sexta-feira, 30 de abril de 2010

No real comedor

O Rei nunca se sentava à mesa sem que, de um lado e de outro, contasse com dois habituais desgustadores escolhidos nos dois meios sociais distintos do Reino e dos quais recebiam nome: o Normal e o Pobre. Não havia iguaria que se servisse que não fosse por estes apreciada - e assim sucedia que a opinião do Rei não era a opinião do Rei mas sim a expressa por estes dois ratões mesmo quando, por feliz coincidência e sem o saberem, ia coincidir com uma opinião real. Como o muito que restava da comida do Rei era distribuído aos cortesãos, estes tinham de arcar com o paladar de circunstância transmitido pelo Normal e o Pobre e, portanto, opinavam também segundo a opinião que estes tinham transmitido - sem o que pisariam o risco de terem de ficar sem qualquer coisa. O filósofo da corte bem chamara a atenção do Rei para a posição preconceituosa de classe que os próprios designativos encerravam, levando a considerar que, fora do palácio, a situação de Pobre não era considerada Normal e que portanto, na visão de cúpula que a corte representava, normal era o Normal e a excepção seria o Pobre - o que muito longe estava de transmitir a realidade social do Reino. Aliás, sendo de prever que, por origens tão diversas, pudessem surgir opiniões discordantes, a verdade era que, de há longos anos, os dois provadores, uma vez escolhidos, tocavam exactamente a mesma música, para que não acabassem no cepo com justa causa. E mesmo que por vezes redondamente se enganassem e que qualificassem de excelente uma sopa já a passar-se de todo, em tempos de calor, ou de muito aceitável um creme de ovos que levaria muitos convivas a um prolongado desovar nos fossos do castelo, toda o colectivo aguardaria o veredicto e, abanando a cabeça sobre o erro, nem o pressentindo ou esquecendo-o, tomá-lo-ia como de ciência certa e avançaria cegamente na comezaina avaliada - assim concordando, em actos e omissões, com a frase decisiva que os dois marmanjos tinham levado ao Rei para que fosse entalhada na porta do comedor real: "Melhor é podre que mal comido".

E viveram infelizes para sempre.

Para sempre? Porra! Abrenúncio! Chiça!

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Imagem: Banquete Medieval, com vénia a
http://www.medievalhire.co.uk/guide/How_To_arrange_a_medieval_banquet_files/image002.jpg
saite onde, como o nome diz, se encontram interessantes referências sobre a organização de banquetes medievais.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Os direitos das árvores


Curioso é como a nossa civilização não dá à simples passagem por uma árvore a importância e a dignidade devida a um ser vivo. No entanto, noutras civilizações, a árvore, representante mais desenvolvido doutro reino - que se estende para baixo até à fronteira confusa de ambos - continua a ser chamada para assistir aos Homens nas fases mais solenes da sua vida terrena. Não sendo este dia o "Dia da Árvore", devo ao "Jornal do Barreiro" de 28 de Março de 1997 um curioso decálogo de "Direitos da Árvore", referido como "visto pelos alunos do 1º ciclo nº 1 e 2 (será das escolas nº 1 e 2?) do Barreiro, que anotei, para seguidamente transcrever. Li-o ao meu pinheiro, que era pequenino quando aqui chegamos e que hoje, dignamente copado, se instala majestoso e ameaçado pelo futuro de nós mesmos, para lá do limoeiro, da feijoa, dos araçãs e daquelas pitangueiras que tiveram mãe em Luanda, trisavó talvez no Brasil e que, este ano, estão cheias de flor (para prospectivo benefício dos melros). Aí vai:

"1. A árvore tem direito à vida. 2. A árvore tem direito ao seu território. 3. A árvore tem direito a ter um nome. 4. A árvore tem direito a beber água e a receber luz e calor. 5. A árvore tem direito a ser tratada das doenças. 6.A árvore tem direito ao amor. 7.A árvore tem direito a ser acariciada. 8.A árvore tem direito a ser respeitada. 9.A árvore tem direito a amigos, animais e pessoas. 10. A árvore tem direito a todos os direitos dos seres vivos."

Este decálogo veio-me trazer à memória algo de Steinbeck, a "Árvore dos Sonhos" no Parque Biológico de Gaia (imagens supra, para aspecto geral, e infra, para pormenores) e o pequeno bosque que, teimosamente, margina o caminho para a paisagem lunar das Pedras Brancas, saindo à esquerda da estrada que vai de Aljustrel para Castro Verde - símbolo renascente de tantas árvores que aí foram sacrificadas às artes e ofícios do Homem e pela obtenção do metal vermelho.
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Com cumprimentos ao Parque Biológico de Vila Nova de Gaia, um local a visitar!


domingo, 25 de abril de 2010

Quando os amanhãs cantaram

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Mural de 1975, no edifício da CGD em Viseu

Créditos a "Os Murais de Abril", Fundação
Mário Soares / Jornal de Notícias, CD, 2005.

sábado, 24 de abril de 2010

Saudação a um novo conviva!

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Apresentação do recém-chegado "Tamy" *

* "Tamy" é o nome próprio; e
o patronímico é mesmo "Flu".

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dois textos de Alberto Lisboa Cohen

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Desde 26 e 4 de Julho de 2007 não tenho trazido aqui textos do poeta e escritor paraense Alberto Lisboa Cohen (vd. biografia, inserida a 4 de Setembro de 2007). Certamente que não por faltar ao Autor a excelente produção de que já foi dada amostra e, em continuidade, por outras obras que por gentileza e amizade me tem feito chegar, mas pelas diversas vicissitudes que criaram descontinuidades nas "postagens" aqui realizadas e que deram lugar a silêncios e lacunas neste blogue. De Setembro de 2007 a Abril de 2010, muito mudou no Mundo. No entanto, e como se verá, Alberto Lisboa Cohen mantém o seu estilo, sensibilidade e domínio numa modalidade tão difícil como é a "short-story" [história breve"][1]. Passemos pois, com autorização do Autor, aos dois textos que farão parte de uma obra que se nos refere como proximamente a editar - com os votos de que essa edição tenha o esperado (e justificado) sucesso.

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"A garota da Copa de Setenta

Seriam assim, então, todos os dias daqui por diante... Uma infinidade de nadas disfarçados de pequenos afazeres. O poder esvaíra-se de suas mãos tão rapidamente quanto demorado fora o deferimento da aposentadoria. Sentia falta das pessoas querendo soluções para seus casos. Lembrava que, na época, elas o aborreciam.

Após fazer a barba com o esmero dos que têm o tempo por passar, tomou café, acendeu um cigarro (precisava parar) e procurou no jornal diário as notícias que eram, ainda, do seu mundo embora não mais fizesse parte dele.

Inesperadamente, um nome no obituário: Angélica! O sobrenome o mesmo! Não era possível que fosse ela, tão jovem e cheia de vida! Devagar foi assimilando a realidade: Mais de trinta anos haviam se passado desde a última vez que a vira.

Década de setenta. Brasil tricampeão. O povo nas ruas. Lágrimas, abraços. Todos irmãos. E lá estava ela, morena, nariz empinado na arrogância de quem sabe o que quer. Não era nada mais que bonitinha, mas tinha alguma coisa que a tornava única. Talvez fosse a sua maneira de olhar, dentro dos olhos, ou, quem sabe, a desenvoltura com que caminhava no meio da multidão de eufóricos e bêbados. Ninguém a tocava. Passarelas se abriam à sua frente, fechando-se logo depois de sua passagem. Era a irmã, ou a namorada de cada um, quem passava.

De repente o encontrão predestinado a juntá-los. Um sorriso, um toque de mão e a nítida percepção de que seriam um do outro.

Namoro intenso, quase passional, porém um curso, muito importante para a formação profissional dele, arrastou-o para o outro lado do Brasil. As últimas palavras dela, no aeroporto, foram: “Estamos nos perdendo”.

Um ano envolvido com estudos e noitadas na cidade hospedeira fizeram cessar a correspondência entre os dois. Achava que no seu retorno tudo seria como antes. Não foi. Ela havia casado. Morreu mil vezes até conseguir um encontro em lugar público com aquela que, agora ele sabia, era a mulher de sua vida.

Em poucas palavras, racional como sempre fora, ela eliminou qualquer esperança que pudesse haver. Ainda o amava e achava que esse amor seria para sempre. Casara com um primo e amigo que a apoiara em seu abandono e solidão. E finalizou: “Nasci para ser fiel e jamais trairei o meu marido, mesmo contigo”. Recusou a súplica de um último beijo e partiu sem olhar para trás.

O mundo e o tempo cauterizaram parte das feridas e eles viveram suas vidas possíveis, sem aquele grande amor desperdiçado.

Agora o jornal dava a notícia de que ela se fora, sem retorno. Acendeu mais um cigarro para justificar com a fumaça as lágrimas e se pôs a recordar como ela era bonitinha naquela Copa do Mundo de setenta.

(22 de outubro/2005)

Alberto Lisboa Cohen"

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"A solidão do chefe

Aquela nação indígena tinha sempre dois chefes: Um para os dias de paz, quando todos os conflitos haviam sido resolvidos, outro para a guerra, para o vencer ou vencer, para os atos de bravura e liderança. Um era o provedor, o outro o defensor. Cada qual absoluto, dependendo da época que atravessavam.

Ocorre que, durante a guerra, o chefe da paz não podia perder o ar pacífico e tranqüilo, enquanto na paz o chefe guerreiro tinha que demonstrar ferocidade, como se ainda estivesse em combate. Imagine-se o conflito interior de cada um ao se tornar símbolo de uma expectativa.

Nos dias de importância meramente totêmica, na solidão de um comando sem seguidores, o chefe reserva (chamemos assim) costumava partir para grandes caminhadas, geralmente com destino desconhecido. Dizia-se que estava viajando para dentro dele mesmo. Na verdade o que buscava era somente a paz, ou a guerra (conforme o caso), que não podia vivenciar junto com os de sua tribo. O encontro com o momento histórico que lhe era negado.

Nessas peregrinações, ocorria, então, o absurdo de um chefe da guerra alimentar-se somente de raízes e frutos, para não molestar os animais, e cuidar de doentes e feridos encontrados, por acaso, no caminho. De outro modo, era comum um chefe da paz bestializar-se, transformando-se em sanguinário matador de qualquer ser vivo que avistasse. Apenas as respectivas formas de contraditarem a ambigüidade de seus destinos.

Assim, guerreiros tornavam-se, em determinado instante, monges e distribuidores da caridade, e pacifistas mudavam em cruéis assassinos seriais.

Ao voltarem para a aldeia, o da paz coberto de sangue e o da guerra com um acervo de atos de bondade, afivelavam, novamente, suas máscaras e assumiam os papéis de bons ou maus, que por algum tempo haviam abandonado.

Nota - Obviamente, tudo isso é fantasia e um amontoado de palavras sem objetivo ou moral da história.

(24 de setembro/2005)

Alberto Lisboa Cohen"

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1. A 10 de Janeiro de 2008 tentei propor, para tradução de "short story", a palavra "historieta". No entanto, em Português, "historieta" - embora talvez o termo mais adaptável - encerra algo de depreciativo não em relação à extensão mas em relação ao conteúdo. Revendo a proposta, talvez não insista no vocábulo proposto e me fique, por isso e cautelosamente, na acepção de "história breve" (ou mesmo "história curta"). Não tem a expressão inglesa igualmente duas palavras?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Uma homenagem ao Tenente Seixas e ao povo de Barrancos em Oliva de la Frontera

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Na "postagem" de 15 de Outubro de 2007 fiz aqui devida alusão ao livro "Barrancos na Encruzilhada da Guerra Civil de Espanha - Memórias e Testemunhos", da autoria da minha Colega Maria Dulce Simões e editado que foi em Setembro daquele ano pela Câmara Municipal de Barrancos. Relata esse livro como o povo barranquenho acolheu refugiados provenientes das povoações próximas do lado de lá da raia, que fugiam aos desmandos das colunas de Yagüe, semeadoras do terror e da morte por terras de Andaluzia e Estremadura, na sua marcha ascensional a partir de Sevilha. Descrevia também o papel do Tenente António Augusto Seixas, oficial da Guarda Fiscal, comandante da Secção Fiscal de Safara, que soube entender o que se passava e que, com risco da própria carreira e recusa da complacência ou até conivência das autoridades portuguesas na linha de um comportamento de cima ditado, protegeu de incursões falangistas os "foragidos espanhois" (como eram então designados) que se haviam acolhido a terras de Barrancos. Estes refugiados, totalizando 1020 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, integraram-se nos cerca de 1400 a 1500 espanhois que foram repatriados a bordo do paquete "Nyassa" e entregues ao legítimo governo da República Espanhola em Tarragona. Um grande número destes refugiados era proveniente do vizinho concelho de Oliva de la Frontera - e é por essa razão que amanhã, 23 de Abril, pelas 12:00 horas locais (11:00 horas em Portugal), em Oliva, se inaugura um monumento dedicado ao Tenente Seixas e ao povo de Barrancos, como mostra a fotografia supra. Para além do Alcalde-Presidente do Ayuntamiento de Oliva de la Frontera, D. Victor Morera Mainar, estará presente o Presidente de Extremadura, D.Guillermo Fernández Vara, que presidirá ao acto. Considera-se de grande interesse e valor o reconhecimento assim prestado e que traduz três realidades: a solidariedade transfronteiriça que mobilizou os sentimentos do povo de Barrancos no período dramático da Guerra Civil de Espanha, o mérito e coragem que se ligam ao exemplo do Tenente Seixas ao privilegiar o carácter essencial dos direitos humanos (traduzidos no direito de refúgio) e o valor irrecusável da memória quanto a factos que dolorosamente fazem parte da história dos povos e não podem portanto ser apagados. Homenageia-se assim a homenagem.
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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Do Euro ou "por que me não levam para comentador"?

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A 23 de Março, apanhando na aragem uma análise que me pareceu correcta, escrevi neste blogue sobre o Euro e as maquinações que o pretendem rodear, vindas directa ou indirectamente da terra da nota verde. Bingo! Por isso mantenho hoje a mesma perspectiva - e ouvindo os "iris palreros" que por aí andam a perorar sobre tudo e nada - pergunto-me por que razão me não convidaram ainda para comentador (chorudamente remunerado, claro, já que pelos vistos ninguém quer acreditar em comentadores sob voluntariado, por simples " toma uma bica enquanto escreves" ou na escanzelada precariedade !). Atendendo ao que ontem ouvi, incluindo na e quanto à sessão de uma comissão parlamentar de inquérito, acho que quem me ouvisse ou lesse não ficaria muito pior servido.

NOTA 1: Isto é um diagnóstico e não um apelo! E já que de afirmar ler livros não preciso, porque habitualmente os leio, prometo - em compensação - deixar crescer a barba e apenas aparar a trunfa.

NOTA 2: Conta-se que um dos próceres do regime franquista, d'aqui ao lado, se queixou um dia ao Caudilho de que nunca o escolhiam para se encavalitar num dos rentáveis poleiros em que aquele regime parecia ser fértil. O astucioso e reservado galego ao substancial nada disse, mas apenas respondeu ao notável reclamante com uma forma hábil muito própria da sua terra e assim, como se estivesse a falar consigo próprio, tartameleou entre dentes: "E por que será? E por que será?"
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terça-feira, 20 de abril de 2010

Ainda do adagiário


Como ontem prometido, transcreve-se (mantendo a grafia) a seguinte reflexão, da pag. 313 da obra então citada:

"Na Corte ha parcialidades antigas, dissenções presentes, juizos temerarios, e testemunhos evidentes, entranhas de viboras, e línguas de serpentes; malsins muitos, amigos poucos; nella todos tomão voz de República, e cada hum busca a utilidade propria; todos publicão bons desejos, em más obras todos se ocupão. Na Corte cada dia mudão Senhores, renovão Leis, despertão paixóes, levantão ruidos, abatem os Nobres, favorecem os indignos, desterrão os innocentes, honrão os roubadores, amão os lisongeiros, desprezão os virtuosos, abração os deleites, escouceão as virtudes, chorão pelos máos, e rim-se dos bons."

Escrevia-se isto em 1780. Alguma diferença?
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segunda-feira, 19 de abril de 2010

De um adagiário

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Olhando as prateleiras de "El Corte Ingles" para ver o que de novidade se terá publicado na língua de Cervantes fui encontrar, ao lado de uma vasta exposição de obras de Pérez-Reverte, o interessante adagiário de que se dá imagem, fac-similado da obra original impressa em Lisboa, na Typografia Rollandiana, "Com Licença da Real Mesa Censória", no ano de 1780 ou seja, quando ainda o rei de França mantinha o seu pescoço. O curioso da obra, em si mesma curiosa, é que foi dada à estampa em 2009 pela Editorial MAXTOR, de Valladolid - e que existiam lá outras edições da mesma, também facsimiladas do original e com potencial interesse para Portugal. Nem caras são!

Fica o registo deste achamento e logo a transcrição do primeiro adágio que considero tão adequado para muitos candidatos a botar faladura ou escritura sobre o pouco que sabem (já lá dizia o Grego), o algo que pensam saber e o transfinito (seja Alef-Zero, seja C) do que todos ignoramos:

"Quem muito abarca, pouco abraça."

Amanhã talvez haja mais...


domingo, 18 de abril de 2010

Lusofonia em Florianópolis (Santa Catarina, Brasil): Açorianópolis

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Do escritor catarinense Luís Carlos Amorim, transcreve-se, com a devida vénia e agradecimento, o artigo que fez o favor de mandar para este blogue:

"LUSOFONIA EM FLORIANÓPOLIS (AÇORIANÓPOLIS)

Por Luiz Carlos Amorim – Escritor

Aconteceu, pela primeira vez no Brasil, mais precisamente em Florianópolis, a décima terceira edição do Colóquio da Lusofonia, que ganhou o nome de Açorianópolis. Convidados de vários países estiveram na capital catarinense, como Portugal, Canadá, Austrália, Galiza, França, Moçambique, Bélgica, Cabo Verde e outros.

Lusofonia é o conjunto dos países que falam a língua portuguesa, como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e por diversas pessoas e comunidades em todo o mundo.

Então, Florianópolis sediou o Açorianópolis, ou XIII Colóquio da Lusofonia. Não apenas gente ligada às letras, mas artistas como cantores, músicos, atores e declamadores dos vários países estiveram no evento. Além dos debates de diversos assuntos que dizem respeito à língua, literatura, história e antropologia lusitanas, houve várias atrações paralelas com os artistas participantes. Além dos lançamentos de livros, muita música, como fado, música tradicional açoriana, música de Galiza e, é claro, música brasileira. Também sessões de teatro e recitais de poesia.

Foram abordados assuntos como “Literatura e açorianidade”, “Traduções do português e para o português”, “O Futuro da Língua Portuguesa nos três cantos do mundo”, “Arte e Cultura Lusófona” e muitos outros.

O debate a respeito do Acordo Ortográfico, que afeta todos os países de língua portuguesa, foi um dos pontos altos. Era o esperado, pois estive em Portugal no ano passado, logo depois que começou a vigorar o acordo, e os portugueses não estavam nada contentes com as mudanças. No Brasil, muito pouca coisa mudou e a adequação está sendo muito mais fácil. Mas para os portugueses e para outros países que falam a língua, as mudanças são mais abrangentes e chega até a mudar um pouco a maneira de falar, pois palavras como “óptico”, por exemplo, perdem o “p”.

Mas o importante é que o encontro aconteceu, temas importantes foram discutidos e a integração entre os países lusófonos está se fazendo."

sábado, 17 de abril de 2010

Tributo a Arcimboldo

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Giuseppe Arcimboldo (~1527 - 1593)

Cantava descuidado o pássaro i no pequeno jardim das crónicas diárias, premiado e tudo. Num canteiro, repolhos hidropónicos aproveitando-se da sombra do laranjal. Noutro canteiro rosas, por vezes desmaiadas, entre o picante das malaguetas, a dupla cor das melancias anãs e a ousadia rubro-extremada das beterrabas. De um lado pontificava a abóbora, do outro espreitava o pepino. O síndrome-do-espelho-da-madrasta atacava-os todos, no pedir do diz-me, espelho meu, quem é mais legume do que eu. Gravava-se o zumbido das abelhas, seguia-se sabiamente o rastejar da lesma, sabia-se do esconderijo dos pulgões, controlavam -se as pintas das joaninhas. Se chovia a mais, a culpa era do pepino, se na feira baixava o preço dos primores, do pepino era a culpa, se os pólens criavam comichões, lá se remetiam estas pró pepino e em correio verde. Uma pepineira! E tão distraídos andavam a procurar saber quem teria-se-tivesse influenciado o abelhão, ou a carriça, ou até a louva-a-deus e quem volteava-se-volteasse as hastes dos papiros que nem deram pelo catarro que atacara o pássaro i e que arriscava apagar os seus gorjeios. Pássaro que não rende é mero monte de penas a requerer mudança de trinado, disse o passarinheiro. Vejamos como - de futuro - o pássaro i irá cantar - já que, mal ou bem, continuarão a adejar por ali os passarões da praxe.

Há muitos anos contaram-me a história do pássaro ui, o tal cujo macho tinha arrecadas mais descaídas que a altura das patas. O problema, para esse, estava no pousar - e daí vinha o nome. Do pássaro i nem ai nem ui. Só i. Espero bem que a vogal não perca o ponto. E que não fique em 1. Pum!
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sexta-feira, 16 de abril de 2010

A nuvem

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Fonte: NASA

Quando a Natureza se encarrega de mostrar a imponência das suas forças e se demonstra a utilidade das redes de transporte alternativas ... e ainda sem termos chegado à "nuvem pensante" de um dos irmãos Hoyle, mas...

& há mais

se isto continuar a mandar mais lixo lá para cima, preparem-se para um Verão anormalmente fresquinho!
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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Esteja descansado, vizinho...

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"Esteja descansado, vizinho, que aqui, em Portugal, ninguém vai assaltar um carro para roubar um livro!"
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ou, em contraste,
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Era uma sociedade tão peculiar que, para além das farmácias de serviço, passara a ter as livrarias de serviço.
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ou, em complemento,
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A EMPREGADA: Ponho o livro num dos nossos sacos ou embrulho-o para oferta?
O CLIENTE: Nem uma coisa, nem outra. É para comer já!
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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Do risco dos prefixos fora do contexto

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-Pai, o que quer dizer "pan-"?
-Deixa ver! Aqui, no dicionário, diz: "elemento de formação de palavras, de origem grega, que exprime a ideia de tudo, o universo, o mundo; todo, inteiro, completo." E até diz mais: "É seguido de hífen [ou seja, de tracinho] quando o elemento que vem a seguir começa por uma vogal ou por h". Percebeste?
- Percebi, Pai! Mas então o que quererá dizer "panqueca"?
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Há também pessoas que interpretam factos, esquecendo ou minimizando o contexto. O risco ainda é maior, sobretudo quando se juntam para o fazer!
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terça-feira, 13 de abril de 2010

Katin


A 19 de Outubro de 2007 escrevi algo neste blogue sobre "Katin" - episódio hediondo, encoberto e mistificado da II Grande Guerra. Mais recentemente, numa das revistas espanholas que episodicamente leio ("Clio" ou "Historia y Vida", já me não recordo qual, mas foi no número que referia um outro filme que já "passou" em Lisboa, o "Agora") assinalava-se o mérito do filme polaco com o mesmo título ("Katin" ou "Katyn") e sobre o mesmo assunto. A recente tragédia que enlutou a Polónia e que teve lugar em Smolensko, revelando uma lamentável fragilidade do protocolo em termos de segurança, voltou a relembrar - a uma Europa que por vezes assobia para o ar - a sombra sinistra da floresta de Katin, onde uma Polónia foi decapitada em 1940 e para onde, em homenagem, se dirigiam os altos dignitários polacos mortos no acidente aéreo. A verdade é que, a meu conhecimento, se o "Agora" foi já projectado nas pantalhas nacionais, o "Katin" - filme de 2007 - mesmo que estando assinado por Andrzey Wajda, nunca o terá sido [1]. O que faltou para isso? Teria eu de, então, ir a Madrid ou terei eu, hoje, de o mandar vir em DVD legendado em Francês ou Inglês ou de o visionar "em capítulos" no YouTube [2], para o poder ver? Curioso!

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[1] Se o foi, corrijam-me - que eu agradeço e rectificarei este ponto. Existem, aliás, dúvidas quanto à divulgação deste filme noutros países europeus (vd "Katyn" em YouTube) já que "Obliterar a memória é uma forma prática de poupar remorsos".
[2] Está lá, inclusive legendado em Português.
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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Para Contrasta

"Castelhanos" centralistas e feitos à pressa d'aquém Minho: já que de alguma forma quereriam borrar a pintura e manifestar o seu europeísmo, pelo menos pusessem bandeiras galegas!
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domingo, 11 de abril de 2010

Neologismos

Eu, que já atravessei várias reformas ortográficas sem piar (ainda usei o trema para desfazer o ditongo e, vindo de antes dele, vi o h fazer o mesmo serviço em "prohibido"), deliro quando vejo utilmente criadas alternativas para que se evitem palavrões importados. Tenho lutado, sem sucesso, para que se diga "mercancia" (palavra grave) em vez de "commodity" e para que o "e-grama", homólogo de telegrama, passe a designar o "e-mail". Mas hoje senti-me algo reconfortado ao ver publicamente patenteadas duas sucessivas criações: "usabilidade" em lugar de "wearability" e "noteiro fora de serviço", designando como "noteiro" o "come-notas" de uma bilheteira automática. Goste-se ou não se goste, são progressos que revelam alguma coragem. O valor de uma língua pode residir na sua capacidade de criar palavras. E, se não criar, em adaptá-las de uma forma que permita, para futuro, chamar-lhes suas. Na criação, entre outros, Aquilino e Mia Couto. Na adaptação o exemplo dos japoneses e o esforço de muitos profissionais na elaboração de vocabulários especializados.

sábado, 10 de abril de 2010

O juramento dos "opritcheniques"

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Em fevereiro de 1565, após o seu regresso a Moscovo e à recepção entusiástica que lhe foi dispensada pelos moscovitas, Ivan (ou João) o Terrível (melhor tradução daria "o Temível"), engendrou um mecanismo destinado a diminuir definitivamente o poder dos boiardos, no que poderia ainda ensombrar o poder do czar. Para isso dividiu o território russo em duas zonas distintas, uma que lhe era total e discricionariamente afecta - a Opritchina - e todo o restante, a Zienchtechina, em que o poder supremo do czar estava delegado nas senhorias, assembleias e poderes locais. A criação da primeira foi feita chamando ao poder real as zonas mais ricas e rentáveis e atirando os senhores delas expropriados para a segunda. Além disto rodeou-se, na primeira, de uma nova nobreza, os Opritcheniques, instalados e retribuídos pela coroa e que, com forma cruel e violenta, assolavam e saqueavam a Zienchtchina e exerciam continuados crimes contra as populações. Troyat, que conta a história na biografia desse João russo, dá também notícia do seu juramento,que imediatamente clarifica o que eram e pensavam ser: "Juro ser fiel ao czar e ao seu império, ao jovem czarevitche e à czarina e denunciar tudo o que eu saiba ou possa vir a saber sobre qualquer movimento contra eles dirigido por quem quer que seja. Juro renegar a minha linhagem e esquecer os meus próprios pais. Juro também que não comerei, não beberei, nem nunca me relacionarei com pessoas da Zientchtchina. Na fé do que eu beijo o crucifixo." Grande programa!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

9 Abril 1918

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Talvez muitos dos que andam nas Escolas não saibam o que esta data significou. Se mal será nos que aí aprendem, pior será nos que aí ensinam.
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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Uma nota sobre a indústria dos metais em Portugal

"Edifício do antigo Circo Olímpico no Palácio de Cristal do Porto, onde esteve instalado o Museu Industrial e Comercial desde 1885" - imagem e legenda retirados com a devida vénia da pag 15 da obra referida infra (que também a assinala como recolhida de "O Tripeiro" (Porto), V, 6ªSérie, Setembro 1965, p.273)

Em 1983, com organização e prefácio de Maria Teresa Pereira Viana, o Departamento de Etnologia do Instituto Português do Património Cultural editava, em Lisboa e sob a epígrafe de "Indústrias Portuguesas", a série de 30 artigos que, sob o mesmo título geral, Joaquim de Vasconcelos publicara no jornal "O Comércio do Porto" durante os anos de 1886 e 1887, asssinalando a reabertura do Museu Industrial e Comercial do Porto.

Obra essencial para uma fotografia da nossa indústria no último lustro do sec. XIX, a mesma colectânea acaba por debruçar-se sobre a má relação deste País com a indústria e, em termos mais gerais, com a produção - sempre esquecendo que a atenuação do défice se pode fazer tanto pela redução do numerador, sempre penosa e impositiva, como pelo aumento do denominador, mais facilmente esquecido.

O prefácio é, de imediato, importante - transportando-nos à ideia dos Museus Industriais, ao sempre controverso debate entre as iniciativas locais, com destaque para o Porto versus o centralismo da Capital do Reino, pouco confortável nas suas roupagens de Capital dum Império, ao papel do Palácio de Cristal do Porto e das exposições nele realizadas, à instalação e reabertuda do Museu Industrial e Comercial do Porto, à figura de Joaquim de Vasconcelos e ao "desarmar da feira" das intenções e realidades que levaram a tais realizações, com a dispersão de muitass colecções e notícias de salvação de poucas.

Tirando o prefácio (artigo I), os 29 restantes artigos incidem essencialmente sobre tecidos (II a XXII = 21 artigos) [1], cerâmica (XXIII), vidros e cristais (XXIV), mobiliário (XXV e XXVI), escultura em madeira (XXVII e XXVIII) e indústria dos metais, que abrange também a actividade mineira como fonte destes (XXIX e XXX). Concluindo o volume, apresenta-se uma relação das indústrias representadas no Museu Industrial e Comercial do Porto - avisando-se o leitor da metodologia e fontes usadas para o seu louvável estabelecimento mas explicitando-se que "embora deficiente e certamente com inúmeras lacunas, é apenas uma primeira tentativa de sistematização do conteúdo daquele Museu".

Joaquim de Vasconcelos iniciou cada capítulo com uma resenha do respectivo conteúdo, o que constitui uma interessante iniciativa a favor do leitor mais apressado, assim conduzido asinha ao que mais lhe possa interessar. Debruçando-me especialmente sobre a questão dos metais e dos minerais que lhes deram origem, tomei desses dois artigos (publicados respectivamente a 4 e 6 de Novembro de 1887) as respectivas resenhas, que seguidamente transcrevo [2]:

"XXIX
A INDÚSTRIA DOS METAIS
A conquista; como se ganhou com o ferro e se perdeu pelo ouro - Os fidalgos-mercadores - O reino despovoa-se; fecham-se as oficinas - As minas nacionais são abandonadas; falta de elementos para escrever a história da exploração mineira; os escritores especialistas do século XVIII e os cronistas anteriores - Valor das descobertas modernas; a febre mineira traz novos desastres; riqueza das minas de cobre e chumbo; depreciação destes metais; o antimónio no Norte - Apontam-se os resultados das últimas estatísticas - Influência da exploração sobre as grandes e pequenas indústrias nacionais - Não temos ferro, nem carvão? - Onde vamos buscar o algodão? - Onde fomos buscar os metais nos séculos XV e XVI? - O monopólio dos alemães; a casa Fugger e a sua enorme influência em toda a Península - As remessas de cobre e ferro - Actividade dos nossos arsenais e oficinas de armas no tempo da conquista - Onde param as relíquias da indústria nacional? - Os museus de Lisboa, Estremoz e Vila Viçosa; a pilhagem dos espanhois no século XVII e a dos franceses no século XIX - Testemunhos históricois importantes - A organização das oficinas de armas no tempo de D.Manuel I; importância da rápida mobilização do exército."
"XXX
A INDÚSTRIA DOS METAIS (continuação)
Relações da Alemanha com Portugal nos séculos XV e XVI; os impressores alemães e seus serviços à literatura portuguesa - Os impressores e os bombardeiros; privilégios das duas classes - Circunstâncias que concorreram para o predomínio da influência alemã; os mercadores do Norte apoderam-se da exploração das minas, dos negócios bancários do tráfico dos metais, da pólvora e do papel e do fornecimento de trigo; rivalizam com os flamengos; os italianos vencidos - Relações de Portugal com Nürnberg [Nuremberga] e Augsburg; os dous empórios da Renascença alemã foram centros da ciência, da arte e da indústria; sábios e cronógrafos alemães na corte de D.João II e de D. Manuel; importação de instrumentos náuticos - Relações de Portugal com a Flandres e com a França; resistência do elemento nacional; as oficinas portuguesas defendem-se numa luta secular - Influência do luxo; degeneração dos costumes; o desastre de Alcácer rende-nos ao jugo espanhol - Como nos vingamos em 1640; o armeiro renasce e lega-nos os tratados técnicos do século XVIII; merecimento dos novos trabalhos; uma oficina de instrumentos científicos. Continuidade da tradição na oficina portuguesa até aos nossos dias."

Nestas amostras de conteúdos vamos encontrar muitos dos temas que hoje se poderiam reconstruir numa mesma análise: a preocupação por um passado que permanece por escrever e explicar, a distorção das fontes e usos; a dependência exportadora e o conforto pela oficina. O cobertor da preocupação histórica deixa os pés descobertos quanto á realidade presente, tão rapidamente "abafada" nesses escritos do sec.XIX como o poderia ser nos dias de hoje.É permanente e está evidenciado o peso da dependência. Continuamos assim...s raciocinal sem razão, ou seja, esquecendo que qualquer razão tem numerador e denominador e só mexendo num daqueles termos. Pagaremos e faremos pagar por isso.

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[1] A importância conferida aos texteis justifica a respectiva discriminação: tecidos e rendas (II e III), tecidos de linho (IV a parte de VI), tecidos de algodão e mistos (parte de VI a IX), tecidos de malha (X), tecidos de seda em fábricas em laboração (XI a XIII) e fábricas extintas (XIV a XIX), e tecidos de lã (XX a XXII).
[2] Prosseguimos o uso do blogue como um prático e rápido "vademecum" para depositar "estudos, notas e trabalhos" (para usar um tríptico famoso algures invocado e usado pelo Serviço de Fomento Mineiro) com unica sequência ditada pela comodidade e oportunidade. Esta nota é um dos caso. Poder-se-ia guardar, mas penso que vale a pena compartilhá-la. Que a sua utilidade vá além deste breve escrito.

domingo, 4 de abril de 2010

Redacção de Páscoa

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Houve um ano em que a volta do "compasso" colocou a nossa casa em ultimo lugar. Dia quente de Abril fez com que chegassem já suados, pisando os "verdes" espalhados no passeio, a Fé amparada pelas fatias de pão-de-ló e os cálices de vinho do Porto, que sempre se recusavam mas se tomavam a seguir, o alforge para colocar os envelopes fechado nas mãos do Senhor Albino da drogaria, a água benta aspergida, o cansaço reflectido no rosto. Cinco minutos para se sentarem na sala, estendendo as pernas, enquanto o Matreco, meu colega de escola, com uma opa que lhe era 2XL, continuava no passeio a dar ao badalo, para que as pessoas o vissem. Um cagão! E para mais, um badalar desnecessário, porque - naquele ano - o compasso parava ali. Depois vinha logo o muro da Câmara, e o compasso recolhia a passos entropeçados de cansaço e vinho, subindo a Avenida que fora da República, era transitoriamente do Marechal Carmona e seria demasiadamente tarde restituída à República. O sino chamava-os, de longe. Na segunda-feira de amanhã o Senhor Albino tinha de voltar a vender gesso-cré, creolina para pôr no chão e afastar o tifo quando o Verão chegasse, bolas de naftalina para botar na gaveta, entre os agasalhos guardados. Acabadas as férias, o Matreco, despida a opa, voltaria a encaixar lápis e canetas na caixa de cartão que trouxera limas da Fábrica Tomé Feteira, algures em Vieira de Leiria, rótulo amarelo, terra que se nos afigurava muito longe. O Abade, que se chamava Floriano e não nos suscitava grande simpatia, voltava aos seus domínios, na torre única e azulejada por fora.
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Hoje há Câmara, mas já não há casa. Aquela casa. O betão comeu-a. Também havia fábricas. Lá e cá e em Vieira de Leiria. O Abade Floriano saiu, mas antes o beatério afecto prantou-lhe um retrato na sacristia, em anunciada homenagem. Luzida ou não a dita, "nós" não pusemos lá os pés e não sei se o retrato continua exposto. Veio então outro padre, chamado Costa. Depois desse não sei, não me devotei à dinastia dos padres daquela freguesia que nem sequer eram uns filhos dos outros. Em compensação ainda recordo os rios e afluentes, as linhas de comboio, os reis das dinastias todas e só não entendia porque se falava tanto de reis e tão pouco de presidentes da república, salvo o do retrato que estava ao lado do outro, do que não era presidente da república nem rei mas de quem toda a gente dizia, entre louvores ou resmungos, que era afinal quem mandava.
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Em termos religiosos, avizinhava-se o pior do ordinário, que era (e é) o "Tempo Depois do Pentecostes". Chato como a potassa, que o Senhor Albino também vendia em pacotinhos para as barrelas. Nunca mais acabava: os exames, a escola em férias, a malta em férias, o horror da praia, a poeira na Avenida, uma enorme chatice. Ainda vinha longe, mas, com o calor e com o início do "último período", já se podia cheirar. Era engraçado, no entanto, apreciar como o calor favorecia o vagaroso crescimento das mamas nas mocitas da minha idade - que, fora disso, eram umas desengraçadas "tinhosas", tinham uma escola diferente, estavam afastadas de nós na Igreja e de quem já sabíamos, de ciência certa, não terem pila. Não era bem-visto falar em certas coisas, que os que tinham irmãs ocultavam numa evidente conivência, mas essas estranhas diferenças, embaraçados silêncios e impostos afastamentos não deixavam de provocar crescentes curiosidades! Quanto às mamocas em pré-projecto, o"calor dilata os corpos", como dizia o meu amigo Martinho, que era mais velho, ia para casa de eléctrico (morava em Coimbrões), topava a vizinha a manobradamente namorar ao portão e já estudava Física, dentro das Ciências Naturais. Ele sabia mesmo!
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Imagem: cortesia a http://3.bp.blogspot.com
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sábado, 3 de abril de 2010

"Surfe-se" quem puder!


"Mas há sempre quem ganhe quando colectivamente nos afundamos."


Pedro Adão e Silva
in
"Vivemos todos num submarino"
in
"Crónica Espectador Comprometido"
in
"i" (jornal, Lisboa) de 2 Abril, pag 8

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cristas

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quinta-feira, 1 de abril de 2010

2010: Abril



Lá diz o ditado: Em Abril águas mil coadas por um funil... (outros dizam "passadas")
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Imagem: De http://www.lifeway.com/clipart/downloads/mon_april.jpg, referindo e agradecendo.