vista - se localiza hoje um estabelecimento de óptica. Nunca tinha dado por isso, desde quanto?, distracção minha. Desprezando os transportes próprios e públicos iniciei uma caminhada até às chamadas que eram "avenidas novas" e que já não são. Frio e chuva, terça-feira depois das celebrações de fim de ano, alargadas pelo calendário até domingo. Recordei-me do valor que me habituara a dar à "véspera de Reis", aos tabuleiros de bolos-reis que ainda se mantinham e que só eram desmanchados a seguir a esta véspera e ao dia de festa que se lhe seguia. Nada disso... A geral tendência de transformar confeitarias em locais em que, passada a refeição rápida, do rissol mais sopa, só subsiste o bica e bolo das gentes apressadas ou o "tem velinhas" para o à ultima hora procurado bolo de aniversário, monotonamente de entremeio a creme de ovos, deixou que alguns bolos-reis subsistissem meio apagados no conjunto. Um empregado informa-me que a procura escasseou. Que os bolos-rainha, bolos escangalhados, bolos restaurados, bolos que perderam o formato toroidal mas que todos se dizem sucessores do doce típico da quadra de Natal em áreas urbanas deste País, têm vindo a abastardar o mercado. Se fosse só nos bolos-reis, penso eu! Mas lá descubro um, de dimensão apropriada, nem roda de carro nem miniatura. E bom, ainda por cima. Permitir-me-á celebrar a véspera da última festa do ciclo. Seguir-se-lhe-ão as transgressões, até ao Entrudo, o ressuscitar dos ritos profanos que pretendem acordar a terra para um novo ciclo fecundo. Gaspar, Belchior, Baltazar - três reis heróis da minha meninice, celebrados numa família republicana, que era a minha. Disseram-me depois que no imaginário medieval tinham chegado à dúzia. Mas os meus eram aqueles três. Hoje há afinal bolo e vou desencantar um vinho do Porto para, à antiga, lhes dar boas-vindas como as que se devem dar aos santos nas respectivas vésperas. Só que, então, havia mais gente comigo, a fazer o mesmo.
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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Nos Estados Unidos da América muitas das casas são totalmente construídas em madeira...

O "Incêndio de Baltimore" (1904) [1]

... e, por isso, se compreende a importância social do comandante local de bombeiros - ele também, frequentemente, eleito. Se a corporação não é célere, em caso de incêndio, ficam apenas as chaminés de tijolo a dizer "aqui era uma casa" tal como algumas chaminés altas subsistem não longe deste lugar para recordar que ali havia fábricas e que nelas trabalhavam milhares de homens [2].

Para os cidadãos eleitores de qualquer pequena cidade americana, a eficácia de um chefe de bombeiros é pois medida pela antecipação ou pela capacidade de resposta a qualquer cheiro a chamusco. Para o chefe de bombeiros, como figura eleita, também interessa uma apreciação positiva segundo tal critério de medida. Por isso, no campo dos chefes de bombeiros em exercício, para quem tenha votado ou não neles, não há justificação para comportamentos histeréticos. Que os houve.

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[1] Em Portugal os "Museus dos Bombeiros" não são muito comunmente visitados e, em muitos casos, constituem inciativas dispersas. e muito localizadas, com estruturas de exibição e demonstração improvisadas. A presente imagem faz parte do acervo do "Fire Museum" de Baltimore, EUA, onde se apresentam viaturas, fardamentos, documentos, acessórios, símbolos, troféus e outras informações relevantes sobre o a história e o funcionamento dos bombeiros locais. Vd. http://www.firemuseummd.org/images/exhibits_baltfire.jpg

[2]E se hoje desconhecedores do contexto ou cuspidores na malga em que a sopinha lhes era servida procuram alardear que esses não passavam de meros explorados, bastará dizer que - para isso e antes disso - eram empregados, ou seja, tinham um emprego, que exerciam com competência, invocavam com orgulho e que muitos ainda hoje recordam com estima e saudade.

domingo, 3 de janeiro de 2010

As pequenas diferenças: uma questão de qualidade

A agenda (neste caso, do MUDE) quando fechada. Mesmo descontando
o efeito óptico da sombra, note-se o ligeiro "arrebitar" dos extremos da lombada.

Pormenor da agenda aberta, mostrando a deficiência dacolagem da lombada:
é bem visível a "bocha" irregular ao longo desta e o evidente prolapso superior.


Nos últimos meses de 2009 alguém teve a interessante ideia de fazer editar para 2010 agendas de bolso e de mesa alusivas a museus e a eventos culturais da região de Lisboa, numa apresentação com elástico hoje bastante divulgada e que se aproxima (mas que também difere) de algumas agendas de bolso e de mesa, livros de esboços, cadernos de notas, etc comercializados por diversas e conhecidas marcas internacionais. Porém, para além das diferenças intencionais e funcionais, as referidas agendas apresentam uma outra diferença certamente involuntária: uma má colagem da lombada que, quando a agenda é aberta, faz aparecer no lugar daquela uma inesperada e irregular "bocha", prenunciadora de debilidade durante o uso e, no imediato, ofendendo a estética global e desamparando-a face à qualidade de objectos similares de outras proveniências.

Aqui está um exemplo flagrante do que era essencial evitar. A colocação no mercado de um produto que se pretende de algum prestígio deveria ter sido precedida por ensaios de qualidade em modelos que tivessem prevenido quanto a este defeito. Dizer que foi um lançamento de experiência e que, daqui a um ano, sairá melhor é, no fundo, entrar mal no mercado - e entrar mal num primeiro lançamento pode redundar em lamentável perda.

Num mundo de desenfreada concorrência, um produtor não pode menorizar-se pelos erros de qualidade em produtos na crítica fase inicial da sua vida util [1]. Não há manto de razão que possa acoutar isso. Além da lesão que a aquisição de um produto de menor qualidade traduz para o adquirente [2], subsiste o risco que essa apresentação deficiente encerra para o próprio produtor. Os "deslizes evitáveis" não podem existir. A "pequena diferença" que uma boa qualidade constrói é potencialmente muito maior que o que se pode pensar. Representa referência, clientela, produção e venda, valor a criar, valor a receber, valor a distribuir. Que não existam evitáveis facilidades no hábito da qualidade: não chega nunca dizer que somos tão bons ou melhores que os outros - é preciso mostrá-lo. [3]

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[1] Não sei se este facto verídico e assaz conhecido foi já contado no presente "blogue", mas, se o foi, não se perde a oportunidade de o trazer aqui outra vez. Quando da concepção mesmo inicial do tortuoso projecto do canal do Panamá houve quem propusesse um outro traçado, mais benigno do que implicava aquele província então colombiana e que as vicissitudes do canal e as ingerências diversas, nomeadamente do tio-gringo do Norte, tornariam rapidamente em país independente para que mais dependente pudesse ser. Para esse outro traçado, o país soberano do mesmo (creio que a Guatemala) tinha garantido não existirem riscos de vulcanismo activo. Com aquele azar que por vezes assalta os mais descarados empreendedores, o dito país soberano esqueceu-se de que, nesse mesmo período, tinha lançado ou ia lançar uma série corrente de selos postais em que o selo de taxa mais useira representava... um vulcão activo e bem activo. Os defensores do trajecto panamenho (e detractores do trajecto alternativo) não foram de mercês nem perderam tempo: compraram folhas inteiras do dito selo e mandaram exemplares do mesmo a quem quer que tivesse papel decisório na escolha do traçado do canal. E este veio, sem qualquer dúvida, para o Panamá. Como diria Mestre Gil: "E assim se fazem as cousas!"
[2] Especialmente se as deficiências conduzirem a "morte precoce".
[3] Antes de concluir e editar esta postagem, procurou-se verificar se o defeito congénito encontrado na agenda que se comprara era de carácter epidémico ou se correspondia ao caso isolado de "ter saído a fava" ao reclamante comprador. Infelizmente constatou-se que a primeira circunstância prevalecia: num número considerável de agendas de bolso (e de agendas de mesa) verificadas, a má colagem surgia como evidência geral. Levou isto a prosseguir com o reparo.
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sábado, 2 de janeiro de 2010

É altura de começar a analisar conteúdos informativos : o caso da medida da sinistralidade automóvel em notícia no JN de ante-ontem

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E um exemplo disso está na página publicada num jornal diário de 31 de Dezembro de 2009 sob o título "Sinistralidade Vale 30 Dias" e subtítulo "Novo modelo de contabilidade de mortos na estrada entra em vigor a partir de amanhã" [1].

Seria de esperar que a subscritora da notícia explicasse ao público leitor e pagante, eu incluído, quais as razões técnicas que levaram o Governo a legislar para que , como refere nas primeiras 7 linhas, "a partir de amanhã, as vítimas de acidente rodoviário que venham a falecer no hospital até 30 dias após o acidente serão contabilizadas como mortos nas estradas". Ou que friamente se quedasse pela notícia, mesmo que juntasse a informação de poderem existir dúvidas sobre a eficácia do sistema sem a implementação do Plano Nacional de Trauma, também a explicar muito brevemente o que é, e ficando-se por aí.

Mas não: após uma brevíssima e insuficiente explicação, sem origem identificada e feita noutras 7 linhas mas logo em si dubidativa ("Em teoria, a medida parece boa: aferir o número real das vítimas mortais dos acidentes nas estradas contribuirá para apurar as campanhas de prevenção rodoviária e, consequentemente, para reduzir o número de mortos" [2]), a notícia passa imediatamente à audição da opinião do presidente da "Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados" [ACAM?] que nas seguintes 50 linhas e numa janela realçando uma das suas frases procede à demolição da eventual bondade da medida governamental, incluindo aspectos técnicos até aí não invocados nem explicados. É o discurso do Marco António no "Julio César" de Shakespeare. Segue-se-lhe um "especialista em trauma", em menos apaixonadas declarações à Lusa e que, em 21 linhas, até reconhece que esta contabilidade de mortos a 30 dias é a mais correcta e internacionalmente mais aceite - ainda que ponha em dúvida a capacidade dos hospitais em a implementarem sem a instituição do tal plano. Finalmente, dá-se conta, em 14 linhas, de um comentário-resposta da Ministra da Saúde, que refuta as declarações anteriores (mais dirigida às do especialista em trauma que às do auto-mobilizado presidente, ou seja, aparentemente "limitada" a apenas um dos dois críticos) , traduzindo uma posição contrária quanto à capacidade dos hospitais, mas não esclarecendo minimamente a medida em si. Curiosa a extensão desproporcionada do "contra" relativamente a um assim limitado "pro".

Acresce uma janela inserta em duas das 5 colunas desta meia página (a parte superior é "absorvida" por um episódio de sinistralidade), sob o título: Prevenção rodoviária / Operações e balanços. Na 1ª coluna refere-se e descreve-se, com subtítulo próprio, a "Operação Ano Novo" e seguidamente, o "Balanço da operação 2008"; na 2ª coluna, sob a epígrafe "Menos sinistralidade" dá-se notícia da redução da sinistralidade e logo vem o mesmo senhor presidente, aqui sem qualquer contradita, que diz que o investimento do Governo em campanhas de prevenção nada tem com isso mas sim uma lei curiosa descoberta por um senhor Smeed ("quanto maior for o número de automóveis em circulação, menor será a sinistralidade, uma vez que aumenta a capacidade colectiva para diminuir o risco" [3]) e, bem assim, a imposição dos governos do Norte da Europa sobre os fabricantes de veículos [4]. Seguidamente o mesmo senhor (não o Smeed) refere o que o Governo gasta por ano em campanhas, valor que considera muito distante do que "custa anualmente a morte" - o que parece uma análise puramente economicista e seria interessante saber como avalia o "custo anual da morte" e como a tal medida dos 30 dias pode alterar, e em que sentido, este valor. Ou seja: nesta janela, uma coluna é noticiosa; outra coluna é inteiramente de ataque e sem qualquer contradita.

Em ambos os casos, além dum aprofundamento mais equilibrado quanto aos aspectos legais e argumentos associados, seria também interessante conhecer a posição dos hospitais, da Ordem dos Médicos (que o presidente da Associação chama à liça e considera não ouvida, mas que, certamente, não representa), do Automóvel Clube de Portugal, como histórica e experiente associação de automobilistas que dispõe de uma importante componente formativa, e, sem dúvida, duma parte aqui omissa mas muito importante, que são as próprias Seguradoras.

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[1] JN, 31/12/2010, p.8, notícia subscrita por Helena Teixeira da Silva (helenasilva@jn.pt) com LUSA
[2] Há aqui uma polarização de uso: considerar que o conhecimento do número real das vítimas contribui para apurar as campanhas de prevenção rodoviárias. Contribui para mais que isso e as campanhas devem ser postas em lista com os múltiplos outros factores que afectam essa segurança, desde o estado das estradas, das frotas. da sinalética (frequentemente roubada), da actuação policial, da instrução, etc. Aliás é o próprio presidente da ACAM que, na janela da 3ª e 4ª colunas do texto, secundariza os efeitos das campanhas na diminuição (aparente) da sinistralidade, invocando a lei de Smeed e as medidas dos governos norte-europeus sobre os construtores. Quanto à prática nacional face à internacional fica aberta uma também aparente disparidade entre o Presidente da ACAM e o especialista em trauma, mas poderão estar a falar de coisas diferentes - aspecto em que também conviria esclarecer o leitor.
[3] Esta forma de enunciar a lei de Smeed necessita aliás de ser concretizada pois põe em jogo elementos absolutos e relativos que não define e pode confundir o leitor. Aliás, fundada em dados de 1938, enunciada em 1949 e posteriormente revista por outros Autores, a "lei de Smeed" não está geralmente aceite, havendo notícia de diversos especialistas que, mais recentemente, a põem em causa. Ao invocá-la como argumento, o presidente de uma associação que se preocupa com a prevenção e a rigorosa exposição dos seus preceitos a um público leitor deveria restringir a sua invocação como "argumento absoluto", que o não é, sem omitir que vozes autorizadas vieram, mais recentemente, recusar a sua bondade.. Bastará consultar o artigo "Smeed'Law: some further thoughts", de John G. U. Adams, do Departamento de Geografia do University College de Londres, publicado em 1987 na revista "Traffic Engineering and Control", 28 (2): 70-73, aliás disponível na net, para constatar a utilidade duma posição mais prudente..
[4] Não se estará a buscar uma causalidade remota e improvada desta actuação dos governos do norte da Europa sobre os fabricantes em termos da provável extensão do seu reflexo no actual parque automóvel português?


2010: Janeiro


Que tenham tido boas entradas! E que 2010 seja um ano a recordar pelos aspectos positivos que venha a ter.

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Imagem: De http://www.lifeway.com/clipart/downloads/mon_januar.jpg, referindo e agradecendo.