sábado, 30 de julho de 2011

Amor

Manhã, ainda cedo. Entrou afobada no autocarro, protestando contra tudo e contra todos. Poderia até ter sido uma presença bonita se sugerisse ter experimentado a frescura da água ou usado stick ou spray. Ou, pelo menos, arranjado o cabelo. Questionou o horário incumprido, o estado e custo do transporte, a falta de trocado para pagar, a "velha" (chamou-lhe assim entre dentes) que semi-ocupava com o saco de ráfia o 1º banco da frente (havia mais bancos livres), a escassa demora que o motorista facultou para que a utente que corria para o local novo e não sinalizado da paragem provisória pudesse ainda guindar a sua meia-idade e associadas regueifas, pronta que ficou para fazer um ECG com esforço. Quando finalmente se aquietou ou pareceu aquietar-se, o motorista cofiou a repa e, como se dialogasse com o volante à sua frente,  impessoalmente, em puro desabafo,  apenas questionou:  "Chiça! Mas onde estará o amor no meio disto?"

sábado, 23 de julho de 2011

O binóculo

Quando Pantaleão trouxe o binóculo aqueles periféricos dividiram-se. Havia os que miravam por um dos lados, havia os que miravam pelo outro. Houve mesmo os que começavam a mirar por um lado, se tal lhe interessava para aprochegar a matilha, e passavam a mirar pelo outro, quando convinha dizer que "cães de  longe não mordem" e que o problema da sala estava apenas nas pulgas. Em cadernos de duas linhas vários cola-tudo cerebrais arriscaram-se a  escrever sobre o instrumento, essencialmente como (lhes) convinha. Pousado na mesa o binóculo ficou imperturbável até que a mulher de Pantaleão o arrumou na estante. A matilha aquietou-se. As pulgas algo menos se plasmaram, já que - de uma forma ou de outra -  iriam iniciar um período de jejum. Lá fora, o vizinho continuou a regar a cer(v)ejeira.

Mensagem do dia: Grande nau não implica necessariamente grande tormenta, mas só quando as grandes naus abanam é que alguns finalmente descobrem que as ondas não são feitas pelo remar do caíque. Os mesmos que, sempre a crédito, procuraram comprar um motor fora-de-borda (para passear na restinga, claro, e não para ir à pesca).

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Imagem: Esta (e muitas outras) num sítio curioso a visitar:
http://www.1001experiences.com/illusion-optique/illusion-optique-18.html

terça-feira, 19 de julho de 2011

Comentário a alguns "senhores (e senhoras) da crise"

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Out of Europe (reflexões para um dia 13)

Algumas reflexões, enunciadas como tópicos:
a) as perplexidades actuais: a manifesta incapacidade dos facultativos económicos em prevenirem o mal e, uma vez este desencadeado,  não conhecerem (ainda) outros tratamentos para além da purga e da sangria;
b) o desprezo olímpico quanto à teoria da conspiração manifestado e difundido enquanto o processo que se desenvolve é nem mais nem menos que a prática da conspiração;
c) o "financiamento do inimigo", dando de partida que o inimigo é a fonte da turbulência financeira e da especulação que como "venha a nós ultimo" se lhe associa, procurando uma transferência de riqueza onde e como ela exista:  a constituição de uma reserva de valor (metais preciosos? [1])  e o controle das mercancias essenciais i.e. a negação final dos mercados através dos mercados;
d) políticas correntes e políticas dirigidas: quais as localizações dos epicentros e os objectivos prosseguidos;
e) a introdução de "peões de brega" e a desproporção do seu uso eficaz (efeito sistémico vs/ valor tópico);
f) a questão de fundo do crescimento necessário ao capital num sistema de facto adiabático;
g) a exploração das ligas de Corinto e o mito da solidariedade mundial (as formas perversas de guerra);
h) a falta de novidade nesta pornografia (a peça é sempre a mesma; os personagens, os cenários e os efeitos especiais podem aparentemente diferir).

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[1] "Irmãos Grimm", "irmãos Hunt" ou "irmãos Metralha"?

terça-feira, 12 de julho de 2011

Nihil novi...

"As fábricas americanas produzem mais do que aquilo que o povo americano pode utilizar; o solo americano produz mais do que aquilo que o povo americano pode consumir. O destino traçou a nossa política; o comércio mundial deve ser e será nosso. [...] Instalaremos pelo mundo fora entrepostos comerciais que serão os centros de distribuição dos produtos americanos. os nossos navios  comerciais navegarão por todos os oceanos.Construiremos uma marinha à medida da nossa grandeza. Dos nossos entrepostos comerciais nascerão grandes colónias que irão içar a nossa bandeira e fazer comérco connosco. As nossas instituições seguirão as nossas bandeiras, através do comércio. E a lei americana, a ordem americana, a civilização americana e a bandeira americana em zonas e costas onde até aqui imperavam a violência e o obscurantismo e estes ajudantes de Deus torná-las-ão magníficas e esplendurosas."

Discurso do Senador Beveridge, Boston, Abril  de 1898,
citado  em  Milza, Pierre em "As Relações Internacionais
de 1871 a 1914", Edições 70, Lisboa, 2002, pag.80       .

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Polikarpov

Foi o "caça" de eleição fornecido pela União Soviética à República Espanhola, durante a Guerra Civil 1936-1939. Conheceram-se duas versões sucessivas:  o I-15, biplano, geralmente apelidado de "Chato", e o I-16, para os Republicanos conhecido como "Mosca" e para os franquistas e seus  apoiantes, algo depreciativamente, como "Rata". Esta última versão, como monoplano,  incorporava quando do seu lançamento diversas melhorias técnicas (vg. asa baixa e trem de aterragem retráctil)  - e foi gradualmente recebendo outros aperfeiçoamentos resultantes do confronto com os Messerschmidt Me-109 da "Legião Condor" com que Hitler apoiou Franco. Houve outros Polikarpov's. E alguns ainda andarão por aí.

Vd. 
http://www.youtube.com/watch?v=17hQGdZyfkQ&feature=related

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Avaliações - 2

Em tempos já passados,  um Senhor Nogueira teve o seu dia de glória a contar milhares e milhares de professores que considerava ter posto na rua, em protesto contra um processo mal conduzido de avaliações necessárias e que de qualquer forma mais tarde ou mais cedo surgirão. Num desenvolvimento energético considerável, uma classe inteira veio então protestar contra uma avaliação que qualificava de injusta, burocrática, complexa e certamente incómoda - porque as avaliações são-no sempre [1].

Hoje despontou o dia (aliás já tinha começado na noite precedente) com a notícia de que uma das tais "agências rateiras" que fazem a avaliação da economia das nações e a que estas, quais carneiros de Panúrgio, ainda concedem crédito, tinha, sem avisar ninguém, colocado na lixeira  a nossa dívida,  mostrando-se "nas tintas" para qualquer acordo troikolento ou para quaisquer medidas para além do acordo com que Portugal, procurando remendar o bibe do "bom aluno" (mesmo que entretanto enodoado), iniciou um previsivelmente longo exercício de auto-flagelação. Tratou-se de uma avaliação gratuita e inoportuna (mas certamente oportuna para os objectivos que esses senhores perseguem), que vem acarretar as mais graves consequências, atingindo a vida de todos nós (incluindo os supra referidos senhores professores), ditada por um organismo de natureza empresarial, donde contratável, arvorado em árbitro por iniciativa própria, que nem oficial é, cujos mandantes se desconhecem (salvo a localização estadunidense da sua sede social), apanhando governos desprevenidos e surpresos [2]. Não obstante, tal gravidade, que inclusive arrisca passar-se a outros por efeito dominó, não parece susceptível de levantar uma parcela da energia que se associou ao supracitado movimento social, cabendo perguntar quem vem agora por alguma forma "repulsar" o insulto que assim nos é dirigido? Ou a contestação desta "gajada rateira"(usemos os termos apropriados) limita-se a ficarmos todos de rabinho entre as pernas, frente ao crescente terror alimentado pelos noticiários da TV, esperando que os eurocratas façam qualquer coisa, aprendendo à custa própria que o que realmente se passou e passa nunca esteve limitado à nossa capoeira e traduz um processo - sistémico de natureza, profundo de intensidade e universal de campo - em que nós apenas figuramos por sermos um dos elos mais fracos daquela maior realidade que desde o início da crise se pretende "alavancar" (aqui em sentido não económico) e destruir e que se chama Europa? Certo dia não distante ouvi eu advertir  que não deveríamos "apoquentar os mercados" (e se as palavras não foram exactamente estas, pelo menos eram parecidas em formulação e sentido); como se vê eles, "os mercados", precedidos pelas suas trombetas "rateiras", preocupam-se bem connosco!  

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[1] Se esse Senhor pensava que toda aquela gente ficava atraída pela sua linha política, enganou-se mais que redondamente. Mas não é por aí que o gato vai às filhós!
[2] É curioso que, apenas dias atrás, tendo a Europa respirado aliviada com a "votação grega" e ficado algo mais aliviada com a notícia de um mecanismo de possível recuperação, agora liderado pela França, tenha logo aparecido um outro dos tais "rateiros" a ameaçar, em tom entre o sabotador e o chantagista,  que se esse mecanismo prosseguisse atacaria logo a Grécia com um abaixamento brutal do "rating". E a Europa, manifestamente em desUnião Europeia (qual Festung, qual história!) vai deixando isto correr enquanto bruxuleia (de Bruxelas, ou de bruxas ou do tremeluzir de estrelas que se apagam)! Entretanto, "stars and stripes for ever", do outro lado do Atlântico pede-se o aumento do tecto legal do endividamento público, rosna-se apenas um bocadinho ... e os mesmos abusadores mantém inalterado o glorioso "rating" AAA. Esta disparidade kafkiana e esta inacção europeia sugerem a recuperação de uma leitura útil, mesmo que já algo requentada:  o "Empire", de Michael Hardt e Antonio Negri, Obra que foi publicada pela Harvard University Press no (já) distante último ano do século XX, podia encontrar-se há alguns anos na néte  em
http://www.angelfire.com/cantina/hardt_negri_empire.txt
mas parece  já lá não estar.
A tempo: poucos minutos depois de escrever isto dizem-me por telefone que afinal ainda estará na néte (ainda bem!) e em vários formatos para baixar como se queira, só que num endereço mais simplificado que aqui registo tal m'o indicaram:
http://www.angelfire.com/cantina/negri/

terça-feira, 5 de julho de 2011

Da redução do número de autarquias

Sendo verdade que o Senhor Mouzinho da Silveira já não é vivo e que mexer em concelhos embroglaria muito mais a nossa vivência que mexer em freguesias, não se resiste a transcrever as quatro "quimeras" [1] brotadas, como modestas achegas,  dum animado debate em mesa de "café":  Barrólavra, Verdeseixo, Palhandré e Coinantónio. Espera-se bem não ter de chegar a isso [2].

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[1] Num sentido genético. De acordo com a wiki, chimera ou chimaera, que aqui se grafou como "quimera" é um animal que tem duas ou mais populações de células geneticamente distintas, já que  provenientes de diferentes óvulos que se reuniram durante a fase inicial do pocesso de reprodução sexuada. Grosso modo poder-se-á dizer que é antítese dos verdadeiros gémeos: nestes um óvulo dividiu-se dando dois ou mais óvulos que cresceram separadamente; na chimera são dois ou mais óvulos distintos que se reunem para crescer como um único animal. O fenómeno não é assim tão raro (e até poderá suceder, embora raramente, nos humanos). Os conhecidos gatos "casca de tartaruga" ("tortoise shell") são sempre gatas e... são provavelmente chimeras.
[2] Regressando ao sério, conhece-se pelo menos um caso em que, longe daqui,  uma freguesia foi dividida em duas - mas, depois disso, manteve durante longos anos um órgão administrativo comum (ao tempo designado como Junta das Paróquias de X e Y). Pode ser uma solução factível para contornar um compromisso complicado.

domingo, 3 de julho de 2011

Avaliações -1 ; O trauma de Roubini e as PME's

O pessimismo de um guru chamado Roubini (e em economia o pessimismo invariavelmente acaba por pagar!) apontou as baterias cá para a nossa terrinha, considerando-nos "quase pior(es) que a Grécia". Não estando isolados numa corrida para o abismo (e a questão está em que muitos parceiros Europeus ainda não entenderam que nestas coisas se aplica o poema de e que qualquer dia a crise vem também bater-lhes à porta), o valor de comparações laterais é limitado - a menos que estes gurus económicos deixem de padecer da síndrome do médico legista, ou seja, de saberem reconhecer a morte  mas continuando a não saber atempadamente reconhecer as causas e os tratamentos adequados. Por isso as previsões de Roubini valem o que valem e, em si, não ajudam nem Portugal, nem a Grécia, nem qualquer outro.

Há porém um elemento a destacar nesta opinião: a acusação de que isso é devido à nossa falta de competitividade - ou seja, à nossa incapacidade de produzir riqueza. E eu não posso deixar de meditar na realidade que corresponde à nossa perda de mercados e, num campo alargado pela globalização, a termos desarmado capital produtivo sem encararmos a sua renovação e sem encontrarmos saídas para uma apreciação externa do que fazemos, descompensando com as entradas do que não fazemos e poderíamos fazer Neste sentido eu, que prezo as PME's e que acompanho com interesse a defesa das PME's, tenho necessariamente que dizer: que PME's e como? Olhem-se os excelentes exemplos que felizmente existem, comparem-se com os maus exemplos que ainda persistem, saiba-se distinguir entre estas situações (recusando igualdades formais onde elas não possam existir) e retome-se a máxima alegadamente chinesa que diz: "se o teu amigo tem fome, dá-lhe um peixe para comer - mas se ele é verdadeiramente teu amigo ensina-o a pescar."