quinta-feira, 31 de julho de 2008

Em guiço

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Parir por parir, bem basta a montanha!

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quarta-feira, 30 de julho de 2008

O regresso de Pequim

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QianMem - a Estação Velha de Pequim

O Barreiro tem as suas anedotas. Umas com pernas, outras não. Mas a referência feita na postagem anterior a mais um monumento desaparecido leva a recordar esta historieta mesmo em blogue, para que fique.

Tudo começa quando um cidadão barreirense, daqueles que se reclamam de genuínos [1], decidiu, em plenos anos 60 do século passado, ir de comboio para Pequim [2]. Saiu de casa, tomou o autocarro que dizia "Av.Sapadores", apeou-se junto à muralha (com cuidado para não cair pelos intervalos ainda não "travados" a tubo de ferro [3]), entrou na estação, foi ao guiché e zás, eu queria um bilhete de segunda classe para Pequim.

O digno funcionário coçou a cabeça e respondeu logo, oh amigo, um bilhete para Pequim não temos. Tem de ir ao Rossio...


E o bom do homem foi para o Rossio, donde o mandaram para Santa Apolónia, sendo remetido para a Calçada do Duque e daí outra vez para Santa Apolónia, com a recomendação de tirar um bilhete para Paris e daí, via Moscovo, resolver o assunto candente do bilhete para Pequim.

Ultrapassando, de Anás para Caifás, todos os problemas logísticos, diplomáticos e políticos suscitados pela desejada viagem de comboio para Pequim, o ilustre barreirense chegou a QianMen, estação velha da capital da China, e, instalado na cidade, encontrou tempo para tratar devidamente de todos os assuntos que lá o tinham levado.

Recordando as complicadas peripécias da ida, punha-se-lhe agora a angustiante questão do regresso. Muito mais complicado certamente iria ser... e assim, preparado para explicar onde ficava o Barreiro, munido de um mapa da Europa e da ultima edição da carta de estradas do ACP, que levara consigo, pensou qual a melhor forma de, na China e em Chinês, abordar a questão, responder a todas as perguntas e explicar para onde, frente a Lisboa, em Portugal, na Europa queria exactamente viajar.

Tinha verificado, à chegada, que na enorme estação velha de Pequim havia imensos guichés, mas todos incaracterísticos. Arranhando Inglês, chegou-se a um dos atendimentos, ao acaso, e - timidamente - pediu "a second-class ticket to Barreiro!".
Do outro lado, o bilheteiro chinês, limitou-se a profissional e secamente perguntar, sem sinais de qualquer hesitação: "Barreiro or Barreiro-A"?


Com o estacionicídio do Barreiro-A, esta anedota hoje já não tem sentido. Fica para a memória. [4]

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[1] Mas que geralmente não contam com mais que três gerações totalmente isentas de cromossomas externos (mesmo que sejam de tão perto quanto a Moita).
[2] Ainda se não escrevia Beijing e outras modernices.
[3] É que (não tem graça alguma!) consta que houve mesmo quedas - e com consequências graves.
[4] Com um especial cumprimento ao "Rip Kerby", que foi quem me contou esta!

terça-feira, 29 de julho de 2008

As flores do cobre... - 4

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O branco é mesmo do envelhecimento e não de outra espécie...

Em postagens de 6 e 7 de Junho de 2007 e de 2 de Maio último referi, como curiosidade, o aparecimento anual (e cada vez mais reduzido) de tapetes de florinhas roxas e rasteiras que, no Barreiro, precedem a entrada do verão. Até agora não havia sido identificada mas, a partir deste ano, conhece-se quase certamente o respectivo nome, graças ao Parque Biológico de Gaia. Trata-se quase certamente da Spergularia purpurea, uma plantazinha cheia de potenciais virtudes medicinais - e diz-se "quase certamente" porque não foram fornecidas sementes para estabelecer uma definitiva diferença relativamente a algumas espécies muito parecidas, ao ponto de receberem as mesmas denominações vulgares ("sandspurrey", em Inglês).

Sendo característica de uma grande parte da superfície peninsular, com preferência para o sudoeste, a designação de “flor do cobre” com que é por vezes conhecida, não éstá, de facto, generalizada. Verdade é que, na tradição oral, estas flores foram-me sempre referidas como tendo uma relação ao cobre – e também verdade é que, se por um lado, como se refere nas postagens anteriores, foram encontradas junto a locais tradicionalmente mineiros do Alentejo (e com cobre...), por outro lado, no Barreiro, em zonas que eram de exposição dominante às emanações das unidades fabris que “mexiam” em cobre, verifica-se uma evidente redução progressiva da sua presença após o encerramento dessas instalações (e tanto que, no Parque da Cidade, já bem mais posterior a esses encerramentos e mais distante de tais "centros de abalo", não foram encontradas). Numa divergente perspectiva, o seu aparecimento noutras áreas do País (começando com o espaço aberto de estacionamento no Forum do Montijo) em que parece remota a ligação ao cobre, põe em causa esta associação.

Como já foi dito, a plantazinha floresce durante um curto período - pouco mais que duas semanas - e seguidamente (como mostra a fotografia) as pétalas ficam descoloridas e caem.

Conhecida em Portugal como "sapinho-roxo" ou "sapinho-roxo-das-areias", recolheu-se de pessoa nascida e criada em Santa Clara Nova, Almodovar a estranha denominação de "pernaranha" . Em Espanha conhecem-se as designações "arenaria roja", "hierba de la golondrina", "esparcilla encarnada", "rabaniza de los soseros" e "vermella", e na Catalunha "espergularia vermella", "herba vermella" e "herba pasarella".

Encerra-se assim este capítulo, mas não sem acrescentar um apontamento curioso. A postagem de 2 de Maio último concluía com as seguintes frases:

"Mas há ainda outros sítios... enquanto há. Depois ficará a memória, para a guardar. Nos anos 60/70 e até /80 formavam tapetes extensos p.ex. junto à estação ferroviária do Barreiro-A. Recordam-se disso?"

Pois bem: se a Spergularia purpurea, ainda que diminuída na área dos tapetes extensos e roxos que formava, irá certamente reflorescer para anunciar a próxima estação estival, a estação ferroviária do Barreiro-A já não terá a mesma sorte. Amostra do que aconteceria, e sem aviso, se fosse a Dona Refer a mandar também nas estações do ano?
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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Uma gravura de Cruzeiro Seixas

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Como prometido, aqui está a reprodução da gravura de Cruzeiro Seixas a pag. 21 da obra de Mário-Henrique Leiria "Casos de direito Galáctico - O mundo inquietante de Josela (fragmentos)", edição da Editorial República - Colecção Letras, [Lisboa], 1975.

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domingo, 27 de julho de 2008

Um "caso de direito galáctico" (texto de Mário-Henrique Leiria)


Texto de Mário-Henrique Leiria (1923 - 1980) apresentado como "Caso de Direito Galáctico - 2" de pag. 17 a 20 da sua obra "Casos de direito Galáctico - O mundo inquietante de Josela (fragmentos)", com ilustrações de Cruzeiro Seixas [para além da gravura da capa, que se mostra, amanhã trarei aqui a que precisamente se encontra na pag. 21. na sequência deste "caso"], edição da Editorial República - Colecção Letras, [Lisboa], 1975:

"CASO 39001-0-37
Sector de Beta Lyra
(Trig contra o dartiano)

Trig, globo pensante natural de Deneb-6, cultivador de cristais cantantes, apresentou-se rebolando excitadamente na sede do Comando da Polícia Judiciosa de Zintiol (Beta Lyra-3), cidade onde residia temporariamente traficando os famosos cristais do seu planeta. Abrindo um vacuolo vocal, apresentou queixa no seguinte teor:

- Fui roubado no mês que vem. Peço com insistência que não intervenham policialmente em tal assunto nem detenham o futuro ladrão que me roubou, caso contrário perderei toda a minha fortuna cristalina, que é exacta­mente o que já aconteceu.

Posta a queixa neste termos, convem esclarecer o estu­dante menos informado que os globos pensantes de Deneb-6 possuem a faculdade de «cuimar», isto é, de se deslocarem nas coordenadas paralelas espaço-temporais durante períodos progressivos e regressivos que podem atingir até 45 rotações denebianas periódicas, o que lhes permite viajar no passado e no futuro dentro da latitude abrangida por esse mesmo período de rotações (para mais informações consultar a Grande Enciclopédia Galática Universal, vol. 95.°, letra C, verbete «cuimação denebia­na, A»).

Prosseguindo, Trig informou o inspector de serviço que um dartiano, cumprindo os seus deveres de cidadão de Dart (ver «Dart ou o conceito de Estado-Quadrilha» do prof. Granf-Rog), lhe deveria roubar no mês seguinte - mês de Zintiol, é evidente - um cristal cantante dos que se encontravam em exposição no seu estabelecimen­to alveolar. Mas nesse mês a vir, a Polícia Judiciosa inter­veio e deteve o latrocinador dartiano Trig nesse momen­to - o da detenção - cuimou duas rotações para o futu­ro e verificou que o roubo se tinha realmente dado. Por­tanto, tendo a polícia detido o gatuno e não permitindo o roubo, o passado tinha sido alterado arbitrariamente.

Em consequência, e como para não haver roubo no futu­ro isso só poderia acontecer se não existissem, no passado, os objectos roubados, todos os cristais cantantes de Trig tinham deixado de existir no momento em que a Polícia Judiciosa não permitira que os roubassem. Trig sentia-se tremendamente lesado e exigia que a mesma Polícia cor­rigisse legalmente a situação, caso contrário processaria o dartiano por roubo não efectuado, em aberta transgressão com as suas obrigações de cidadão de Dart.

Dito isto, apresentou a sua queixa registada em fono-pa­pel contra o dartiano futuro não-ladrão e cuimou, desapa­recendo da sede do Comando da Polícia Judiciosa de Zintiol.

A solução do caso, pela sua originalidade, embora tenha sido depois bastante discutida no foro da Comarca de Zintiol (Sector de Beta Lyra), proporcionou merecida promoção ao inspector Bromintignisestorig da Polícia Judiciosa. Tendo realmente que efectuar a prisão, sem a qual não teria havido queixa por parte de Trig, esperou o mês necessário até chegar a data indicada pelo cullivador de Deneb-6. No momento exacto em que o dartiano se ­apoderava do cristal cantante, uma brigada de homens­-máquina de Adarta da Polícia Judiciosa deteve-o, como fora previsto. Logo após, o inspector Bromintignisestorig sacou do seu desintegrador e desintegrou «in loco» o dar­tiano e o cristal em seu poder, alegando resistência à auto­ridadc. O roubo dera-se, como indicava o futuro, mas tanto o objecto roubado como o roubador tinham desa­parecido, tornando assim, como é óbvio, inoperante a alteração passado-presente. O paradoxo temporal fora anulado e os cristais cantantes que se encontravam no estabelecimento alveolar de Trig permaneceram inaitera­dos.

É evidente que Trig retirou a queixa, até porque já não havia contra quem.

De noro se pergunta ao estudante interessado e atento: Foi o método usado coerente com a casuística processual em vigor no Foro do Sector de Beta Lyra ou, como pretendem alguns juristas ortodoxos, houve perigosa altera­ção no processo espaço-temporal, sendo que a legalidade teria sido deixar a queixa contra o dartiano chegar às instâncias superiores? "

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sábado, 26 de julho de 2008

Uma Santa Bárbara grega (e minha)

Vimo-nos há muitos anos. Medalhão perdido na barafunda de uma montra de adelo, em Alcântara. Surpreendeu-me o que lia em caracteres gregos à esquerda H ΑΓΙΑ que, sem saber grego, traduzi tentativamente por “Santa” ao lembrar-me da “Hagia Sofia” bizantina. E, mais surpreendente ainda, era o BAPBAPA que estava à direita e que mais facilmente se lia como "Barbara". Uma Santa Bárbara grega num adelo de Alcântara!! Entrei e comprei. Simples valor simbólico (o restauro foi afinal bem mais caro!). Revimo-nos agora, durante as complicadas arrumações de Verão. Ainda bem! Afinal nada mudou, entretanto.
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sexta-feira, 25 de julho de 2008

Gazetilha: ( Sul e Sueste)



O arquitecto que fez
A estufa da estação
Sem ter qualquer atenção
Ao calor que faz aqui
Devia, por punição,
Durante todo o Verão
Ser posto a viver ali!

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quinta-feira, 24 de julho de 2008

Reencontro - 1


Falou-se outro dia do valor artístico do penico. Pois um destes - e tão brilhante que se diria em vidro- veio do Rijks exuberantemente manifestar-se num óleo sobre madeira que, em ~1660, Jan Steen (1626-1679) pintou, com todo o realismo e a minúcia flamenga (tope-se o canito) e o título "A Toilette".

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Actualização: Embora eu embirre com a repetição de gravuras, não posso deixar de salientar o douto parecer que este quadro suscitou e que está postado a 3 de Agosto.


quarta-feira, 23 de julho de 2008

Um alerta

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Aqui próximo, e já em segundo caso, topei piscinas insufláveis em varandas! Tremendo perigo! Cada metro cúbico de água representa a carga duma tonelada! Os movimentos na piscina agravam essa situação pelas vibrações que criam e transmitem! E a impulsão de dentro da água da piscina pode permitir ultrapassar mais facilmente o peitoril da varanda! Aliás as varandas não foram feitas nem para "marquises" nem, sobretudo, para piscinas.

(Se passar novamente por qualquer dos locais referido, fotografarei a piscina respectiva. Mas o aviso fica, desde já e independentemente disso.)

terça-feira, 22 de julho de 2008

Blogue "Cientistas em tempo Real" e "Noite dos Investigadores 2008"

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Frente à actual reitoria da Universidade do Porto [1]

De uma activa leitora deste blogue, que acompanha de perto as actividades da Universidade do Porto (U.P.), recebeu o bloguista (que agradece) uma interessante informação que seria negativo deixar de transmitir - certo de que a notícia ou as notícias veículadas poderão interessar alguns "quens" de entre os que (man)têm a redobrada paciência de acompanhar este texto corrido. Assim sendo, é ponderada a originalidade e o potencial valor dos sucessos propostos que se utiliza e se reproduz aqui a informação recebida - recordando sempre que alguns dos eventos indicados se referem naturalmente à região do Porto, mas que são dadas chaves para obter informações quando a actividades homólogas noutras regiões.

"ASSUNTO: Blogue "Cientistas em Tempo Real"
A equipa que em Portugal está a organizar a "Noite dos Investigadores 2008" (Researchers' Night 2008) está a recrutar cientistas de todas as áreas de investigação, em diferentes fases da sua carreira: estudantes de licenciatura, mestrado, doutoramento, pos-docs, "group leaders" e directores que queiram participar no blogue "Cientistas em tempo real"!
Este blogue seguirá o dia-a-dia dos cientistas participantes, não só nos seus trabalhos de investigação, mas também na sua vida além da Ciência.
Dos bloguistas será esperado que coloquem "posts" regulares no seu blogue, relatando acontecimentos, expectativas e pensamentos que vão surgindo no seu dia-a-dia. E também que respondam a questões e comentários colocados pelos visitantes do blogue.

O blogue "Cientistas em tempo real" será uma componente do website que está a ser criado para a Noite dos Investigadores 2008, uma iniciativa do Programa Marie Curie no âmbito do Sétimo Programa-Quadro da Comissão Europeia
http://ec.europa.eu/research/researchersineurope/index_en.htm .
Esta iniciativa tem como objectivo aproximar os cientistas dos cidadãos e decorrerá no dia 26 de Setembro, em simultâneo, em várias cidades europeias.
Em Portugal, o evento está a ser organizado por um consórcio composto pelo Instituto Gulbenkian de Ciência, pela Universidade do Porto e pela Inova+, estando planeadas diversas actividades, que decorrerão em simultâneo em Lisboa (CCB) e no Porto (Marginal de Matosinhos e Centro de Astrofísica da Universidade do Porto).
Para aproximar os cidadãos da Ciência e especialmente dos cientistas, e para atrair jovens para uma eventual carreira em Ciência, a sua colaboração é fundamental. Por isso para obter informações adicionais, ou se estiver interessado(a) em participar, contacte-nos para
até ao próximo dia 25 de Julho, ou então apareça dia 24 de Julho pelas 17h, no bar Lais de Guia, na Praia de Matosinhos, para uma tertúlia onde o projecto será apresentado.

A Equipa da "Noite dos Investigadores 2008

noiteinvestigadores08@igc.gulbenkian.pt"

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[1] Grifo sim, leão só por engano! Pormenor da Fonte da Praça "dos Leões" ou "da Universidade" ou Gomes Teixeira - este o nome oficial - da cidade do Porto e que se encontra frente à actual Reitoria da U.P. (mas onde até 1995 funcionou a Faculdade de Ciências).Segundo o blog "Trips à moda do Porto" (http://tampf.blogs.sapo.pt/11257.html) o primitivo chafariz da Praça foi substituído pela "Fonte dos Leões" (originalmente Fonte Monumental) em 1887, construída em Paris pela Compagnie Génerale des Eaux pour L’Étranger. Desde aí, desprezando os grifos como grifos, o local passou a ser designado comum e abreviadamente como "Os Leões". A Praça Gomes Teixeira evoca o insigne matemático Francisco Gomes Teixeira (1851-1933), figura de relevo na afirmação da universidade portuense (professor e director da Academia Politécnica do Porto, viria a ser o primeiro Reitor da Universidade do Porto quando constituída como tal pelo Governo da República, em 1911).


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segunda-feira, 21 de julho de 2008

Apontamento fotográfico - 11 : Salvão [1][2]

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[1]Phlomis fruticosa, L.; interessante a simetria 5
[2]Foto tirada no Parque Biológico de Gaia, no fim de Junho p.p.

domingo, 20 de julho de 2008

Apontamento fotográfico - 10 ( O ramo)

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sábado, 19 de julho de 2008

A carta de Eça de Queirós

O prometido é devido, ainda que nesta terrinha e mesmo no diálogo tu cá tu lá existam imensas promessas mal paradas. São efeitos mais dos tempos (o milénio este milénio chegou atrasado em efeitos) que resultados daquela história da "sub-prima" de que se conhecem os efeitos mas de que se não conhecem nem a prima nem os responsáveis, mas lá que os há, há - e não devem pagar nem IRS, nem IRC, nem IVA, nem mais-valias por essa cómoda posição sub-assumida. Ainda não vi o nome dos gajos em parte alguma, tomem nota! É de mestre!

Mas vamos à carta do Eça, escrita com a habitual verve e remetida ao director da companhia das águas - companhia essa que sem mais avisos e tudo parece que sem razão, "cortou"a água ao afamado escritor:

“Ilmo. e Exmo. Senhor Pinto Coelho, digno director da Companhia das Águas de Lisboa e digno membro do Partido Legitimista.

Dois factores igualmente importantes para mim me levam a dirigir a V. Ex.ª estas humildes regras: o primeiro a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças carlistas sobre as tropas republicanas, em Espanha; o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.

Abundaram os carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Ex.ª, a responsabilidade da canalização e a do direito divino.

Se eu tiver a fortuna de exacerbar até às lágrimas a justa comoção de V. Ex.ª , que eu interponha o meu contador, Exmo. Senhor, que eu o interponha nas relações da sensibilidade de V. Ex.ª com o mundo externo! E que essas lágrimas benditas, de industrial e de político, caiam na minha banheira!

E, pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Ex.ª o permite, dos nossos contratos. Em virtude de um escrito, devidamente firmado por V. Ex.ª e por mim, temos nós – um para com o outro – certo número de direitos e encargos.

Eu obriguei-me para com V. Ex.ª a pagar a despesa de uma encanação o aluguer de um contador e o preço da água que consumisse. V. Ex.ª, pela sua parte, obrigou-se para comigo a fornecer-me a água do meu consumo. V. Ex.ª forneceria, eu pagava. Faltamos evidentemente à fé deste contrato: eu, se não pagar, V. Ex.ª, se não fornecer.

Se eu não pagar, V. Ex.ª faz isto: corta-me a canalização. Quando V. Ex.ª não fornecer, o que hei-de eu de fazer, Exmo. Senhor?

É evidente que, para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso no caso análogo àquele em que V. Ex.ª me cortaria a mim a canalização, de cortar alguma coisa a V. Ex.ª... Oh! E hei-de cortar-lha!...

Eu não peço indemnização pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água! Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos, nem prejuízos!

Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável perante o direito e a justiça distributiva: quero cortar uma coisa a V. Ex.ª !

Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas, nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu posso cortar a V. Ex.ª

Tenho a honra de ser
De V. Ex.ª
Com muita consideração e com umas tesouras

(a) Eça de Queirós”

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Museus de Lisboa abertos à noite (de Verão)

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Frontaria do MNAA, Lisboa

Há muitos anos, numa roda de amigos, debateu-se o interesse virtual de uma sociedade em que existissem "livrarias de serviço" (como existem farmácias de serviço) e, certamente, por maioria de razao, "bibliotecas de serviço". Para estas bastaria um horário mais alargado, como sucede no Centre Pompidou. Um dia poderemos chegar a ter esse regime... ou ter esta frase escrita em pacotes de açúcar. Só que hoje ainda não é o dia para isso...

Mas alguma coisa felizmente sucede.

De uma das ultimas "Folhas de Notícias" (dá-me pouco jeito escrever "Niusleter") da Loja do Cidadão vinha o seguinte anúncio, que muito me agradou. É de fixar a primeira frase, que contém o essencial:

"Museus de Lisboa abrem às Quintas-Feiras à Noite

Quatro museus de Lisboa vão estar abertos às quintas-feiras até às 23h00 durante o Verão, com diversos eventos, no âmbito de um projecto-piloto do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC).

Vem depois uma segunda frase, também muito útil, até porque indica os possíveis locais da operação e fornece o acesso por âncora (linque, dizem eles) ao site do IMC onde o programa vem detalhado (além de outros interessantes assuntos). Só que esta frase tem de ser lida habilmente, já que o "copie e cole" (cópi-peiste, dizem eles) fez das suas e colocou factos já passados, que nada têm a ver com este assunto. Aí vai:

"Entre 17 de Julho e 4 de Setembro, o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu Nacional do Azulejo, o Museu Nacional de Arqueologia e a Casa-Museu Anastácio Gonçalves vão estar abertos no Dia Internacional dos Museus (a 18 de Maio), e na Noite dos Museus (a noite de 17 para 18 de Maio), com uma programação própria que inclui exposições, visitas-guiadas, ateliers, cinema, concertos e animação.

O terceiro e quarto períodos são esclarecedores e não contém qualquer perturbação:

O projecto, designado "5.as à Noite nos Museus. Verão 2008", visa “oferecer nas noites de Verão, às quintas-feiras, de uma forma lúdica, descontraída e pedagógica outras vivências em espaços museológicos, através de actividades culturais diversificadas que visam atrair novos públicos, fidelizando os já existentes, mas também captar turistas em visita à cidade de Lisboa”, refere o IMC.

Durante os meses do Verão, o IMC oferece ainda a crianças e jovens um desconto de 50% na entrada dos museus.

Aos museus, pois!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

"Embuste" ou "embuste no embuste"? : a "fusão fria" [1]

Célula em vidro, com eléctrodos de paládio, para ensaios de "fusão fria" [2]

Neste complexo período em que a "era dos combustíveis fósseis" (e limitados) oscila ao vento dos especuladores capitalistas (sejam quais forem as cores que arvoram) e em que a "guerra da energia" assume na realidade o papel que lhe é atribuído nos jogos informáticos, é por vezes altura de relembrar acontecimentos que marcaram experiências, abriram controvérsias, criaram dramas pessoais e caíram em situações verdadeiramente conflituais e ainda não sanadas no mundo científico.

Sem se entrara na "teoria da conspiração" tão no agrado dos nossos dias e que um video-documentário em 5 episódios patente no "youtube", em
(a ver com as reservas abaixo expressas) parece concentrar no título "The war against cold-fusion" (i.e. "A guerra contra a fusão-fria") poder-se-á dizer que tão badalado e vituperado assunto, que - parafraseando Langmuir - recebeu já o epíteto de "ciência patológica", não está de forma alguma morto. E isso prova-o o artigo "Cold Fusion" apresentado na "Wiki" em
http://en.wikipedia.org/wiki/Cold_fusion [3]
com cinco páginas repletas de referência, algumas delas bastante recentes, e uma actualização feita já a 5 de Julho do corrente ano. A coisa mexe, pois...

Arriscando a consideração de "pestiferado" com que (uma parte d') o mundo científico parece atribuir aos que ousam sequer usar tão blasfemas palavras, ao ponto de os cientistas que mais recentemente sobre o fenómeno se debruçaram terem arranjado designações perifrásticas, relatarei muito sumariamente o que foi ou é isto: em 1989 dois cientistas séniores e de nomeada, professores universitários com um passado científico irrepreensível, anunciaram ao mundo, talvez cedo demais, terem feito na Universidade de Utah uma electrólise de água pesada numa célula aberta, ao ar livre, à pressão atmosférica, com eléctrodos de paládio. Nada de extraordinário nisto... salvo até informarem que a célula aqueceu demais, e bem demais, que o que seria de esperar. Voltas e mais voltas para explicar aquilo, os dois enunciaram uma teoria arrojada: ter-se-ia verificado a fusão de átomos de deutério (o isótopo do hidrogénio presente na água-pesada) como que à temperatura e ambiente de qualquer cozinha doméstica, reproduzindo na célula de vidro um processo algo similar ao das estrelas e que uma grande coorte de outros cientistas, com equipamentos pesadíssimos e complexos, em condições extremas, tentavam então e ainda tentam realizar pela chamada "fusão quente". O anúncio caiu como uma bomba: se não era ainda a descoberta da vida eterna, a porta da pedra filosofal ou o movimento perpétuo, tudo sonhos que o homem tem sempre acalentado lá muito no seu fundo de Prometeu-antes-de-agrilhoado, pelo menos era a descoberta da energia ao preço da uva mijona e adeus poços de petróleo, petroleiros, refinarias, minas de carvão, gasificações, centrais nucleares, poluições de qualquer tipo, gases de estufa, postes eléctricos de AT e BT e outras trampas que ensombram, directa ou indirectamente, a nossa vida diária. Imediatamente o anúncio de Pons e Fleischmann - tais os nomes dos dois cientistas - mostrou um enorme calcanhar de Aquiles: muitos dos ensaios efectuados apressadamente para a reprodução do fenómeno noutros (e muitos) locais do Globo não trouxeram confirmação da descoberta [4] e isso fez cair sobre aqueles dois até então reputados professores de Química uma série de acusações graves relativamente à sua própria idoneidade científica. Séculos atrás teriam sido certamente queimados em praça pública, e ninguém mais se chateava com aquilo, como esteve para suceder com Galileu e fez Copérnico esconder o que sabia para que só se divulgasse tudo depois de morto (Brahe era rico, dinamarquês e protestante e estava-se nas tintas para o fogueirame).

Outro ponto de ataque ao anúncio de Pons e Fleischmann foi a inconsistência (para muitos mas também não para todos) da interpretação proposta, relativamente aos conhecimentos então considerados firmes e adquiridos.

Desde aí o mundo dividiu-se e a polémica continua. Há quem diga ter duplicado a experiência descrita, há quem tenha enunciado novas teorias, há quem tenha registado patentes, mas há quem publicamente mantenha a tese da inviabilidade, há quem tenha abandonado cátedras e sido corrido de outras posições académicas, há quem defenda que o "pilim" está atrás disto tudo e que o possível progresso está pura e simplesmente travado e desejavelmente esquecido. Outros - os da inviabilidade - dizem que se persiste no sonho, que tudo são hipóteses míticas, que não é por aqui que se vai ao Eldorado. Finalmente há os que caem em cena com discursos políticos e religiosos que, como seria de esperar, não vêm desanuviar o ambiente (vide o caso da co-incineração, em que até juristas, autarcas, ecologistas e deputados mostram saber interpretar processos químicos e minimizam, com anunciadas razões, o parecer de uma comissão de "notáveis"... e ainda não chegamos ao segundo apito do comboio do nuclear, como veremos e ouviremos a breve trecho! [5] ). Ponto final.

Não defendo aqui nenhum ponto de vista, só por ser ponto de vista. Os conhecimentos de hoje certamente não são os conhecimentos de amanhã, as descobertas surgem de onde menos se espera (não é, Max Planck?) e tanto a apresentação como a rejeição de factos científicos e com tão elevados potenciais técnicos exigem, ambas, um grande critério e disciplina. Neste aspecto, o filme indicado parece-me ter os seus perigos. Para começar, não é novo (mas eu também continuo a gostar de ver o "Tudo o Vento Levou"); para continuar, infunde - pela sua exposição quase apologética - um sentido de acessibilidade expectante ao âmago do problema. Mas também, na outra face da moeda (quando inventarem moedas tetragonais eu quero ver como se dirá!), apresenta os muitos personagens do drama, desde a intervenção do presidente dos EUA (pai do actual, que certamente sugeriria a "fusão morna" para, entre "quente" e "fria" simplificar a questão) até aos "sim" e aos "não" a chamarem nomes (e dólares) uns aos outros.

Vale a pena estar atento ao assunto ou, pelo menos, seja ele embuste ou traga ele embuste no embuste, conhecê-lo. No filme cita-se a frase de Arthur C. Clarke: "Quando um distinto cientista sénior afirma que algo é possível, ele estará muito provavelmente certo; quando, porém, afirma que algo é impossível, ele corre o risco de poder estar errado." Ambas as afirmações estão correctas, ao abrir uma curial frincha-de-porta estatística para se poder verificar o contrário - mas uma coisa é absolutamente certa: se a experiência de Pons e Fleischmann se comprovasse, se na realidade existisse a "fusão fria", que grande volta que este mundo, em todos os seus povos e culturas, acabaria mesmo por dar. [6]

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[1] Não se confunda com o programa "ColdFusion" da Adobe (mas esta designação pode ter sido inspirada por aquela aspiração!)
[2]Foto tirada em 2005 no Centro de Sistemas SPAWAR da Marinha dos Estados Unidos, em SanDiego, Califórnia) e constante do artigo Wiki citado no texto.
[3] Em Português e pqrq demonstrar quão avisados estamos há uma pequena notícia de "fusão a frio" em
mas é também aconselhável visitar o local seguinte do Centro de Fusão da Universidade de Lisboa em que se explicam os processos de fusão em geral e as suas vantagens comuns e se dedicam as três ultimas linhas (uma e meia de facto) a um comentário algo condescendente sobre o processo da fusão fria.
Existe também uma digna firma de soldadura de tubos plásticos algures no distrito de Leiria, que até dá o número de telefone, mas não é disso que estamos a tratar.
[4] Mas outros, de início uma minoria, declararam logo ter obtido resultados similares - facto que se tem vindo a anunciar num sucessivo mas abafado "crescendo".
[5] Não obstante os "nuestros hermanos" já por aí andam há muito tempo e se houvesse algum azar naqueles "chismes" podem estar certos que teríamos por tabela todos os inconvenientes e sem quaisquer vantagens.
[6] Ou então verificar-se-á a pessimista citação brasileiro que fala em "valer dinheiro" e em "pobre nascer-sem" etc. mas que me abstenho de melhor explicitar aqui.
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quarta-feira, 16 de julho de 2008

Das estátuas - 1

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Sem palavras


Com vénia a http://cache.daylife.com/imageserve/

terça-feira, 15 de julho de 2008

Uma conclusão excelente

Conhecia já a famosa tirada, creio (mas sem certeza) que encontrada num livro de Jorge Amado, do velho anarquista espanhol corre-mundo que, chegando a um qualquer país ainda não visitado, disparava uma sistemática pergunta: " - Aqui há Governo?" para, no caso afirmativo mais provável, imediatamente disparar "- Pois então eu sou contra o Governo!".

Manuel António Pina brindou-me com uma outra conclusão excelente, no seu apontamento "Por Outras Palavras" do JN de ontem. Tendo sumariamente analisado, com a sua ironia habitual, o confronto das propostas duma oposição quando se torna governo (a que reciprocamente há que juntar o confronto das teses de um governo quando se torna oposição), fecha brilhantemente: "Pensando bem, deveria ser sempre a Oposição a formar Governo". Ou, para não ser tão radical, eu diria antes: "Deveria ser sempre a Oposição a escrever (e a defender) o programa do Governo". E olhem que, pensando bem, já houve disfarçadamente disso! Onde estará o Wally?

Ora isto ficaria por aqui, se não andassem por aí a aparecer acordes distintos duma mesma música celestial - que tem qualquer coisa a ver com o dito Wally. A primeira versão é a manifesta e sistemática recusa da política e dos políticos por parte de pseudo-apolíticos ou de políticos arrependidos a sonhar com a ribalta perdida e com afirmações que, noutras eras, marcaram o País. É o discurso de "os políticos são todos etc e tal" e de "a minha política é o trabalho", que, com passinhos de lã e umas benzeduras pelo meio conduz ao tal - e já aqui falado - "se soubesses o que custa mandar, gostarias de obedecer toda a vida" que andava em forma de cartaz e com assinatura do consagrado Autor pelas paredes de muitos liceus desta santa terrinha. A segunda versão é parecida, mas com um conteúdo mais febricitante: "há que dar lugar aos outros, aos que ainda não foram eleitos para um qualquer Governo". Para começar, não é rigorosamente verdade (ainda que alguns não tenham sido eleitos); para continuar, vem o argumento-chave do meu amigo Manel, que ao caso se aplica: "Se os gajos, de um lado ou de outro, são tão maus e a malta, ao fim de tantas bolas ao cesto, continua a votar neles e não em "vózes", então é porque continua a ver-vos como ainda piores que eles." Coisas da democracia...
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segunda-feira, 14 de julho de 2008

Edward Luttwak e... uma previsão feita em 1968

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Tudo começou em meados da década de 60 na Maspero, em Paris, local onde se encontravam frequentemente portugueses para comprar lá o que não podiam comprar cá. Usava-se muito o truque velho de juntar um livro de tese com um "polar" baratucho e com a capa mais pirosa possível para, depois, no secretismo do quarto do hotel, fazer a devida transferência de rostos. A normalização dos tamanhos dos livros ajudava e quando se tratava dos "poche" a coisa ainda era mais fácil, mas mesmo assim havia que ter algum cuidado. Saltou-me então à vista um livro de dimensões modestas com a obra do Curzio Malaparte, "Technique du Coup d'État", escrita em 1931, e lá a trouxe comigo - mesmo sem troca de capas, mas misturada nos papeis que eram muitos...

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Muito tempo depois, há escassos anos, tive de escolher um tema para um trabalho de "seminário". Atendendo ao sopro do momento e à notícia de mais um golpe de estado em África, lembrei-me de recuperar o livro antigo, procurar um estudo que quase linha a linha tinha escabulhado sobre o escrito clássico de Marx "O 18 de Brumário de Luís Napoleão" (1852) e juntar mais alguns textos actuais sobre o fenómeno político-social do "golpe de estado". Não tive grande sucesso nessa minha tarefa, a avaliar pela modesta nota recebida - e isso em parte porque certas áreas de estudo, quando particularmente desagradáveis, são tratadas com pinças e remetidas, como privativas, para outros campos científicos onde também acabam por não ser tratadas - e assim se vai vivendo, da mesma maneira que a sociedade de hoje esconde ciosamente as doenças e expulsa a palavra "cancro". Mas a verdade é que aprendi algo e foi por aí, pelos "bas-fond" de tal estudo desagradável, que conheci (ou seja, li) Edward Luttwak.

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Quem é Edward Luttwak? Uma visita ao artigo sobre este Autor na Wiki chama imediata atenção para a controvérsia que o rodeia e que parece cultivar, ao ponto de recentemente a ter reaceso com comentários ao candidato Obama (cf. http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Luttwak). Nascido em 1942 na Roménia e tendo passado por Itália e Inglaterra, Luttwak é definido sumariamente como um tratadista norte-americano sobre estrategia e história militar, que publicou diversos trabalhos sobre essas especialidades e sobre relações internacionais - e que, numa certa extensão, se terá ele próprio envolvido nos temas e neles assumido posições não geralmente aceites. Ora em 1968 Luttwak interessou-se pelo fenómeno político-militar do golpe de estado e decidiu não o abordar sob o ponto de vista de um simples estudo de quadros históricos - que é, afinal, o que se encontra em Malaparte - mas sim desenvolvê-lo como receituário prático para a respectiva execução, certamente que apoiando-se ao longo do texto em casos concretos e em casos previsionais, mas sempre pragmaticamente enunciados. A primeira edição da sua obra, em 1968, teve efectivo sucesso, ao ponto de a Fawcett Books a publicar em "soft cover" em 1969, com o título "chocante" de "Coup d'Etat - A Practical Handbook - A Brilliant Guide to Taking Over a Nation". E também ao ponto da Harvard University Press a reeditar em 1979, dez anos depois mantendo a frescura da rainha-má da Branca de Neve, com o título menos bombástico mas ainda pragmático de "Coup d'État - A Practical Handbook". É muito interessante o prefácio que o Autor escreveu para esta 2ª edição, referindo e justificando (com vestígios de mea-culpa que ele certamente recusaria admitir) as razões que o levaram a escrever tal obra. Foi esta a edição, a de 1979, uma das "referências bibliográficas" que me vieram parar às mãos, para analisar, respigar no essencial e devidamente citar no meu trabalho.

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Nada passaria, pois, de mais uma referência bibliográfica e do maior ou menor desenvolvimento a ela conferido se o livro de Luttwak não me tivesse deixado um bichinho a zunir na orelha: de facto, curiosamente, Luttwak escolhe Portugal para concretizar algumas das suas afirmações augurantes sobre o fenómeno, como caso exemplar de um país em que se reuniam condições para que nele pudesse suceder. Repare-se que eu estava a lidar com uma edição de 1979 de um texto escrito em 1968, pelo que haveria que ter a certeza de que se não tratava de "um totobola feito à segunda-feira" e oportunamente acrescentado entre as duas edições. Falarei dessa certificação mais adiante, mas veja-se para já o que o Autor vai dizendo sobre Portugal como "case-study" ao longo do texto. Reporto-me, quanto a páginas e por facilidade de digitalização (que mesmo assim não está brilhante), à edição de 1979.

A primeira observação, a pag. 44, insere-se no capítulo 2 da obra e é uma pequena referência, partilhada com a Espanha e, por outras razões, com o Vietnam do Sul e a Alemanha Oriental, que necessariamente demonstra, pelo concreto, que qualquer movimento eficaz tenha de decorrer na proximidade da sede do poder e nunca numa área deste afastada ou politicamente dependente:


Este critério leva o Autor a excluir as colónias portuguesas, espanholas e outras das áreas em que poderia ser provável um golpe local (pag. 45) - no que as alinha com os países de Leste (com algumas reservas premonitórias para a Polónia) e outros casos. Porém, mais adiante, já no capítulo 3, o "caso português" é amplamente desenvolvido, expondo-se mesmo a "situação das Forças Armadas Portuguesas em 1967" nos termos que seguem e que são desenvolvidos em três páginas (p. 68 a 70):

p.68:
p.69:
p.70:
Finalmente, a pag. 88 e 89, o Autor procura demonstrar como, dadas as situações prevalentes, o "caso estudado" - ou seja, nós em 1967 - poderia conter a possibilidade de uma operação factível - facto que contrapõe à situação contrária num outro país europeu (a Alemanha Ocidental):

p. 88
p.89
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Como já referi, chegado a este ponto, constatando a tradução em factos históricos da diagnose de Luttwak - e muito embora a redacção do texto de 1979 sugerisse a manutenção de um texto anterior, até pela denominação de alguns países [1] -- haveria que ter a tal imprescindível certeza de que se não estava perante um "totobola preenchido na 2ªfeira". Para isso procurei obter um exemplar da primeira edição da obra de Luttwak, para a confrontar com o que tinha lido. Vinda de um livreiro perdido nos confins da Florida, a edição "paper-back" da Fawcett, com o número de Catálogo da Biblioteca do Congresso 69-14737, mantendo o texto da primeira edição de capa-dura de 1968 (mas, de qualquer forma, ambas anteriores a 1974) chegou há escassos dias. Procurei de imediato confrontar os textos, confirmando que tudo o que acima é referido às pags 44 e 45, 68 a 70 e 88 e 89 da edição de 1979 estava já expresso nos mesmos precisos termos nas pags. 32 e 33, 60 a 62 (apenas itemizando por alíneas a,b,c as forças do Exército) e 83 e 84 da edição Fawcett de 1969, respectivamente. Demonstra-se pois que as análises de Luttwak, elegendo Portugal como o mais desenvolvido "caso de estudo" da sua obra, foram mesmo efectuadas em 1968. Registo o facto.

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Escolhi propositadamente o 14 de Julho para publicar este texto. De forma rigorosamente objectiva, limitei o exame da obra citada de Luttwak à indicação e apresentação, sem comentários, das referências concretas nela produzidas em 1968-1969 sobre Portugal. Lamento que, por dificuldades técnicas, as digitalizações apresentem má qualidade e heterogeneidade, mormente no caso de "página inteira" - mas espero que se mostrem legíveis ao duplo-clicar à esquerda sobre a imagem para ampliação.

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[1] Como por exemplo "Alemanha Oriental", "Alemanha Ocidental", "Mongólia Exterior"

[2] Tradução tentativa dos textos apresentados como imagens:

p.44. (cap. 3 When is a Coup d’Etat Possible?)

As poucas colónias que restam, principalmente espanholas ou portuguesas, estão, obviamente, numa posição de dependência total. Aí também, como no Vietnam do Sul e na Alemanha Oriental, nenhum golpe [de Estado] poderá ter sucesso “in situ”, mas terá de ser conduzido em Lisboa ou em Madrid.

p.45

A aplicação destes critérios exclui muitos locais que, de outra forma, seriam potenciais alvos: (a) as colónias espanholas, portuguesas e outras; (b) a Alemanha Oriental, Hungria, Mongólia Exterior e, talvez, Polónia; (c) …

p.68. (cap. 3 The Strategy of the Coup d’État)

Quando tivermos definida a verdadeira dimensão operacional das várias formações [militares] do país em análise, poderemos passar à próxima fase, identificando quais as formações que têm capacidade para intervir – a favor ou contra o golpe. Seguiremos dois critérios principais: a natureza da unidade considerada e a localização dessa mesma unidade. Estes [critérios] são usados para o estudo do caso das forças armadas portuguesas.

As Forças Armadas Portuguesas: Situação em 1967

O presente regime em Portugal pode razoavelmente descrever-se como uma associação entre as classe dos grandes agrários, os interesses industriais e comerciais recém emergentes e a classe média burocrática (de onde provém os funcionários públicos e o nível do oficialato das forças armadas). Como em Espanha, a força aérea e a marinha contém elementos que são tradicionalmente menos conservadores que os oficiais do exército; como em Espanha, estes ramos mantém-se “emagrecidos” em efectivos e em recursos.

EXÉRCITO: Conta com um efectivo total de cerca de 120.000 homens (excluindo pessoal administrativo), com a seguinte distribuição:

(a) Uma divisão de infantaria, com alguns tanques médios, que é parcialmente usada como unidade de treino e que está por metade da sua capacidade teórica. Do número total de homens desta unidade, só 2000 têm qualquer transporte, fora o pequeno número equipado com blindados. Em qualquer momento, muitos dos militares terão sido recentemente incorporados, com treino e disciplina reduzidos.

Localização: centro de Portugal

(b) Uma divisão de infantaria: esta unidade está muito abaixo da sua força, com talvez 3000 homens com algum grau de preparação. É suficiente o transporte para talvez metade destes efectivos.

Localização: norte de Portugal

(c) Restante exército: o maior número de efectivos, cerca de 100 000, com o maior nível de preparação e o melhor equipamento, está distribuído pelos territórios africanos: Angola, Moçambique e Guiné.

MARINHA: Embora os portugueses tenham uma grande tradição naval e embora as “províncias” ultramarinas pudessem justificar uma maior marinha (que o programa de assistência militar dos Estados Unidos poderia ter parcialmente pago), foi mantida relativamente fraca pelas razões acima referidas: um destroier, catorze navios de combate mais pequenos, três submarinos e trinta e seis navios de outras classes. De maior interesse para nós: doze navios de apoio, quatro unidades de desembarque e meio batalhão de fuzileiros. Dada a distância das províncias africanas, mesmo que a marinha fosse particularmente leal ao regime, não poderia rapidamente trazer daí muitas tropas. Os fuzileiros costumam estar em águas distantes e, em qualquer caso, o seu número é pouco significativo.

FORÇA AÉREA: cerca de 14 000 homens. Está equipada com um conjunto de equipamento americano velho e italiano. Os seus 3 000 paraquedistas estão estacionados nas províncias africanas, enquanto a frota de transporte apenas seria capaz de trazer para Portugal cerca de 1 000 homens em cada 24 horas.

No caso português, portanto, embora com 150 000 homens nas forças armadas, apenas uma pequena fracção deste total se mostrará relevante em caso de um golpe. A sua maior parte estará impedida de fisicamente intervir na área de Lisboa devido à sua localização e à falta de adequado equipamento de transporte. Outros intervirão apenas de forma ineficaz, devido a preparação e a equipamento insuficientes. Assim, de todas as forças armadas, só três ou quatro batalhões (talvez 3 000 homens) teriam uma efectiva capacidade de intervenção. A pequena dimensão desta força reduz a capacidade de o golpe ser derrotado, mas também limita a potencial área de recrutamento.

Se a Força Aérea e a Marinha trouxessem para Portugal algumas das tropas estacionadas em África, nós [i.e. os autores do golpe] já seremos governo ao tempo da sua chegada e essas forças estarão, pois, sob as nossas ordens. Se então falhássemos em impor-lhes a nossa autoridade, então o golpe já teria falhado e a chegada destas não iria alterar a situação. A menos que, nesse caso, tivéssemos subvertido as tropas em África, o que representaria uma prática bem mais complicada de conduzir as coisas.

Esta análise demonstra o principal critério para definir as forças relevantes para um golpe, sejam militares ou não:

As forças relevantes para um golpe são as que, por razões de localização ou de equipamento, podem intervir no local da acção (geralmente na cidade capital) dentro do período de tempo de 12 a 24 horas que precede o estabelecimento do seu controle spbre a máquina governamental.

p.88

O grau de sucesso necessário para o nosso programa de infiltração, antes de podermos proceder à fase operacional, depende dos factores militares, políticos e geográficos envolvidos; o mesmo grau de penetração pode mostrar-se bem sucedido num dado país e ser inadequado noutro. No nosso exemplo português, dada a grande distribuição de tropas activas nas remotas “províncias” africanas e a falta de preparação e de mecanoização das tropas situadas em Portugal, bastaria uma penetração mínima para prosseguir (ver Quadro 8):

QUADRO 8.

Infiltração das Forças Armadas em Portugal (conceptual)

Total das Forças Armadas (Exército, Marinha e Força Aérea) 150 000

Intervenientes como participantes activos: 3 000

Neutralizados pela subversão de técnicos “chave” 12 000

Neutralizados por treino e equipamento impróprios 45 000

Neutralizados por localização

Angola 45 000

Moçambique 25 000

Guiné Portuguesa 20 000

Total 150 000

Isto é o exemplo extremo de como um país pequeno e pobre tenta manter o seu império africano a todo o custo e por isso deixa apenas uma pequena força no seu próprio território. O grau de incorporação aqui contado é de apenas dois por cento e, mesmo assim, o golpe não encontrará qualquer oposição militar no seu caminho, a menos que falhe na imposição da sua autoridade no período de tempo necessário para trazer a Lisboa tropas estacionadas nas províncias africanas ( O facto de o actual regime estar longe de ter um apoio popular generalizado reforça os factos militares favoráveis).

Se, contudo, considerássemos o caso de um país desenvolvido, com boas redes de transporte e sem compromissos ultramarinos para as suas tropas, as mesmas percentagens de incorporação e de neutralização activa que garantiriam sucesso no caso português levariam a um insucesso certo, como mostra o quadro 9 [relativo à entãoAlemanha Ocidental].

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domingo, 13 de julho de 2008

A SN1987A

Ela é aquele pontinho lá no meio, quasi-estrela ou coisa assim.
Se se ampliar mais vê-se a estrutura anular à volta do que resta.
(Foto auto-identificada)

O CH (Canal História) insiste no que foi descoberto em 23 de Fevereiro de 1987 mas que na realidade se passou há 160 000 anos-luz e que no entanto é dado com tão escandalosamente próximo. De cambulhada, soltos pela tão estudada super-nova, vieram por aí abaixo (ou por aí acima, já que estes conceitos estão ausentes no espaço) alguns neutrinos manifestar-se na profundidade mineira dos tanques de água que tranquilamente os esperavam, não fossem eles atravessar o planeta e rasparem-se mais para diante, como parece ser fado de neutrino. Formaram-se mais átomos pesados, para felicidade do Universo. A coisa passou-se na Nuvem de Magalhães e, porque esta é privativa dos céus do hemisfério Sul, podemos - pelo menos - dizer que não é nada connosco, nós os bóreos e hiperbóreos, já que nos foi poupado o testemunho do drama (o que, em termos cósmicos, é hipocrisia pura). Mas o que se terá perdido por ali? Que mundos, que culturas, que "gentes" ou "vidas" desapareceram por aquelas bandas? Quantos privilegiados teriam podido fugir, em impensáveis sistemas de transportação, enquanto outros, menos privilegiados, teriam mesmo morrido antes, durante o estertor da estrela, sem poderem adivinhar a destruição do pouco que restava das suas culturas e memórias? Celebro não a SN1987A mas sim o que a precedeu e que, compartilhando as fotos da página da necrologia do Jornal de Notícias, representa o "no more" à escala galáctica. O Universo é desapiedado (outro conceito intradutível no espaço). Sinto vontade de, pensando nisso, olhar para a SN1987A como Voltaire olhou não Lisboa, mas o terramoto.
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sábado, 12 de julho de 2008

Uma prosa quase fantástica de um poeta que hoje faria 104 anos: Pablo Neruda [1]

"Um inventor de estrelas

Um homem dormia no quarto de um hotel em Paris. Como era noctívago convicto, não se admirem se lhes disser que era meio-dia e que o homem continuava a dormir.

Teve de acordar. A parede da esquerda caiu subitamente, demolida. Depois ruiu a da frente. Não se tratava de um bombardeamento. Pelas aberturas das ruínas entraram operários de grandes bigodes, com a picareta na mão, que apostrofavam o dorminhoco :

- Eh, lève-toi, bourgeois! Bebe um copo connosco!

Abriu-se o champanhe. Entrou um edil, com a fita tricolor ao peito. Soou uma fanfarra com os acordes d'A Marselhesa. Qual o motivo de factos tão estranhos? Acontecia que no subsolo do quarto daquele sonhador, precisamente, se situava o ponto de ligação de dois tramos do metro de Paris, naquela época em construção.

Desde o momento em que o protagonista da aventura me contou esta história, decidi ser seu amigo, ou, antes, seu adepto, ou seu discípulo. Como lhe aconteciam coisas tão estranhas e eu não queria perder nenhuma delas, segui-o através de vários países. Federico García Lorca tomou uma atitude semelhante à minha, cativado pela fantasia daquele fenómeno.

Federico e eu estávamos sentados na cervejaria dos Correios, ao lado da Cibeles madrilena, quando o dorminhoco de Paris irrompeu na reunião. Embora pomposo e rotundo na aparência, apareceu­-nos descontrolado. Sucedera-lhe, mais uma vez, o inenarrável. Estava então instalado num modestíssimo esconderijo de Madrid e quis pôr em ordem os seus papéis musicais. Porque me esqueci de dizer que o nosso protagonista era um compositor mágico. E que aconteceu?

- Um carro parou à porta do meu hotel. Ouvi alguém subir as escadas, escutei atento os passos no quarto contíguo ao meu. Logo em seguida, o novo hóspede começou a roncar. A princípio era um sussurro. Depois fez estremecer o ambiente. Os armários, as paredes, moviam-se sob o impulso rítmico do grande ressonador.

Tratava-se, sem dúvida, de um animal selvagem. Quando os roncos se desataram numa imensa catarata, o nosso amigo já não teve qualquer dúvida: era o Javali Cornúpeto. Em outros países, o seu estrondo tinha abalado basílicas, obstruído estradas, enfurecido o mar. Que ia acontecer com este perigo planetário, com este monstro abominável que ameaça a paz da Europa?

Todos os dias ele contava novas peripécias espantosas do Javali Cornúpeto, a Federico, a mim, a Rafael Alberti, ao escultor Alberto, a Fulgencio Díaz Pastor, a Miguel Hernández. Todos o recebíamos ansiosos e nos despedíamos dele, anelantes.

Até que um dia chegou com o seu antigo riso globular. E disse:

- O pavoroso problema foi resolvido. O Graaf Zeppelin alemão aceitou transportar o Javali Cornúpeto. Vai deixá-lo cair na selva brasileira. As grandes árvores o alimentarão. Não há o perigo de beber o Amazonas de uma só vez: de lá continuará a atroar a Terra com os seus roncos terríveis.

Federico ouvia-o a estalar de riso, com os olhos cerrados pela emoção do cómico. Então o nosso amigo contou-nos um caso: quando quis mandar um telegrama, o telegrafista convenceu-o a nunca mais mandar telegramas, mas só cartas, porque as pessoas se assustam muito ao receber aquelas mensagens aladas e até havia quem morresse de enfarto antes de as abrir. Referiu-nos que, de outra vez em que assistiu, como curioso, a um leilão de cavalos puro sangue em Londres e levantou a mão para cumprimentar um amigo, o leiloeiro lhe adjudicou por dez mil libras uma égua que o Aga Cão tinha puxado até nove mil e quinhentas.

-Tive de levar a égua comigo para o hotel e devolvê-la no dia seguinte - concluía.

Agora, o efabulador já não pode contar a história do Javali Cornúpeto, nem nenhuma outra. Morreu aqui, no Chile. Este chileno orbital, músico escancarado, esbanjador de histórias inigualáveis, chamou-se em vida Acario Cotapos. Coube-me falar no funeral deste homem insepultável. Disse apenas: «Entregamos hoje às sombras um ser resplandecente que todos os dias nos ­oferecia uma estrela.»" [2]

Pablo Neruda
in "Confesso que Vivi - Memórias", 2ª ed.,
trad. de Arsénio Mota
Ed. Europa América, Lisboa, 1979,
pp.267 e 268

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[1] Pseudónimo literário e, mais tarde, nome legalmente adoptado por Neftali Ricardo Reyes Basoalto, poeta, escritor e político, vulto singular do Chile e da Humanidade, Prémio Nobel da Literatura em 1971 (1904-1973), recordado aqui no 104º aniversário do seu nascimento com um simples e pequeno texto em prosa, como tantos que gostava de escrever.
[2] Sobre o também notável vulto da cultura chilena que foi Acario Cotapos, merecedor da memória de Neruda acima transcrita, ver o artigo que lhe é dedicado em http://www.memoriachilena.cl/temas/index.asp?id_ut=acariocotapos(1889-1969). Muito, mesmo,se aprende na "net"!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Maria Callas (1923-1977) : a Exposição de Lisboa

Exposição inaugurada hoje, no cinquentenário da interpretação da "Traviata" em Lisboa (1958 - 2008), e
patente na Central Tejo / Museu da Electricidade, Lisboa, até 21 de Setembro p.f.


quinta-feira, 10 de julho de 2008

A zona ribeirinha do Tejo da Península de Setúbal, na descrição de Link; a "mina de azougue" de Coina

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Recorte da zona Tejo-Sado e da península de Setúbal
na "Charte von Portugal" anexa a LINK, op.cit.

Já aqui se falou do naturalista alemão Heirich Friedrich Link e da sua viagem a Portugal de 1797 a 1799 (que, por razões adversas à vontade do personagem, se traduziu por uma permanência em Portugal entre 1798 e 1799)e das "Notas de Uma Viagem a Portugal Através de França e Espanha", obra esta que obteve elevado sucesso (a avaliar pelo número de traduções em diversas línguas e pela bibliografia sobre ela vertida) e que finalmente, em boa hora, acabou por ser traduzida em Português, com tradução, introdução e notas de Fernando Clara, e publicada em Lisboa pela Biblioteca Nacional na colecção Textos e no ano de 2005.

De quem foi Link e porque veio cá fala brevemente a contracapa dessa obra, nos termos que seguidamente se reproduzem - só faltando dizer que o Conde de Hoffmansegg, patrocinador dessa viagem (que já havia anteriormente tentado com outro naturalista) se inspirara no "alarme" de Lineu ao dizer, em mais ou menos isso, que as descrições da flora europeias não tinham ainda colmatado um "buraco negro" e que era precisamente a flora portuguesa. Dentro do espírito naturalista dos fins do sec XVIII esse alarme era, em si, um desafio apetitoso.

Pois a tal contra-capa diz o que, com a devida vénia, seguidamente se transcreve:

"0 autor do relato de viagem que aqui pela primeira vez se apresenta em tradução portuguesa nasceu a 2 de Fevereiro de 1767 em Poggenhagen. Hildesheim. Em 1792 é chamado para a Universidade de Rostock na qualidade de professor de Zoologia. Botânica e Química, onde ficará até 1811; em 1797 obtém do duque-reinante de Mecklenburg uma licença de dois anos para acompanhar o conde de Hoffmansegg a Portugal numa viagem que tinha por objectivo o estudo sistemático da flora portuguesa. o relato dela resultante constitui um texto decisivo, num período decisivo, seja para Portugal, seja mais genericamente para a Europa que mais atentamente seguia as movimentações políticas e militares das potências da época. A prová-lo está a tradução dos dois primeiros volumes para inglês, publicados no mesmo ano em que saiu o original alemão, 1801.Por outro lado, mesmo adoptando uma perspectiva mais limitada espacial e culturalmente, i.e. mesmo quando a leitura a que esta obra é submetida parece mais empenhada em ajuízar do seu valor ou interesse enquanto fonte da historiografia portuguesa, o texto adquire ainda e também uma importância considerável, nomeadamente quando visto na conjunto da literatura (de viagens) europeia que de alguma forma se dedica ou tem por objecto o Portugal da segunda metade do século XVIII."

Conhecido brevemente Link e a motivação da sua obra, resta dizer - como aqui também já se sugeriu - que este fez uma visita "à alemã", ou seja, no espírito sistemático e exaustivamente prosseguido que Eça reconhece e caricaturiza no famoso Topsius de "A Relíquia", juntando-lhe também o tempero da objectividade. Não só percorreu o país de lés a lés, como não fugiu a serras, montes, descampados, povoações grandes e pequenas, hospedarias de boa, má ou péssima qualidade, desaguisados com autoridades e burocratas (já os havia, pois) numa visão geralmente simpática e compreensiva para connosco, ao invés de outros viajantes da mesma ou de seguintes épocas que nos desancavam a bom fartar no que tínhamos de mau e se esqueciam do que pudéssemos ter de "menos mau". Tal desvelo, no que toca a apreciação de aspectos militares, já lhe valeu a suspeição de muito possível espionagem.

Não se vai arrastar por muito mais tempo a análise de referências específicas de Link. Por razões meramente pessoais (nada faccioso sou!) voltei-me especialmente para as referências, aliás elogiosas, ao Porto, Vila Nova e Gaia (separando correctamente as duas povoações) e igualmente para os aspectos descritivos que se ligam à Península de Setúbal. São estes últimos os que referirei, e apenas em parte: Link refere-se à zona ribeirinha do Tejo no capítulo XXI ("Arredores de Lisboa, Queluz, a Residência Real"), pp.143 e 144 da edição portuguesa, e à zona sul da Península, com um certo desenvolvimento, no capítulo XXIII ("Viagem a Setúbal, Alcácer do Sal e Grândola. Descrição da Serra da Arrábida. Setúbal"), pp.153 a 161, ambos do designado "Volume I" da sua obra original - fixando-me eu apenas na primeira descrição. Existem outras referências pontuais de interesse, que serão apontadas pela utilidade que possam ter para a descrição que se pretende - e um dos tais "desconfortos" com autoridades locais, verificado em Sesimbra, é descrito na parte final do capítulo X do "Volume 2" ("Da Serra da Estrela a Lisboa. A Justiça Portuguesa"), a pp. 247 e 248.

O que nos diz, pois, Link sobre a frente ribeirinha sul do Tejo [destacando-se intencionalmente a negrita uma parte da descrição, que assim não está no original]?

"Do lado sul do rio [Tejo, obviamente], apesar da região arenosa, das contínuas charnecas e dos pinhais, as terras sucedem-se umas às outras. Ficam especialmente à volta das baías que o rio forma e vivem do comércio com Lisboa. Em redor destas terras são também cultivadas muitas hortaliças e às vezes um vinho muito bom que, nas regiões arenosas dos países quentes, tem muito êxito se for cultivado atenta e cuidadosamente. Pena é que à maioria destas terras só se possa chegar com a maré-cheia e que com a maré baixa se forme uma quantidade de pântanos que corrompem o ar, particularmente no Verão. Barroco de Alva é conhecido pela sua localização insalubre, Coina é outra das terras muito insalubres. Na baía mais a leste fica a povoação Aldeia Galega, de que já acima falei, numa enseada próxima, não muito longe daquela, está a vila da Moita, pela qual passa o caminho para Setúbal. Esta última não é tão densamente povoada como a primeira, mas apesar de tudo é considerável. Depois seguem-se ao longo da margem do rio a bonita vila de Alhos Vedros, do Lavradio, famosa pelo bom vinho, e o Barreiro. Aqui começa a segunda baía que se estende até à vila de Coina, por onde passa o caminho para Azeitão. Perto desta terra encontrou-se mercúrio na areia, que alterna aqui com camadas de argila ferruginosa e por isso começou a abrir-se uma mina, tenciona-se aliás prosseguir com estas experiências de exploração mineira. Acredita-se, e não é de todo inverosímil, que estas jazidas estejam ligadas à vizinha serra da Arrábida, uma montanha calcária muito alta. Em seguida surge a última baía, a mais pequena de todas, perto da vila do Seixal. A estrada para Sesimbra, uma cidade que envia muito peixe para Lisboa, passa por esta terra. Precisamente neste canto, onde o rio se estreita, fica a povoação de Cacilhas, o habitual cais de desembarque quando saindo de Lisboa se quer atravessar o rio, porque se pode chegar aí a qualquer hora sem que seja preciso esperar pela maré alta. A povoação de Mutela e a vila de Almada estão apenas a um quarto de hora de Cacilhas. Assim se tem portanto, numa distância de cinco léguas, aproximadamente quatro milhas alemãs, nada menos do que dez povoações consideráveis, densamente povoadas e muito populosas, sem contar com as numerosas aldeias e aldeolas. Por aqui se pode ter uma ideia da vida e animação das margens deste belo rio.
Junto à margem, logo abaixo de Almada, encontra-se um grande hospital inglês para a marinhagem, especialmente para os marinheiros da frota, e um considerável armazém de vinhos. A margem continua ainda alta e cheia de colinas até à desembocadura do rio, as povoações ficam nos intervalos destas colinas. Uma torre, chamada a torre velha, guarnecida ainda por algumas peças e soldados, é o equivalente da torre de Belém, que está em frente. Uma aldeia, Porto Brandão, cais de desembarque quando se atravessa o rio a partir de Belém, encontra-se num outro intervalo, as casas prolongam-se uma légua pela terra dentro até à Caparica, onde também se cultiva um bom vinho. Mesmo junto à foz do rio encontra-se a Trafaria, grande aldeia de pescadores, e quando se contorna o cimo da colina chega-se a uma outra aldeia chamada Costa. É constituída apenas por pequenas casas que têm o aspecto de barracas de madeira e estão dispersas pelas areias da margem. Os habitantes são conhecidos como pescadores audazes e meio-selvagens que nas suas barcas se aventuram pelo mar adentro, sendo em Lisboa habitualmente considerados a escória da nação. Não me posso queixar deles, embora nas minhas excursões botânicas me parecesse notar ali menos cortesia e educação do que noutros sítios. Do cabo em direcção ao mar estende-se um banco de areia, na maré alta coberto pela água, até uma alta torre fortificada que, juntamente com a fortaleza em frente, deveria cobrir a entrada no porto. Chama-se na realidade forte de S. Lourenço mas é habitualmente designado por torre do Bugio e serve para a guarda dos presos antes de estes serem levados para a índia ou para Angola.
Barcos postais partem diariamente para a Aldeia Galega, Moita, Coina, Cacilhas e Porto Brandão, nos quais se pode fazer a travessia por uma bagatela. A travessia do rio é aliás muito perigosa quando há ventos fortes pois a corrente é muito impetuosa e a incúria dos barqueiros extraordinariamente grande. As desgraças não são de modo nenhum raras. Em Novembro de 1798, numa manhã de tempestade, uma barca de Santarém com 40 pessoas a bordo foi embater nas amarras de um navio, voltou-se e de toda aquela gente só se salvaram quatro pessoas. Apenas os grandes desastres são conhecidos do público, os mais pequenos não se repara neles porque a vida de um português é um pormenor insignificante.
A margem norte do rio ... "

A descrição é interessante. Quanto a Coina nota-se que Link se não referiu à Real Fábrica de Vidro, certamente já transferida [1] (mas, noutro ponto da sua obra refere-se à Marinha Grande e aos Stephens) - e marcou-se a negrita a parte dedicada à decantada "minha de azougue", i.e. de mercúrio, de que eu já vi planos algures. Sendo verdade que as areias de Coina eram excelentes para fazer vidro [2] e que dessa actividade ainda há restos na toponímia local ("Quinta dos Vidros", "Quinta da Areia", ainda me recordando que, quando cheguei ao Barreiro, i.e. 1961, ainda se podiam recolher em Coina fragmentos de massa vítrea), as referências à "mina de azougue" (e bem assim alguns arranjos no solo que me referiram existir próximo da zona de Coina, como se fossem tentativas grosseiras de prospecção, até eventualmente de areias - mas que eu só ouvi referir e nunca investiguei) mereceriam um mais profundo estudo. É que, numa primeira apreciação geológica, parece-me pouco viável que existisse mercúrio (ou minerais portadores de mercúrio) em Coina! De onde pois vem o assunto? Quem "lançou" a mina? Como esta acabou? Outras tantas questões que seria muito interessante investigar e... tentar responder!!! Fica a sugestão.
Dir-se-á ainda que a mina de mercúrio de Coina interessou vivamente Link. Volta a referir-se a ela na pag.234 da tradução portuguesa, no cap. IX ("Viagem à serra da Estrela. Descrição desta serra") ao escrever:

"Em vez da feira [de Viseu], menciona-se normalmente nos livros estatísticos as minas de estanho de Viseu. Ficámos aqui para examinar este interessante assunto. O Corregedor disse-nos que nada iríamos encontrar e que no entanto ouvira que outrora tinha havido umas minas. Por fim conseguimos um guia que nos levasse às minas abandonadas, mas vimos apenas que tinham sondado à procura de água. Ele indagou então junto de muitas pessoas idosas uma das quais nos levou a um sítio chamado Buraco de estanho. Mas aqui também não vimos quaisquer vestígios de estanho, Andamos por ali todo o dia em vão. O planalto compõe-se de granito que de facto tinha vestígios de minério, mas só de pirite arsénica. Tenho aqui, a propósito, de observar que em Portugal não é explorada absolutamente nenhuma mina, com a excepção da prospecção de mercúrio perto de Coina e da extracção de carvão mineral perto da Figueira, que no entanto nem sequer podem ser consideradas minas. É severamente proibido procurar minérios, também tivemos para isso uma autorização especial nos nossos passaportes, porque senão não poderíamos ter procurado minerais. Quero por isso sinceramente aconselhar todos os negociantes de minerais a não vir para Portugal, porque senão poderiam cair nas mãos da justiça portuguesa, com a qual adiante se travará conhecimento."
[Destaque a negrita intencionalmente adicionado].
e, mais adiante, num "Segundo Apêndice" a pag. 297:

"Disse que não existiam minas em Portugal, com excepção daquela que se começou a construir em Coina, para extracção de mercúrio. Entretanto está também agora em actividade uma exploração de ferro em Mós, na província de Trás-os-Montes. [3] Esta província é rica em minério. Vi quantidades consideráveis de galena de Mogadouro e o minério de ferro encontra-se em muitos locais. O director das minas é um biscainho e parece ter uma cabeça brilhante. Além disso trabalha o ferro à maneira biscainha. Como não estive no local, não posso dizer mais que isto de acordo com cartas de Portugal."
[Novo destaque adicionado]

No restante, a obra de Link, relativamente à região considerada, refere ainda uma segunda passagem pela Moita (pp.249) e, dentro da temática dos recursos minerais, menciona o carvão mineral procurado no Calhariz (p.155), encontrado nos cumes perto de Sesimbra (p.155) e também no Cabo Espichel (pp. 156 e 193), que se dá como semelhante ao existente entre Buarcos e Figueira [i.e. na área Cabo Mondego], pp.193.
De toda esta descrição fica "pendente" a questão da "mina de mercúrio de Coina". Quem a agarra?

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[1] Quanto à Real Fábrica de Vidro de Coina, existe a excelente obra de Jorge Custódio, editada pela Câmara Municipal do Barreiro e que pode ser adquirida nas Reservas Museológicas dessa Câmara. Muito se aconselha. Aliás neste blogue fez-se já referência a essa obra e ao "descalabro da Real Fábrica de Coina", em 11 postagens sucessivas colocadas em Junho de 2006.
[2] Outra matéria prima natural para a produção de vidro era a "barrilha", planta portadora de alcalis que se desenvolve na orla marítima, onde cresce bravia. Link admira-se com o facto de não ser cultivada em Portugal, em contraste com o que sucedia em Espabha (pag.158).
[3] Muito provavelmente Mós, actual freguesia de Torre de Moncorvo.

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Outros apontamentos e destaques anotados da referida obra de Link segundo os interesses actuais do bloguista e guardados "pro-memoria" e oportuna curiosidade deste (páginas da ed. portuguesa, op. cit., além dos já abordados supra: p.79: confronto, apud Link, de portugueses e espanhois e razões duma preferência; p.95: Pegões e Vendas Novas, ambas fundadas quando da vinda de Filipe II (de Espanha I de Portugal) a Lisboa; a peregrinação anual dos negros de Lisboa à Senhora da Atalaia (Aldeia Galega i.e. Montijo actual; p.103: a razão do nome da rua de Buenos Aires, em Lisboa; p.111: ocorrências de basalto em P., relação hipotética com a sismologia, relação hipotética das fontes quentes com uma "combustão subterrânea oculta"; p.116/117: relação suposta dos tremores de terra com as estações do ano e a situação atmosférica; p.119: os peixes "alimento do homem do povo e petisco dos nobres"; p.120: crítica a Tilesius pela classificação de peixes vendidos em Lisboa; p.121 a 123: da insegurança nas ruas de Lisboa; p.123: do hábito do "água-vai"; p.128: das "mulheres da rua"; p.139: das livrarias (lá vem a Bertrand), laboratórios químicos, museus de história natural e jardins botânicos; p.140: do bloco de cobre nativo puro proveniente do Brasil; p.140 a 141: crítica a Vandelli; p.143 e 144: península de Setúbal (parte ribeirinha do Tejo): p.152 a 161: idem, parte Sul;p.180 a 186: as ciências em Coimbra; p.186: "Em Portugal fazem falta especialmente agora as ciências económicas e afins, que são prometedoras em termos de proveito imediato. As Musas pura e simplesmente não gostam de almas vendidas."; idem: Tomé Rodriges Sobral e a Química; p.193: carvão entre Buarcos e Figueira da Foz (ver acima); p.221: tirada paternalista, em contraste com o resto do texto; p.250: a afirmação de classe do conde de Óbidos, na herdade da Palma; p.281 a 296: sobre a literatura e língua portuguesas.
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