sábado, 31 de dezembro de 2005

Mensagem de Fim de Ano a mim mesmo

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"Na pesquisa o horizonte move-se quando progredimos. E [por isso] a pesquisa estará sempre incompleta."

Mark Pattison (1813-1884), "Isaac Casaubon" (1875), cap.10
Transcrito no Relatório "Our Creative Diversity" da UNESCO
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sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Incompatibilidades (Um comentário de VPV)

Não sou realmente adepto de Vasco Pulido Valente, sem deixar de reconhecer o valor de algumas de suas obras e a oportunidade de alguns dos seus comentários. É um destes, o publicado no "Público" de véspera de Natal (24/12 para quem não saiba), sob o título "Incompatibilidades" que, com a devida vénia, transcrevo pelo que tem de verdade quanto a muito do nosso ainda provincianismo-europeu:
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"INCOMPATIBILIDADES
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Vasco Pulido Valente
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De quando­ em quando o “respeitinho" arranja maneira de ressuscitar. 0 "respeitinho" não é uma defesa da vida privada (o que seria compreensível), é uma defesa da posição e da autoridade. E também, em larga medida, da orto­doxia. O "respeitinho" nasoeu com Salazar. Mas­ vinha de trás, do líberalis­mo. Toda a gente, até Eça, se queixava da violência verbal do Parlamento e da imprensa vituperante e caluniosa, que dia a dia alimentava a fervura. Os jornais diziam que o sr. conde de Tomar roubava e, em S. Bento, os deputados partiam cadeiras. Com a República foi pior. Uma parte da representação nacional andava armada e havia ameaças de assassinato a meio dos debates. Desde o principio que as galerias se imiscuíam intermitentemente nestes festejos.
O mal não estava, aliás, na política em si mesma. O intorerável era que a política, corroendo o prestígio- do Estado, corroesse também a deferência devida às “pessoas de consideração”. Se o povo tratava familiarmente os políticos pelos nomes próprios (o Zé Luciano, o Antó­nio Maria, o Afonso, o António José) e participava activamente nas suas querelas, como podia perceber e medir a distância em que pairavam as “superioridades sociais”? E como podia venerar a eminência do nascimento, do dinheiro e do saber, da re­ligião e da Igreja? Salazar restaurou o culto oficial da hierarquia; da disciplina e da obediência: não se discutia, não se criticava, não se protestava. O político acabou por se transformar na “lapiseira” do chefe (ou, segundo Cavaco, no “ajudante” do chefe) e Portugal inteiro se tornou um país atemorizado e servil.
Insinuam agora por aí que o dr. Soares foi “agressivo” e “malcriado” com o dr. Cavaco. Extraordinária coisa. Ou talvez não. Na terra do salamaleque e da curvatura, do "sr. dr." e do "sr. prof.", , com certeza que não. Já alguém viu uma entrevista ou um debate na Inglaterra ou na América (e não em Espanha em que o governo controla a televisão)? Alguém reparou no que têm de aturar, e com boa cara, Bush ou Tony Blair? Ao que parece, o dr. Cavaco e os portugueses não gostam dessas democracias grosseiras. Preferem uma democracia empertigada, com mui­ta prudência, presunção e língua-de-pau. E, claro, uma sociedade sem espécie de consciência de si, que chama “inverdade" à mentira e que acha a verdade geralmente ofensiva. Os piores paspalhões que, por azar, encontrei na política indígena subi­ram quase sem excepção a altos lugares. Não “saíam do lugar” e não ofendiam susceptibilidades. Milagres do “respeitinho”. Portugal nunca se deu bem com a liberdade."
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quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

A arte & a mina - 2

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Cândido PORTINARI (pintor brasileiro, 1903-1962)
Minerando ouro / Bateando ouro - Painel (1941-1942)
Sala de Leitura Hispânica da Livraria do Congresso dos EUA

quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Apontamentos - 2

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1. Foi ontem lançado o primeiro satélite do "Projecto Galileo", que deverá permitir a nós, Europeus, o acesso ao nosso próprio sistema de posicionamento por satélite, acabando assim com a hegemonia do estado-unidense GPS nessa área. Este facto é de um profundo significado. Dispor de um sistema de posicionamento por satélite pode naturalmente permitir todos os usos e controles sem que os usados e controlados disso se apercebam. Certamente que sentiram já algum calafrio ao ver, nas imagens estáticas e temporalmente definidas do "Google Earth" os toldos verdes da loja da esquina ou o carro velho estacionado à porta e ao ler depois qualquer coisa sobre "intervenções cirúrgicas" noutros locais, bem sei, mas em campos que nada têm de cirurgia. Mal ou bem, nestas coisas, o nosso sitema é logo à partida melhor que o sistema dos outros pelo simples e único facto de ser o nosso. Sauda-se pois esta histórica iniciativa.
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2. E quando vem uma efectiva retoma do "cinema europeu"?
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3. "Eu não quero que a minha casa seja murada a toda a volta, nem que as minhas janelas sejam todas tapadas. Quero que as culturas de todas as terras possam, tão livres quanto possível, soprar em minha casa. Mas, bem firme nos meus próprios pés, recuso-me a ser derrubado por qualquer delas." Mahatma Gandhi.
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4. A "febre do Sudoku" (já fiz hoje o meu, durante o café e a leitura do jornal da manhã ... até porque era facílimo!) pode ter um sentido muito positivo no estabelecimento de um maior contacto entre as mentes e a lógica, através dos números. De facto a representação numérica no quadro não é essencial para o "Sudoku", pois podem existir "Sudokus" de letras ou de quaisquer outros símbolos ou imagens. Mas o facto de se usarem os números tem essa dupla utilidade, nomeadamente num país em que o "horror à matemática" começa com a total "desabituação ao número", salvo quando usado para representar preços e outras mensagens quantitativas ligadas à expressão em moeda ou em poder. E em que "o livro de problemas do Almeida Lucas" foi substituído pelo cálculo das hipóteses do clube X permanecer na taça depois de y empates, z derrotas e um diferencial de golos de w a t, dos quais k fora de casa.
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5. Um verdadeiro sinal de alarme de "pior uso" é o constatar-se que no computador do filho ou filha, cujas memórias e disco(s) duro(s) se reclamaram de avantajadas proporções, cujas capacidades néticas são geralmente gabadas e que é alvo de uma presença exageradamente assídua, não está montado o mais simples processador de texto ou folha de cálculo. Ou se, quando qualquer deles esteja montado, continua a ter uma utilização meramente residual.

Já agora... falemos também de Investimento Estrangeiro

(a propósito de uma entrevista no JN de ontem)
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1. 0 Decreto-Lei nº 348/77, de 24 de Agosto, aprovou o então novo Código de Investimento Estrangeiro - CIE -, no qual foi prevista a criação do IIE - INSTITUTO DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO, na dependência do Ministro responsável pelo planeamento, com a função de coordenar, orientar e supervisar o investimento directo estrangeiro em Portugal (artigo 29º).
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2. Estava-se então em plena vigência do 1º Governo Constitucional (1976-1978).
Primeiro Ministro: Mário Soares.
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3.0 Decreto-Lei n.º 143/89, de 29 de Abril, extinguiu o IIE - INSTITUTO DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO e transferiu as competências daquele Instituto para o ICEP e para o Banco de Portugal (artigos lº e 2º)
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4. Estava-se então em plena vigência do 11º Governo Constitucional (1987-1991).
Primeiro Ministro: Aníbal Cavaco Silva
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!!! ??? !!!

terça-feira, 27 de dezembro de 2005

"Desenrascanço"

Pessoa amiga mandou-me por e-mail este magnífico extracto da "Wikipedia". Isto é que é ser PORTUGUÊS!

É que... como podem verificar a palavra "saudade" não é a única a ficar sem tradução capaz noutras línguas... Assim, leiam o que a "Wikipedia: the free encyclopedia" vai dizendo na "net" acerca do lusitaníssimo "desenrascanço". Aí vai! Help yourself!

"Desenrascanço (impossible translation into English): is a Portuguese word used to describe the capacity to improvise in the most extraordinary situations possible, against all odds, resulting in a hypothetical good-enough solution. Portuguese people believe it to be one of the most valued virtues of theirs".
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Valha-nos ao menos essa presunção, já que, em termos de desenrascanço, "a presunção faz a força".


segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

A arte & a mina - 1

Alexander EDOUARD (1818-1892)
A Benção da Mina "Enriqueta", 1861, óleo sobre tela
Biblioteca Bancroft, Univ. da California, Berkeley

Um testemunho da "corrida ao ouro"!

António José da Silva, "O Judeu"

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Com o próximo termo do ano de 2005 (reparem como já lá vai metade do primeiro decénio do sec. XXI), passa também a comemoração do III centenário do nascimento de António José da Silva, "O Judeu". Para comemorar esta celebração, a Imprensa Nacional - Casa da Moeda fez cunhar uma medalha alusiva, em bronze, com a produção limitada a 200 peças numeradas, da autoria de João Cutileiro.
Do folheto que anunciou a emissão transcreve-se uma pequena nota biográfica sobre António José da Silva e uma explicação, por João Cutileiro, da sua obra:
"Nasceu no Rio de Janeiro em 1705 e morreu 34 anos depois, em 1739, em Lisboa, tendo sido a última vítima queimada da Inquisição. A prisão na origem do processo que levou à sua morte ocorreu quando participava clandestinamente na cerimónia judaica do Dia Grande ("Yom Kipur") em 1739.
Interrompida violentamente pela intolerância do tempo em que viveu, a breve vida de António José da Silva deu-lhe ainda tempo para uma curta carreira literária, de que restam oito comédias, sendo a mais célebre delas as "Guerras do Alecrim e Manjerona". [...]"
Por sua vez, o artista explica assim a sua obra:
"Foi-me completamente impossível dissociar o nascimento de António José da Silva da sua morte, a que sua magnânima majestade El-Rei D.João V se dignou assistir. Assim, no anverso, nomes e datas; no reverso apenas uma lembrança de como o Santo Ofício tratava as artes, neste caso específico o teatro. Uma pequena consolação: em três séculos melhorámos um pouco." [1]
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Comentário breve:
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[1] Mas "com passos demasiado prudentes", diria eu. Na realidade, pode relacionar-se esta postagem com a de 23 do corrente, sobre o apagamento dos "frescos" do Porto em torno de 1947, e deixar cair uma pergunta inocente: não será a "morte acintosa da obra" uma tentativa para matar igualmente o artista? Se for, temos de concluir que entre 1739 e 1947, ou seja, em 208 anos, se melhorou "a velocidade prudente" uma parte importante do pouco a que o artista alude. E que entre 1947 e os nossos dias se continuou a melhorar esse mesmo-pouco, mas agora com uma velocidade algo mais excitante e muito pouco apreciada pelos lusitano-pientos "amadores do freio", que são os eternos orfanizados das botas de meio cano...

Gato por marta, para gente de vida farta!

(anúncio da acçãoanimal - www.accaoanimal.com no JN de hoje)

É difícil ler as letras pequeninas sem ampliação? Pois é: mas vou ajudar, transcrevendo seguidamente o texto, com o aviso prévio de que pode afectar pessoas sensíveis (se é que ainda existem). Aí vai:

"Pronto a esfolar:

Comprar gato por marta está na moda. Em muitos países, trinta gatos chegam e sobram para fazer um casaco de pele de marta e ninguém nota a diferença. Excepto os próprios gatos que, tal como as martas, são eletrocutados pelo ânus ou sufocados com uma mangueira de água na boca para que não resistam enquanto são esfolados vivos, mantendo intacta a qualidade da pele. Depois, os animais esperam que a morte lhes acabe de vez com o sofrimento, enquanto as peles seguem o seu destino e vão forrar casacos, malas, luvas e botas. Moral da história?Nenhuma.

Peles: o último grito da moda?"

Três notas a propósito:
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1.Espero que a minha desaparecida "Dharma" não tenha tido esse infame destino. Se teve, gostaria de perguntar aos seus roubadores e respectivos instigadores, coniventes e receptadores (estes os/as a quem se destinem as peles) que aspecto de tão cruel tratamento gostariam eles/elas de pessoalmente sofrer?
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2.Passado o tempo histórico (e prehistórico) do recurso às peles animais por necessidade, na ausência de outras alternativas, existem hoje substitutos válidos ao uso de peles, como poderão verificar visitando o "local na rede" da referida entidade anunciante.
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3.De facto, a tecnologia já proporciona materiais e fibras sintéticas de excelente qualidade, funcionalidade, aspecto e preço e que não passam pelo propositado abate, seja cruel, seja dito sem sofrimento (nenhum animal morto veio ainda contar), de qualquer animal. Vejam-se, a propósito, os seguintes locais da rede:
e ainda o português
http://www.fisipe.pt , procurando depois e sucessivamente em Produtos / Especialidades / Fisipe Flat
Quando se tornará mesmo moda usar estes produtos?
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domingo, 25 de dezembro de 2005

Apontamentos - 1.

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1. Numa das "minhas prendas" recebi, como ornamento do natalício embrulho, uma carta de jogar com a Dama de Espadas. Certamente que, na loja que de tal se lembrou, nunca ninguém leu Pushkin! .
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2. O sinal de que, em matéria de prendas natalícias, não passo de um contribuinte bruto é o facto de ainda estupidamente me manter na classe dos contribuintes líquidos. Mas algo de positivo resta nisso, nesta época em que os lugares vazios começam a ser muitos.
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3. Duas filhas próximo de Londres, uma filha "radioactiva" no Porto, onde acorremos os restantes a compartilhar o jantar de consoada. Esboço de diáspora familiar!
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4. Legenda-piropo lida em parede na Senhora da Hora, Matosinhos: "Só tu és capaz de por sol num dia nublado"!
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5. Aprende-se sempre: Quando o título "Google" está ornamentado, em alusão a qualquer coisa, pode clicar-se no motivo . Geralmente aparece uma explicação interessante.
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6. A "Grande Reportagem", ao que me consta com os dias (eu digo mesmo os dias!) efectivamente contados, traz - texto e imagem - uma visita aos homens que, nesta época, se vestem de Pais Natais. Um Natal triste.
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7. As duas miudinhas de Gaia / Vila d'Este deixadas pelos pais em casa, num cenário de "lumpen", e que morreram num fogo do apartamento. Um Natal trágico.
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8. O motorista do TIR marroquino, rodando imperturbável na A1, sentido norte-sul. O que será de facto o Natal?
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9. Nâo vou ao funeral dos meus amigos. Assim, para mim, nunca morreram. A única diferença que nestes dias sinto é que não posso mandar-lhes Boas-Festas.
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10. A joia única no Mundo, pedra de zircão, pedra de granada, hastes entrelaçadas em ramo de hipérbole, de ouro para a primeira e de ouro branco para a segunda, e única, sim, porque fui eu que a desenhei directamente num envelope da empresa, anos atrás em Moçambique. Não me arrependo que tenha ficado com dona, porque destinada a teve sempre, desde que em imaginação parida.
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11. Retorno de surpresa a um velho achaque. Mau doseamento do remédio? Amanhã veremos.
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12. O "Bourbon" reencontrado no regresso. Jim Bean, na falta do Jack Daniels. Único aspecto em que continuo a ser "bourbónico", um verdadeiro bourbónico em termos de bebida.
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13. Jesus não teria nascido a 25 de Dezembro. Mas ajustar a celebração aproximadamente ao solstício de Inverno - em que as sombras ao meio-dia são mais longas - fez jeito, não haja dúvidas! Como pôr o S.João, ou o "Midsummer's night" a bater no solstício de Verão. A propósito: os dias já começaram a crescer! O Verão vem aí!
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14. O ano dos antigos era sem dúvida mais inteligente. Começava com a Primavera, acabava no Inverno e assim como que descrevia a vida. Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro ganham disso a recordação de respectivamente o mês sete, oito, nove e dez que lhe deu origem ao nome. Por que se inventou Janeiro como 1º mês do ano?

A minha auto-prenda de Natal

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Comprei para mim mesmo um album do Milo Manara.
Podem achar que não é muito natalício, mas eu gosto.
Além de que, no que toca à amostra supra, fui mesmo muito discreto.
Discretíssimo!

sábado, 24 de dezembro de 2005

Sobre o Natal, a ceia que hoje passa e os que de torno da mesa já passaram

Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira (1927-1996) , in "Cancioneiro de Natal"

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

A cidade está mesmo a ficar bonita?


Odiei os cartazes que o afirmavam lamechamente, em pleno período autarco-santanista, mas tenho de concluir que, se não é mesmo a cidade, são pelo menos exemplos seleccionados de entre as gentes que a enchem.

Creio que falei em tempos, aqui, numa "Botticelli" vista no MacDonalds da Avenida Carlos I. Se não falei, foi imperdoável lapso que agora reparo. E isto a propósito de uma outra achega do mesmo teor: hoje, 23 de Dezembro de 2005, no autocarro número 49, a caminho do Rato, cerca das 9 horas e meia da manhã, viajava uma "Ghirlandaio", no seu melhor. Pena é que, como naquela frase solta no "O mundo a seus pés" ["Citizen Kane", se preferirem], provavelmente nunca mais as veja - nem uma, nem outra.

Fica, algo mais permanente. sintético e plano (enquanto a J. C.Decaux ou similares a não levarem do "publicitiário urbano") : a delicadeza e frescura fisionómica apresentada no anúncio do Moto-duo da Motorola, num drago-estilo muito atractivamente pseudo-frágil.

E eu ainda não mudei de óculos...

A arte estropiada: Porto, 1947

Na nota [1] da postagem "Duas prendas e uma descoberta" deste blogue, de 19 de Setembro último, lembrava eu as pinturas murais que existiram no Cinema Batalha e no Café Rialto, no Porto, e que o "regime" ordenou fossem tapadas a tinta e caliça. O Jornal de Notícias de hoje retoma o tema (pag.30 da edição Sul), a propósito da tentativa da sua recuperação, e relembra como "a tinta da censura salazarista apagou dois frescos do pintor Júlio Pomar [...]". Dessa notícia retiro, com a devida vénia, os seguintes excertos: "As [duas] obras, que nasceram nas paredes do edifício do Cinema Batalha, em fase final de construção, nos anos de 1946 e de 1947, desapareceram poucos meses depois da inauguração do equipamento. Actualmente com o prédio em obras para a reabertura em Janeiro [como centro de lazer, em projecto do gabinete "Comércio Vivo"], encetou-se a busca pela recuperação dos frescos. Já surgiram os primeiros sinais. [...] O fresco mais pequeno foi pintado no andar superior (numa parede junto ao segundo balcão do cinema). A outra obra, de maior dimensão, ocupava parte significativa da parede do "foyer" principal do Batalha, projectado pelo arquitecto Artur Andrade, falecido recentemente. Expondo-se numa área de 100 metros quadrados, o fresco do pintor gozava de grande visibilidade. Foi a primeira grande pintura mural de Júlio Pomar e, na parede do Batalha, eternizou a alegria popular das tradicionais festas sanjoaninas, com balões, fogueiras, tambores e a dança de crianças e de adultos. Apesar do pintor já ter confessado que esta obra não tinha cariz política, não foi, no entanto, entendida desse modo e a mão da censura mandou pintar as paredes, poucos meses após a inauguração do Cinema Batalha, que abriu as suas portas no início de Junho de 1947. [...]." No desenvolvimento da notícia, assevera a presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, Laura Rodrigues, que foram encontradas imagens do maior fresco na Biblioteca Municipal do Porto. E a mesma notícia conclui com a informação de que a obra, que hoje se pretende recuperar, foi realizada por Júlio Pomar em duas fases: "como esteve preso, o cinema foi inaugurado com o fresco incompleto e só foi acabado quando saiu da prisão." Pouco tempo a obra ficaria incólume. na grande celeuma que a insólita ocultação forçada acarretou no Porto, gravei na memória ainda tenra o argumento oficial então invocado e que era o de "a pintura ser contra o espírito do Estado Novo".
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Ainda bem que se pensa em reencontrar as pinturas do Cinema Batalha...
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Mas, relembro, havia ainda o fresco do Café Rialto, que me recordo de ser atribuído [correcta ou incorrectamente] a Abel Salazar e que desapareceu na mesma altura e certamente pela mesma razão. Porque, no topo, representava um conjunto de bandeiras desfraldadas como se um razoável vento descesse a Rua Passos Manuel, o argumento dos tapadores anatemizava então uma representação hipotética d' "o vento que vem de Leste". Procurem-no também, para o recuperarem do esquecimento e, de forma semelhante à referida na notícia citada para os desaparecidos frescos do Cinema Batalha, "para todos os portuenses que nunca tiveram a oportunidade de conhecê-lo".
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Mudar de estilo

Roda da Fortuna, no Hortus Deliciarum, de Herrede de Landsberg
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Se é um projecto factível, não faço ideia. Mas há que efectivamente mudar de estilo. E, nas diversas reviravoltas da vida (tão bem representadas pela " roda da fortuna", mas sem perda da lição que se pode deduzir do "pendurado"), levar um pontapé nunca pode ser razão suficiente para bloquear o desafio - mesmo se o pontapé vier do lado da própria equipe.
Aliás, e como é sabido, só alcança quem não cansa.
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Embora pormenor acessório, espero também que o estilo do blogue mude. Se eu for capaz de me ultrapassar nisso!

Pablo Ruiz Picasso

(1881, Málaga - 1973, Mougins)
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Mulher frente a um espelho



Christoffer Wilhelm Eckersberg

(1783, Blakrog - 1853, Copenhague)
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Mulher frente a um espelho (1841)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

Manuel Maria Barbosa du Bocage (Setúbal,1765 - Lisboa,1805)

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Da agenda cultural - BNL
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Passaram-se ontem dois séculos sobre a morte, aos 40 anos, de Manuel Maria Barbosa du Bocage, poeta português genial e pobre que tinha deixado de si esta

AUTOBIOGRAFIA

De cerúleo gabão não bem coberto,
passeia em Santarém chuchado moço,
mantido, às vezes, de sucinto almoço,
de ceia casual, jantar incerto;

dos esbrugados peitos quase aberto,
versos impinge por miúde e grosso;
e do que em frase vil chamam caroço,
se o que, é vox clamantis in deserto;

pede às moças ternura, e dão-lhe motes;
que, tendo um coração como estalage,
vão nele acomodando a mil peixotes.

Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
cercado de um tropel de franchinotes?
– É o autor do soneto: – é o Bocage.
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Jocoso, bem disposto, com uma extraordinária obra poética, em que igualmente se destaca uma fabulosa componente erótica e satírica, a aproximação da morte fá-lo escrever um dos mais sentidos sonetos da língua portuguesa:

SONETO DITADO NA AGONIA

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;

Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura.

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... a santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

Imperdível é o local a ele dedicada pela Biblioteca Nacional e que pode ser localizada pelo "elo" http://purl.pt/1276/1/

Jogos Finitos e Infinitos - O sujeito e o complemento directo

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Aqui estão eles, o Autor, James P. CASE e a obra!
Entre diversas possibilidades, aconselho a visita a
http://www.paulagordon.com/shows/carse

Jogos Finitos e Infinitos - Uma explicação

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Já não sei onde comprei esta obra, se aqui na boca do rectângulo, se fora de portas, se catada em montra de livraria, vindimada em cesto de alfarrabista ou retirada a baixo preço de simples mesa no Príncipe Real. Comprei-o por pensar que continha uma achega à teoria dos jogos e, quando o folheei, vi como me poderia ter enganado sem efectivamente me enganar.
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James P. Carse, o Autor, era um desconhecido para mim. Professor ou ex-professor de religião na Universidade de Nova York, com uma série de livros publicados e alguma notoriedade (basta explorar o Google sob este nome) procurou explicar como, no mundo dos homens e das suas relações, as coisas se passam como se existissem jogos finitos e infinitos e fosse nesses jogos que os envolvimentos de cada um se pudessem descrever, da sexualidade à metafisica, do universo familiar ou profissional aos actos de rebelião e guerra. Livro polémico o bastante, na sua formulação das coisas e nas suas conclusões (ou conclusão), apresenta-se como uma colectãnea de 101 pequenos textos que se desenvolvem numa lógica sucessiva, num fluir que por vezes recorda Wittgenstein e que se distribuem por 7 capítulos: 1. Há apenas dois tipos de jogos (com 32 textos); 2.Ninguém pode jogar um jogo sózinho (com 19 textos); 3. Eu sou o génio de mim próprio (com 12 textos); 4.Um jogo finito joga-se dentro de um mundo (com 7 textos); 5. A natureza é o domínio do inominável (com 10 textos); 6. Controlamos a natureza por razões sociais (com 13 textos); e 7.O mito exige explicações mas não as aceita (com 8 textos).
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Nas 6 postagens anteriores limitei-me a traduzir (mal, como sempre!) 10 desses pequenos textos, precisamente os dez primeiros - e seguidamente parei. Primeiro, para mostrar o estilo da obra, de facto pouco comum. Depois, para não abusar da paciência própria ou da alheia, coloquei-me numa perspectiva limitada (verifico que, quando me meto em temáticas sucessivas "perco clientela"). Terceiro para não infringir regras da cópia e, finalmente, para ver se algum editor que passe por aqui lhe pega. A meu conhecimento, existe uma tradução sueca da obra. E disse! Mas, como dela se refere na qualificação americana de obras publicadas dentro da especialidade - e os américos nestas coisas são normalmente exigentes e altamente críticos -, "a leitura vale (bem) a pena".
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quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Jogos Finitos e Infinitos - 6 (e suspensão)

10.
Se as regras de um jogo finito são exclusivas desse jogo, é evidente que essas regras não poderão mudar no decurso do jogo - isto porque, se mudassem, passaria a jogar-se um jogo diferente.
É neste ponto que se encontra a diferença mais frizante entre jogos finitos e infinitos. As regras dum jogo infinito devem mudar no decurso do jogo. Essas regras mudarão quando os jogadores dum jogo infinito concordarem que o jogo é posto em causa por um desenvolvimento finito - ou seja, pela vitória de alguns jogadores e a derrota de outros.
As regras dum jogo infinito são modificadas para evitar que alguém ganhe o jogo e para trazer para o jogo tantas pessoas quanto for possível.
Se as regras dum jogo finito são a formulação contratual que permite aos jogadores concordar com quem, dentre eles, ganhou o jogo, as regras dum jogo infinito são a expressão contratual que permite aos jogadores continuar a jogar.
É por esta razão que as regras dum jogo infinito tem um relevo diferente das regras de um jogo finito. São como a gramática duma língua viva, enquanto as regras dum jogo finito são como as regras dum debate. No primeiro caso, as regras são cumpridas como forma de continuar o discurso com outros; no segundo, as regras são cumpridas como forma de por termo ao discurso de outra pessoa.
As regras ou a gramática duma língua viva estão sempre em evolução para garantir a expressividade [capacidade de expressão] do discurso, ao passo que as regras de um debate devem manter-se constantes.
CARSE, James P.
"Finite and Infinite Games",
op. cit.

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Jogos Finitos e Infinitos - 5 (continuação)

9.
As regras de um jogo devem ser divulgadas antes do jogo e os jogadores devem dar-lhes o seu acordo antes do jogo começar.
Um princípio que tem consequências muito importantes para todo e qualquer jogo finito é o seguinte: o acordo dos jogadores quanto às regras do jogo constitui a decisiva validação dessas regras.
As regras não são válidas porque o Parlamento as votou, ou porque houve heróis que oportunamente as observaram, ou porque Deus as transmitiu através de Moisés ou de Maomé. Sáo válidas apenas se e quando os jogadores livremente as observam ao jogar.
Não há regras que nos façam obedecer a regras. Se existissem, teriam que ter uma regra que também as mandasse e assim sucessivamente.
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CARSE, James P.
"Finite and Infinite Games",
op. cit

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Jogos Finitos e Infinitos - 4 (continuação)

7.
Os jogos finitos podem ser jogados dentro de um jogo infinito, mas um jogo infinito não pode ser jogado dentro de um jogo finito.
Os jogadores infinitos que participam em quaisquer jogos finitos conside-ram os seus ganhos e perdas nesses jogos como meros momentos de um jogo que continua.
8.
Se os jogos finitos devem ser externamente limitados em tempo, espaço e número, também deverão ter limitações internas quanto ao que os jogadores podem fazer e à relação entre estes. Concordar em limitações internas é estabelecer regras do jogo.
As regras poderão ser diferentes para cada jogo finito. De facto é pelo conhecimento das regras que se pode dizer de que jogo se trata.
O que as regras estabelecem é uma panóplia de limitações para os jogadores: cada jogador deve, por exemplo, partir de detrás da linha branca, ou ter todas as suas dívidas pagas no fim do mês, ou fazer-se pagar pelos seus pacientes nunca acima do que eles podem pagar ou guiar o automóvel dentro da sua mão.
Num sentido restrito, as regras não serão leis; não determinam um comportamento específico, mas apenas restringem a liberdade dos jogadores, dando porém um espaço de escolha considerável dentro dessas restrições.
Se essas restrições não forem observadas, o resultado do jogo pode ser poato em causa. As regras de um jogo finito são os termos contratuais pelos quais os jogadores podem concluir quem, de entre eles, ganhou.
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CARSE, James P.
"Finite and Infinite Games",
op. cit.
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(continua)

domingo, 18 de dezembro de 2005

Jogos Finitos e Infinitos - 3 (continuação)

5.
Só uma pessoa, ou uma equipa, pode ganhar um jogo finito, mas os restantes competidores podem ficar ordenados no fim do jogo.
Não é qualquer pessoa que pode ascender ao cargo de presidente do conselho de administração de uma empresa, embora alguns concorrentes a esse posto possam ficar como simples administradores ou responsáveis locais.
Há jogos em que se entra sem a expectativa de ganhar, mas sem deixar de competir para alcançar a posição mais elevada possível [1].
6.
Há um só aspecto - e apenas um - em que um jogo infinito é idêntico a um jogo finito. Refere-se ao comportamento dos "jogadores infinitos" [2]: pois, quanto a estes, poderemos também dizer que, se jogam, é em liberdade que o fazem; ou seja: se forem forçados a jogar não pode dizer-se que jogam.
No restante, os jogos finitos e os jogos infinitos estão entre si nos antípodas.
Os jogadores infinitos nunca podem dizer quando o seu jogo começou e até nem se importam com isso. Não se importam com isso porque o jogo que jogam não está limitado no tempo. De facto, recordemos, o único propósito desse jogo é evitar que o jogo acabe, para que todos os jogadores possam continuar a jogá-lo.
Num jogo infinito nao há limites espaciais ou numéricos. Nenhum mundo está laborado pelas fronteiras de jogos infinitos e não existem problemas de escolha, porque quem quiser pode jogar um jogo infinito.
Se os jogos finitos são externamente definidos, os jogos infinitos são internamente definidos. O tempo de um jogo infinito não tem uma perspectiva mundial, mas é um tempo criado pelo próprio jogar. Se cada jogo infinito que está a ser jogado elimina limites, qualquer desses jogos abre, para os jogadores, um novo horizonte de tempo.
É por isso impossível dizer há quanto tempo um jogo infinito está a ser jogado, ou quanto tempo pode ser jogado, pois que uma duração só pode ser medida externamente ao que é terminável. Também não é possível referir em que mundo está a jogar-se um jogo infinito, pois um jogo infinito pode conter qualquer número de mundos.
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CARSE, James P.
"Finite and Infinite Games",
op. cit.

(continua)

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Notas do bloguista:

[1] Sem esquecer o velho e impiedoso aforismo americano : "the second winner is the first looser" [o segundo a ganhar é o primeiro a perder]

[2]Jogadores infinitos, ou seja, jogadores de jogos infinitos (e não infinitos jogadores!). "Mutatis mutandis" para jogadores finitos.

sábado, 17 de dezembro de 2005

Jogos Finitos e Infinitos - 2 (continuação)

3.
Se, para um jogo finito, essencial é ter um fim decisivo, também lhe deverá caber um início preciso. Poderemos pois referir os jogos finitos como os que têm limites [ou fronteiras] temporais - limites esses que terão de ter o acordo de todos os jogadores. Mas os jogadores terão também de acordar limites espaciais e numéricos. Ou seja: o jogo tem de ser realizado dentro de um determinado campo [ou área] e com determinados jogadores.
Os limites espaciais são evidentes em qualquer conflito finito, desde os simples jogos de mesa ou de campo até às guerras mundiais. [Por exemplo:] os beligerantes na II Guerra Mundial decidiram poupar Heidelberg e Paris a bombardeamentos e reconheceram a Suíça como externa aos limites do conflito. Quando, numa acção de guerra, um dos beligerantes provoca uma destruição desproporcionada e excessiva, põe-se a questão da legitimidade da vitória que esse beligerante para si reclame, mesmo quando numa situação geral de guerra e não apenas num desnecessário acto de violência sem justa causa. Quando Sherman abriu, a ferro e fogo, um caminho de Atlanta até ao mar ignorou de tal forma o sentido de limitação espacial que, para muitos, a guerra não foi legitimamente ganha pelo Exército da União e, por isso, jamais ficou concluída [1]
Os limites numéricos assumem formas diversas mas estão sempre presentes nos jogos finitos. Os jogadores finitos [2] seleccionam-se. Se, por um lado, não poderemos ser considerados jogadores se formos obrigados a jogar, por outro lado é também verdade que não poderemos jogar sózinhos [3]. Ou seja: em qualquer caso teremos de encontrar um adversário [4] e, em muitos casos, seleccionar parceiros [ou compartes] que estejam dispostos a juntar-se-nos no jogo. Não é qualquer pessoa, mesmo que o queira, que pode jogar a favor ou contra os New York Yankees [5]. Nem ninguém se pode intitular electricista ou agrónomo por simples auto-designação sem um reconhecimento por parte dos seus potenciais colegas e concorrentes.
Porque os jogadores finitos se não podem auto-escolher para jogar, nunca existe a possibilidade de não poderem ser retirados do jogo nem tãopouco dos adversários poderem recusar-se a jogar contra eles. A autorização nunca compete ao autorizado, nem a designação ao designado.
O que se mantém inalterado pela permanência dos limites numéricos é a possibilidade de todos os jogadores poderem concordar quanto a um eventual vencedor. Quando, num jogo, os jogadores puderem entrar e sair do campo quando quiserem cria-se uma tal confusão de participantes que nenhum poderá emergir como um vencedor decisivo. Quem, por exemplo, ganhou a Revolução Francesa? [6]
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4.
A existência desses limites significa que a data, o local e a participação em cada jogo finito sejam externamente definidos. Quando dizemos que um determinado conflito começou no dia 1 de Setembro de 1939 estamos a falar numa perspectiva mundial de tempo; ou seja, na perspectiva do que aconteceu antes do início do conflito e do que pudesse suceder depois da sua conclusão. O mesmo se dirá para o local e a participação. Um jogo é jogado num determinado local e com determinadas participações.
O mundo está minuciosamente laborado em fronteiras de conflito e as gentes finamente repartidas pelas suas escolhas.
CARSE, James P.
"Finite and Infinite Games",
op. cit.
(continua)
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Notas do bloguista:
[1] Referência a um episódio decisivo da Guerra da Secessão (1861-1865), ou seja da "Marcha através da Geórgia" ou ainda designada "marcha em direcção ao mar" (Dezembro de 1864). Diz uma outra fonte: "[...] Com total liberdade de movimentos e quase sem oposição militar, o comandante unionista [Shermann] trava uma verdadeira guerra psicológica para quebrara a determinação do adversário. Aqui, a táctica da terra queimada é de regra. As razias que as suas "colunas infernais" acumulam à sua passagem causam estupefacção na população. Numa faixa de território com 500 km de comprimento e 80 km de largura, Shermann deixa apenas cinzas atrás de si. No dia 21 de Dezembro a cidade de Savannah [já na costa], finamente alcançada, é pilhada. [...]" AMEUR, Farid, "A Guerra de Secessão", Edições 70, Lisboa, 2005, pp.99-101.
[2] Ou sejam, os "jogadores de jogos finitos", eles também jogadores finitos porque deixam de o ser daquele jogo quando este acaba pelo apuramento, entre eles, de um vencedor.
[3] Evidentemente que o Autor exclui paciências e passatempos porque confina - correctamente - a situação de jogo a um confronto personalizado, no mínimo bilateral.
[4] Evidentemente, pelo menos um adversário, pois podem ser vários.
[5] Conhecido grupo de basebol dos EUA. Poder-se-ia traduzir ainda mais livremente subsituindo os NYY por qualquer clube da nossa 1ª liga de futebol, mas isso seria imediatamente entrar em jogos infinitos... ou quase.
[6] Considero este comentário desnecessariamente gringoide. Poderia o A. escrever: "quem imediatamente ganhou etc...?" que já seria ligeiramente, mas só ligeiramente, mais aceitável. Em contrapartida sabemos todos razoavelmente bem quem perdeu - e muitos subsistem que, lá bem no fundo, ainda se não consolaram com isso!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Jogos Finitos e Infinitos - 1

Capítulo 1º
Há apenas dois tipos de jogos
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1.
Há apenas dois tipos de jogos: os que se podem chamar de jogos finitos e os que se chamarão de jogos infinitos.
A finalidade de um jogo finito é vencer; o propósito de um jogo infinito é poder continuar a ser jogado.
2.
Porque a cada jogo finito tem de caber um vencedor, terá também esse jogo também de ter um fim decisivo. O jogo chega ao fim quando alguém tiver vencido.
Ficaremos a saber que alguém venceu o jogo quando todos os jogadores tiverem concordado sobre quem, de entre eles, é o vencedor. Nenhuma outra condição, para além desse acordo dos próprios jogadores, é decisiva para determinar quem vendeu o jogo.
Pode parecer que a aprovação dos espectadores ou dos árbitros se torna também necessária para determinar o vencedor. No entanto, se os jogadores não concordarem em designar um vencedor, o jogo não chegou a um fim decisivo - e os jogadores não satisfizeram a finalidade para que jogaram. Mesmo que sejam expulsos do campo e forçados a não prosseguir o jogo, nunca irão dar aquele jogo como terminado.
Admitamos agora que todos os jogadores concordam, mas não os espectadores ou os árbitros. A menos que se consiga persuadir os jogadores de que o seu acordo estava errado, eles não retomarão o jogo - e de facto eles não podem retomar aquele jogo. É impensável que os jogadores regressem ao campo para efectivamente jogarem num jogo que, em seu convencimento, estava já dado como concluído.
Um jogo finito só pode existir enquando os jogadores se decidirem a jogá-lo. Ninguém pode jogar contra a sua vontade, isto é, enquanto for forçado a jogar.
Um princípio geral e portanto aplicável a todo e qualquer jogo, quer finito, quer infinito, é que todo e qualquer jogador o jogue livremente. Quem tiver que jogar [isto é, quem seja forçado a jogar] não poderá jogar [ou seja, não poderá ser considerado jogador].
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CARSE, James P.
"Finite and Infinite Games"
(tradução adaptada)
Ballantine Books, N.Y., 1986
(continua)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Do abade de Jazente

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Amor é um arder que se não sente;
É ferida que doi, e não tem cura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.

É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ânsia, a mais cruel e a mais impura;
É frágua, que devora o fogo ardente.
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É um triste penar entre lamentos;
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.
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É suspiros lançar de quando em quando;
É quem me causa eternos sentimentos.
É quem me mata e vida me está dando.


Paulino António Cabral de Vasconcelos
(1719 - 1789)
Abade de Jazente
(muitas vezes grafado também como "de Jacente")

quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Leixões


É um poema de Blaise Cendrars mas não é a isso que me refiro. É também um porto artificial, inaugurado no tempo do rei D.Carlos e destinado a compensar as dificuldades, frequentemente assassinas, do acesso ao Porto e ao tráfego do Norte do País pela Barra do Douro, ainda á espera de obras definitivas. A norte do mesmo, já em Leça tão conhecida de António Nobre (tanta poesia hoje!), ergue-se, nada poética mas útil, uma refinaria de petróleo. Sobre esta escrevia eu há dias neste blogue uma escassa linha ou nem isso, pedindo atenção para a mesma. Mal saberia eu que coisas inesperadas e sortidas se passariam logo depois, anunciadas parangonamente nos ditos mídia e agitando ondas nas areias leixonenses ou propondo novos e maiores badalos em torres sineiras. Em suma: se parece terem-se modificado algumas das circunstâncias que contextualizavam aquele desabafo, mantém-se ou até se reforça toda a oportunidade deste.

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Arroz à Congolesa

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Há quem goste.
Eu, por mim e por via das dúvidas, continuo a preferir o arroz doce, como o que acima se mostra.
E que neste não aterrem moscas varejeiras!
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Canção da Jónia

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Porque lhes quebrámos as estátuas
porque os expulsámos dos seus templos,
não morreram, não, os deuses.
A ti, terra da Jónia, ainda eles amam,
e em suas almas sempre te recordam.
Quando a manhã de Agosto é alvorada em ti,
passa em teu ar um ardor dos deuses vivos;
e às vezes uma etérea forma juvenil,
indefinida, em trânsito subtil,
teus montes sobrevoa
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Constantino Cavafy
(Alexandria,1863-Alexandria,1933)
em "90 e Mais Quatro Poemas"
tradução de Jorge de Sena
3ª edição, Asa, Porto, 2003
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Anotação de Jorge de Sena a este poema, que Cavafy escreveu em 1911:
"Por referir-se à destruição de estátuas e de templos pagãos que se seguiu à predominância ou ao triunfo do cristianismo dentro do Império Romano, no século IV, o poema pode ser interpretado como significando "històricamente" uma consciência que reconhece ainda a existência dos deuses, no mundo cristianizado. Mas significará também, e mais amplamente, através da evocação de uma aurora de Verão na Jónia, uma homenagem do poeta , que pertence a uma civilização cristã, à verdade essencialmente cósmica e sensual do paganismo. Que seja precisamente a Jónia que o poeta escolhe para a celebração da eternidade dos deuses, é altamente significativo, porque foram as colónias jónicas da Ásia Menor que deram início à cultura grega clássica, como ao desenvolvimento das instituições civis na Grécia, e que contribuíram decisivamente para a expansão do mundo grego. No mundo romano a que a Jónia foi incorporada, as suas cidades - Éfeso, Mileto, Esmirna, etc. - continuaram a ser magníficas, e longamente mantiveram a sua importância no Império Bizantino"
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Jorge de Sena (Lisboa,1919 - Santa Bárbara / Califórnia, 1978) escreveu`na "Nota de abertura" da 1ª edição (1970) da obra supra referida: "[...] Eventualmente, num outro volume, é nossa intenção dar a tradução dos restantes 64 dos 154 poemas maiores." Uma nota de rodapé, nesta edição (e presumivelmente na 2ª, que data de 1986), assinada "(M.de S.)" i.e. Mécia de Sena, dá inexorável razão àquele "eventualmente": "[...] O segundo volume de traduções da restante obra de Cavafy não chegou a ser feito."

domingo, 11 de dezembro de 2005

Voltando aos clássicos

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Posted by Picasa
Por onde eu andarei, a estas horas, certamente que não será bem assim...mas olhem que, anos atrás, foi animado, bem animado mesmo!

(postagem a ajustar às 12 horas de domingo = Feito o ajustamento)

Santa Bárbara

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Pintura em vidro (~1850) - Museu do Luxemburgo


Bem pode a Santa dizer que só se lembram dela quando troveja. Este ano foi assim: por impedimentos diversos, passou-me a devida menção no dia da festa (4 de Dezembro). Mas já que passou o dia, não passou o oitavário, que se completa hoje, a 11, logo eu a andar por via de minas e explorações mineiras. Assim sendo, aí vai uma encomendação à padroeira dos mineiros, artilheiros, metalurgistas, benjamins-franklins, etc. - tudo o que meta fogo ou raio e faça pum!
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sábado, 10 de dezembro de 2005

1º de Dezembro (ainda, ainda): 3 - Uma reflexão...

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E pensar que, hoje em dia, para muita gente, quando se fala em "Restauração" isso não significará mais que uma recuperação de arte ou coisa antiga ou então uma das modalidades de actividade hoteleira!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Sobre o crucifixo nas escolas laicas ou "A César o que é de Cèsar"

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Masaccio (1401-1428)
Pormenor de "A quem pagar a moeda do tributo"
ou "A César o que é de César" (1425)

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Sou CONTRA o crucifixo (bem como contra qualquer outro símbolo religioso) nas salas de aula das escolas laicas.
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quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

Três sugestões... que são quatro

1 - "Filologia barranquenha" ou há coisas que inesperadamente surgem




A outra compra foi o "Gente Rústica" do Brito Camacho. Nome e descritivo que me levam outra vez a Aljustrel, ao Monte das Mesas que encavalita a grande reserva de sulfuretos que se chama o Gavião, à falha da Messejana a passar perto, à A2 - que então não existia e que hoje anda também por ali, ao malacate do Poço Viana, ao caminho de Vald'Oca, à chaminé da Transtagana que conheci inteira mas que hoje está derruída de si mesma por descalçada a fundação que tinha, a instalação "piloto" que já não existe. O Faria já não está connosco há muito tempo [1]. A memória pergunta-me se as corujas ainda ressonarão em pleno dia nas palmeiras da Casa da Horta? E se, quando se sai da mina e reencontra a luz do dia, ainda parecerá que "o ar cheira a sabão" [2].

2 - Museu Nacional de Etnologia

Recomenda-se a exposição temporária de máscaras do Mali (região de Segu, sobretudo)

3 - Visita incontornável a caminho da sugestão anterior... mas desde 1837 ali




Se o cartucho está rasgado por vorazes criaturas é porque continuam (os pasteis) a ser deliciosos. E as criaturas continuam também felizmente vorazes e, algumas delas mantendo o "ir a todas", num deglutir caracteristicamente omnívoro. Fica no cartão rasgado dum pacote rapidamente vazio, espadeirado mesmo, uma sugestão permanente e sem paralelo de regresso, a renovar em cada passagem por Belém! Nem que seja um só, acompanhando a "bica". Ou nem que seja a meias, esparralhando o creme [3].

4 - O ciclo dos 12 dias, do Natal aos Reis e as "festas de transgressão"
De anteontem, terça-feira, ficou a curiosidade de uma coisa já suspeitada, mas entretanto colocada na estante dos assuntos "a conhecer um dia". Algo que tem a ver com a cartilha do "registo escondido" em que, de uma forma ou de outra, crentes e ateus, todos nós rezamos - porque tem mais a ver com o poder e o não-poder que com o sagrado e o profano. Agradeço à Paula ter lembrado isso e, já que vamos num trenó de memórias, descubro, com um encantamento do puto que já ficou para trás uns longos anos, que o S.Gonçalo das minhas freguesias de Vila Nova de Gaia, Santa Marinha (onde nasci) e Mafamude (onde vivi), passeado em cabeça gigantesca (e só cabeça) ao lado de uma imagem pequenita e coberta de ouro pelos ranchos rivais dos Mareantes do Rio Douro ou da Raza no primeiro domingo de Janeiro, zabumbado aos gritos de "ele é nosso..." bum! bum! bum! "e não é do senhor abade!" bum! bum! bum! pela turba que segue os figurantes encartolados que seguram as peças essenciais do acto [4] não será também uma manifestação mais do mesmo. Certamente que é, só que até anteontem eu não o havia entendido! E não há alguém que pegue (ou tenha pegado) naquilo e o descreva? Se eu tivesse tempo... se eu o arranjar... Entretanto vou ver!
E já que ia ver, fui também ver o restante contexto de que deixo aqui algumas pistas. para memória futura, para meu divertimento e para divertimento de quem, comigo ou sem mim, vier aqui [5]. Reconhecendo que durante muito tempo e em relação a muitas coisas possa ter vivido com antolhos, resta-me apenas abanar as orelhas e afastar com a cauda as moscas, como fazem os burros.
Aí vão os pontos a visitar (com tanta conversa ia-me esquecendo do essencial):
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http://religioes.no.sapo.pt/pborges2.html
http://www.bragancanet.pt/vinhais/ousilhao/a_festa.htm
http://arquivo.rtam.pt/aconteceu/new-03-03-20031.html
http://portodoceu.terra.com.br/filorelig/artesimbolismo-1004b.asp
http://www.iujc.pt/compr/06/festa.html
http://www.novomilenio.inf.br/festas/natal06.htm
http://jangadabrasil.com.br/janeiro/pa50100a.htm
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Esta recolha provém de uma busca na "interrede" sobre o conceito "festas de loucos" e apenas em páginas de língua portuguesa. Não houve qualquer exame pormenorizado ou crítica prévios (p.ex. as duas últimas páginas correspondem ao mesmo artigo, salvo algumas gravuras e o acompanhamento musical na primeira).
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[1] Refiro-me mesmo ao saudoso Eng. Francisco Limpo de Faria, um incansável defensor de Aljustrel e de todos os que aí com ele trabalhavam.
[2] Devo esta imagem descritivamente olorosa a uma expressão muito característica do Eng. Edgar Wahnon.
[3] Há também a solução de usar a colher da "bica", mas perde-se o essencial conjunto do sabor do creme com o estaladiço da massa.
[4] O "bum! bum! bum!" são os grande bombos a contrapontar o vozear "do colectivo", enquanto os ranchos percorrem os itinerários tradicionais nas freguesias e fazem honras parando algum tempo frente à casa de reconhecidos benfeitores. Ouvi dizer que, no fim, os ranchos se juntavam numa comezaina comum, mas não tenho a mínima certeza disso até por causa da rivalidade que, no meu tempo, mantinham assanhada. Mas o vinho verde tinto pode muito... Quando souber, conto.
[5] Que um blogue é, no fundo, uma solidão porreiramente partilhada.
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(postado com antecipação de algumas horas)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Morangos com vinagre

1. O António Peres Metelo, hoje na TSF, assinalava a grave contradição entre o "orçamento britânico", o espírito original da União Europeia e a ideia de Constituição.

2. É sabido que a presença britânica na UE tem sido sempre marcada por flutuações diversas que não têm sequer paralelo com a atitude céptica do novo-riquismo norueguês e o caminhar confuso de algumas votações nacionais; poderia mesmo parecer amor, se o "andar só por entre as gentes" tal pudesse significar em política internacional.

3.É também sabido como os das barras com estrelinhas ao canto vigiam a evolução da UE e como tanto se agradaram com o desafinar do coro quando do lançamento da aventura iraquiana, com Blair marcando a mais forte dissonãncia, os "hermanos-ainda-então-aznarentos" a embarcarem na cantiga e o actual presidente da UE - então PM cá da malta - a fornecer, pressuroso, o alojamento açoreano.

4. O que admira pois?

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Sobre a GALP: muita atenção à refinaria de Leça!

Para que seja um dia bom... (e ao 7º descansou)

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Mandaram-se esta hiena (?)
encontrada em Passadena
(Assim dizia o postal!)
De resto... nem bem, nem mal!

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

Cegarregas e trava-línguas

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Vale a pena visitar o jornal "Onda Viva" das escolas do 1º ciclo e do pre-escolar da algarvia Vila do Bispo, que se pode (ainda) encontrar em http://www.eb1-budens.rcts.pt/jornal.htm . Quanto a cegarregas, está lá a conhecida "A Velha e a Bicharada"; quanto a trava-línguas, transcreve-se um, com a devida vénia, até porque não é tão longo como aquela:

Padre Pedro prega pregos,
Prega pregos, padre Pedro?
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Ah, é verdade, a gravura não tem nada a ver com isto.
"Foi engano!" ou "Foi engano?" ou "Foi, engano". Talvez "Foi...engano".

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Neologismos

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A vitalidade de uma língua passa pela capacidade de criação de novas formas de exprimir. No Português assim o têm demonstrado abundantemente os nossos confrades brasileiros e africanos, goste-se ou não se goste, e demonstrado eficazmente como uma Língua pode permanecer viva e rica. Da caixa de simples exemplos retiro, sem desprestígio para outrem-quem-quer-que-seja, o nome de Mia Couto que, numa celebração desse esforço de construção, coloco na estante ao lado de Aquilino.
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No campo da tecnologia também tudo se passa desse modo: resolver eficazmente as questões postas pelas inovações e vocabulários próprios é sem dúvida uma tarefa meritória. Torna-se por demais evidente que essas adaptações podem levar a situações curiosas como o famoso "desgargalamento de uma planta de eteno", como tradução de "debottlenecking of a ethylen plant". Mas, se virmos bem, nesta frase o único erro mesmo estará em chamar "planta" a uma "instalação", palavra esta existente e razoavelmente consagrada para uma tradução de "plant". Se se dissesse - e se passasse genericamente a dizer - "desgargalamento" para "debottlenecking" certamente não viria mal ao mundo! Ou pelo menos igual e nunca pior de quando, na terminologia anglo-saxónica, alguém se lembrou de dizer pela primeira vez "debottlenecking".
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Referiram-me, como situação engraçada, que transcrevo com alguma reserva, o alegado caso do japonês. Mantendo três silabários: o "kangi", este o mais próximo da primitiva grafia chinesa e o de maior conteúdo ideográfico, o "katakana" e o "irakana", o segundo destes - i.e. o "katakana" - é geralmente usado para grafar em japonês palavras estrangeiras. E a adição de um sufixo "o" a um vocábulo estrangeiro, acrescida da sua transcrição em "katakana", "transformá-lo-á" praticamente e de imediato num vocábulo susceptível de aceitação em japonês! O uso frequente ou o desuso farão dele a consagração ou o abandono. Por exemplo: "by-pass", que em português se traduz muitas vezes por "derivação" mas que não o é exactamente, seria em japonês "bipasso" se grafado em "katakana". Numa perspectiva idêntica, razão tinha aquele operador químico do Barreiro que já há bastantes anos escrevia no livro de ocorrências da fábrica - e inquestionaveelmente bem - "há uma avaria na válvula do bipasso".
E já agora, que estamos no dia imediatamente seguinte ao da celebração do "dia de Zamenhof", convirá dizer que em Esperanto se passa quase o mesmo. Ao contrário do que muitos pensam, torna-se relativamente fácil para o Esperanto acomodar terminologia científica ou técnica moderna, incluindo os neologismos que possam surgir. Existem artigos em Esperanto, sobre os mais variados ramos do conhecimento que eficazmente o podem demonstrar.

Vem este arrazoado a propósito do facto de os franceses terem já arranjado a palavra "courriel" para significar "e-mail", por uma habilidosa reformulação de "courrier électronique". Pândegas adaptações desta construção gaulesa ao nosso vernáculo poderiam levar, entre lusos, a "correiel", "correl" ou "postel" se estas fórmulas não soassem tão mal de nascença ou mesmo a "cartel" se isso não trouxesse outras conotações um tanto quanto fora do contexto! Uma solução menos agressiva poderia ser "e-mando" ou "e-posta" ou "el-tel". Inventamos qualquer coisa melhor ou cruzamos os braços e vamos todos ficar definitivamente pelo longuíssimo "correio electrónico" ou então, em corta-caminhos, pelo já generalizado "e-mail" à gringo?
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Perante esta questão, se e quando fosse posta, muitos diriam: temos tantos problemas neste País e ainda há quem se preocupe com zicharias deste teor! Outros lamentariam o chauvinismo da questão, que pensavam morta com a morte do teclado HCESAR que o AOS procurou impingir aos nacionais. Outros pronunciar-se-iam, positiva ou negativamente, quanto à generalização neo-socrática do ensino do Inglês. E, quanto a problemas, pois temos, temos! E teremos! Mas "OK! Never mind! No coffee-break dar-te ei um gossip sobre o spread associado ao setup dos hedgings sobre as commodities, cuja trend actual parece saído de um brainstorming , mas com Tóquio e New York em backwardation, o que seria de "atender"? " Pausa. Antes todos os "desgargalamentos" deste mundo -- sobretudo se de uísque em "highball" com um pouco de "castle water" para amortecer. "Please, spare me." Uff!

domingo, 4 de dezembro de 2005

Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera

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Conheci esta joia cinematográfica por uma referência no blog "Duas Metades"[1]. Pude ver o filme e fiquei verdadeiramente encantado. Há escassos dias, no escaparato do posto de venda dos jornais, onde passo todas as manhãs trocando uma laracha com o Sr. Zé Gato, simpático vendedor e azul-de-belém como eu [2] (ainda não aderi às modalidade do exclusivo jornal gratuito ou do jornal "na net", para mal dos pinheiros e eucaliptos de que eu desdobro uma acha ao pequeno almoço!), vi-o inserido numa destas colecções de DVD's com que os periódicos nos assediam (não vou dizer qual, por puras razões publicitárias). Estava solitário, poucos lhe pegavam. E eu pensei, trazendo-o comigo, que grande oportunidade para os que andam à procura dele... e não o encontram!

Sugiro, a propósito, que vejam resumos e referências respectivas em diversos portais, tais como:

http://www.asia.cinedie.com/spring-summer.htm ou
http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/primavera-verao/primavera-verao.htm
e, se entenderem que o devem comprar (eu recomendo!) então é só procurá-lo (e depressa) pelas bancas. Até ser devolvido ao distribuidor ele perde sempre com a última (e pior) versão cinematográfica da "Guerra dos Mundos" ou obra similar. Pena é que assim seja, mas o que é... é.
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[1] Que sucedeu com o "Duas Metades"? Não consigo entrar no blog de há alguns dias a esta parte. Peço a ajuda de uma explicação e o novo endereço, seja neste blog, seja por e-mail. É que eu gostava mesmo muito de o ler!
[2] O azul-de-Belém é a minha afectação a sul, pois de resto a minha árvore desportiva original e firme é mesmo o dragoeiro, fora da Macaronésia [3], claro, e em terreno dolménico nortenho (planalto da antas e, por mim, com o rio tão longe quanto possível)!
[3] Com esta já vamos na nota à nota! A Macaronésia é algo que eu descobri no Jardim Botânico à Politécnica, ao ler as placas de alguns dos seres vivos vegetais que ali se enraizam. Como presumíveis jovens jocosos teriam colocado um R a mais, eu lia Macarronésia e se, da flora representada, depreendia que era qualquer coisa de geográfico que englobava a Madeira, os Açores e as Canárias, pasmava-me o estranho mau-gosto do designativo! Macarronésia nem ao Albéjão a coisa lembraria! A dúvida foi-me também recentemente levantada: era Macaronésia sem duplo RR, a assumpção de espaço geográfico estava mesmo correcta e o nome tem a ver com Macarón i.e. as ilhas encantadas. Assim, sim... é bonito!

sábado, 3 de dezembro de 2005

Dia de Zamenhof e da Literatura Esperantista

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É já no dia 11 (domingo), numa organização da PEA - Portugala Esperanto-Asocio [Associação Portuguesa de Esperanto] a ter lugar das 16:00 às 21:00 horas na Sede da Sociedade Portuguesa de Naturologia, Rua do Alecrim 38 - 3º, Lisboa. Como é hábito, os Esperantistas reunem-se para festejar, por aproximação, o dia de aniversário do criador desta simplicíssima língua auxiliar universal, que nasceu na Polónia no dia 15 de Dezembro de 1859.
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Para os que se questionam sobre a utilidade desta língua, deixam-se 4 anotações:
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1ª O E-o (Esperanto) é uma "língua clara" que não tem irregularidades gramaticais e que, por um engenhoso processo de prefixos e sufixos, bem como de junção de palavras, se apresenta como uma língua francamente imaginativa e adaptada tanto á tradução (impecável) de literatura clássica como à mais exacta linguagem técnica.
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2º Por esse facto aprende-se rapidamente. Tolstoi tê-lo-ia aprendido em 8 dias. A gramática, de facto, não tem problemas: além da já referida desaparição das irregularidades, tem apenas 2 casos, domina-se com proposições, só tem uma conjugação verbal, uma forma de construir plurais, uma forma de construir o género, uma forma de caracterizar o adjectivo e o substantivo. O único problema que poderá existir é... aprender o vocabulário, mas isso treina-se.
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3º (e eu creio que já falei disto...) Se considerarmos que um dicionário da língua X à língua Y (dicionário XY) representa uma "relação linguística", então o dicionário YX representa outra: ou seja entre 2 línguas há 2 relações linguísticas. E entre 3... teremos 6. E entre 4...12. E entre 5...
20 e temos de concordar que 20 dicionários representam já muito dinheiro e uma razoável estante. Com 6 certamente que é pior... vamos a 30. E com 7... a 42! Além de que aprender 7 línguas é para já muito trabalhoso! Com 200 linguas teríamos a enormidade de 39800 dicionários: verifiquem!
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Caso agora cada um de nós soubesse apenas (mas mnuito bem!) a sua língua e uma única outra língua, que seria a língua auxiliar comum, como o E-o, então a coisa simplificar-se-ia. Vejamos: se no mundo só houvesse 2 línguas, a X e a Y, não iríamos mesmo ganhar nada... pois a introdução de uma terceira língua E obrigava a 4 dicionários: o XE, o YE e o EX e o EY. Não valia a pena... era do dobro do papel! Mas se tivéssemos 3 línguas e uma auxiliar a coisa já não seria tão má: todos se entenderiam na língua auxiliar e haveria 6 dicionários. Empatamos! Com 4, teríamos 8 dicionários, ou seja, já começaríamos a ganhar terreno, com 5...10 (i.e. já metade) com 6... 12, com 7... 14. E com 200... 400!
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Grande economia!
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Então porque é que isto não funciona? Não funciona porque os Homens não querem. Há todo um terrível negócio por detrás e imaginem o valor económico, cultural e hegemónico que representa uma língua dominante. O receio da Torre de Babel não está tão longe quanto isso! E é tanto assim que os principais inimigos do E-o quando o Francês era hegemónico... foram os Franceses; quando a anglofonia começou a dominar, rapidamente a tal "oposição" passou dos francófonos para os anglófonos! Os organismos internacionais e os países mais pobres ganhariam enormemente com isso. Mas esta conversa levar-nos-ia muito longe, p.ex. à antipatia que certas correntes políticas aliás de cores diversas foram nutrindo pelo E-o, e falta-nos ainda o 4º argumento!
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4º. Este é ainda mais determinante: o E_o hoje pode aprender-se em casa, pela "Net". A PEA tem conhecimento dos cursos pela "Net" e é só contactá-la (Rua Dr. João Couto, 6 r/c A, 1500-239 LISBOA). Com 20 lições já se podem ler textos. Praticamente sem custos!
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O "Kalevala" é uma espécie de Lusíadas para os Finlandeses. Há traduções em Inglês e Francês, mas ler o "Kalevala" em Inglês ou Francês não deixa de ser complicado. Tenho-o ali na estante, acessível, em Esperanto. Da mesma forma um Finlandês pode ler "Os Lusíadas" em Esperanto... só que aqui há uma coisa que nos deixa a nós, Portugueses, um pouco mal: a tradução (e aceitável tradução) dos Lusíadas em E-o foi feita pelos... Brasileiros! Como sempre....
Tentem um bocadinho, não custa nada! E já agora lembro aquela hospedeira duma companhia aérea internacional que encontrei num Curso de E-o há muitos anos. Falava 4 línguas e dizia ela: se o E-o se aprende em escassos meses (nem todos são o Tolstoi) e, como linguagem clara, tem valor curricular, por que não a ganhar também, para fazer o curriculum mais competitivo? Sempre é uma língua a mais, a juntar ás 4. E é mesmo!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

1º de Dezembro (ainda): 2 - O "Hino da Restauração"

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Quem já ouviu? Quem já cantou? Quem se recorda?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

1º de Dezembro: 1 - Do lado de lá

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Tal como nos tempos do seu pai [o texto refere-se a Filipe IV de Espanha, III de Portugal; "seu pai" era pois Filipe III de Espanha, II de Portugal], a bancarrota teria podido servir para um reajustamento financeiro. Mas, uma vez mais, o reajustamento foi sacrificado à política exterior, no momento em que estala a guerra de Mântua e se perde a frota da Índia em Matanzas. A insegurança das remessas americanas obriga a espremer as fontes peninsulares, enquanto as apropriações de bens e os empréstimos permitiam apenas aliviar os primeiros apertos. Fidalguias, jurisdições, cargos, terras da coroa, etc., tudo é vendido ao melhor preço; as Cortes votam impostos excepcionais e determinam novas taxas a aplicar ao açúcar, ao papel, ao chocolate e ao tabaco - produtos de luxo chegados da América - à pesca, ao vinho, etc., ao mesmo tempo que aumenta a alcavala e se lança mãs às rendas do próprio cardeal-infante D. Fernando a fim de financiar as campanhas de 1634. Fracassadas todas estas medidas, nada pôde impedir o triunfo da economia de guerra. Promovida pelas Cortes castelhanas e pela burguesia, começa-se a pensar na necessária colaboração de todos os reinos peninsulares na manutenção do Império, como já fora sugerido por Filipe III (II de Portugal) em inícios do seu reinado.
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Os aragoneses, vendo perigar os seus privilégios, já bastante maltratados após a entrada dos exércitos reais em 1591 e da execução do Justicia Mayor Juan de Lanuza, exploram as dificuldades financeiras do monarca para comprar, por mais de um milhão de ducados, o reconhecimento dos seus forais. Na Catalunha, os aspectos financeiros provocam o envio de vice-reis "duros" - Albuquerque e Alcalá - capazes de impor a lei e a ordem mesmo contra a Diputación General , e de exigir o pagamento do quinto régio e dos atrasos deste - provocando a inquietação da oligarquia de Barcelona, que se tinha apoderado dele. O mesmo se passa em Portugal, cujo Conselho da Fazenda sofre, em 1601, a intervenção da Junta da Fazenda madrilena e se preenchem com castelhanos as altas dignidades da Igreja e da burocracia.
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Esta política de intervenção culmina no governo do conde-duque de Olivares. A guerra na Alemanha obrigava a repartir os encargos que Castela não podia suportar. Surge assim a ideia da União de Armas, um exército permanente de 140 000 homens, recrutado e mantido por todos os reinos proporcionalmente ao número de habitantes e à sua riqueza. A União choca frontalmente com os reinos da Confederação Aragonesa e com Portugal, devido aos privilégios forais de ambos. Por outro lado, os catalães consideram exagerada a quota de soldados exigida - 16 000, o mesmo que se exigia a Portugal, com o dobro da população - fruto de um cálculo incorrecto das suas potencialidades, o que veio a impedir um acordo semelhante ao que se fez com Aragão e Valência. A fim de vencer a resistência do principado, o valido desvia a guerra contra a França para o insubmisso terrítório catalão, que se vê obrigado pelos seus próprios forais a contribuir com 12 000 homens para a própria defesa.
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As tropelias dos exércitos alimentam o ressentimento dos catalães em relação à corte, já desprestigiada após as derrotas na Holanda, ao mesmo tempo que a crise comercial castiga a economia daquele território. Em 1640, os ceifeiros, os camponeses mais pobres, destroem propriedades dos estratos privilegiados e, aliados á plebe urbana de Barcelona, assassinam o vice-rei Santa Coloma sem que a Generalitat consiga aplacar os ãnimos. Assustado, o Conselho de Aragão pede medidas rigorosas a Olivares, que não chegam a ser tomadas devido aos desastres militares na Europa. Sentindo-se forte, o movimento social radicaliza-se e ataca a própria classe dirigente catalã; a nobreza e a burguesia decidem então colocar-se à cabeça da revolta a fim de sobreviverem, ao mesmo tempo que a teimosia madrilena em manter as tropas na Catalunha acaba por a lançar nos braços da França, que ocupa o principado.
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Nada mais favorável à política exterior de Richelieu do que este protectorado catalão, autêntica cunha no interior da Península. Quando o cardeal morre [1642], no entanto, Mazarino prefere gastar energias em Itália em vez de Espanha. Filipe IV [de Espanha], após a queda de Olivares , parece disposto a esquecer os agravos e os catalães, fartos dos abusos franceses, revoltam-se contra estes. Em 1652, Juan José de Austria chega a Barcelona á frente das tropas castelhano-aragonesas, assinando-se uma capitulação, conciliadora que reconhece os direitos da Catalunha. Por outro lado, a França sente-se igualmente satisfeita, na medida em que o tratado dos Pirenéus (1659) ratifica a sua ocupação do Rossilhão.
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Mas não é este o único problema interno de Filipe IV [III de Portugal]. Em circunstãncias semelhantes, e aproveitando a presença do exército na Catalunha, Portugal também se subleva em 1640 sob a direcção do duque de Bragança. Perante a alternativa entre Portugal e a Catalunha, as razões históricas, demográficas, económicas e estratégicas levam o monarca a concentrar-se na recuperação do principado, o que permite aos portugueses levantar um exército e assinar alianças com a Inglaterra e a França. A guerra transforma-se numa sequência de ataques e correrias que não terminam até á assinatura da paz, em 1678.
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O descontentamento aumenta também na Andaluzia, onde os motins urbanos de 1641 têm o seu contraponto no levantamento do marquês de Ayamonte e do duque de Medina-Sidonia contra o valido Olivares, em Aragão com a sublevação do duque de Hijar, em Nápoles e na Sicília. Todos estes acontecimentos exprimem o mal-estar social e o receio dos reinos periféricos de virem a comparticipar da ruína castelhana. A sua simultaneidade sugere um Estado em riscos de desintegração; mas a habilidade do rei, o controle das engrenagens de governo e a comunidade de interesses das elites permitiram ultrapassar a crise sofrendo apenas a perda de Portugal. Mas foi necessário pagar um preço elevado: a depreciação e desvalorização afogam uma economia já limitada pelo marasmo pelo marqasmo económico, leiloam-se bens da coroa e, em 1647 e 1662, Filipe IV [de Espanha] vê-se forçado a decretar a bancarrota. Nada convida à esperança; com a fuga da banca internacionalo erário perde uma das suas bases essenciais, o crédito, num momento em que as derrotas militares pressagiam o ocaso do Império europeu.
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in CORTÁZAR, Fernando Garcia de, e VESGA, José Manuel González, "História de Espanha: Uma Breve História", tradução de Eduardo Nogueira, Editorial Presença, Lisboa, 1997, pp. 224 a 226