sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

A fera...

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Tranquilo, observando!

O ameaçador "Pizza" passando ao ataque ("o" porque é macho!)
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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A axiomática de Peano

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Giuseppe Peano

No tempo em que no curso dos liceus se fazia o estudo da designada "Aritmética Racional" havia, como um dos possíveis pontos de partida, um conjunto de enunciados que sempre me fascinou e que era a chamada "axiomática de Peano" [1]. Eram, se bem me recordo, os seguintes:

1. Zero integra-se no conjunto dos números naturais (por vezes enunciado como "Zero é um número natural").
2. O sucessor de um número natural é outro número natural.
3. Nenhum número natural têm zero como sucessor.
4. Se dois números naturais são diferentes, então os respectivos sucessores também serão diferentes (o que por vezes se enuncia como: "Se dois números naturais têm o mesmo sucessor, então são iguais")
5. Se uma propriedade for verificada para Zero e se, assumindo que é verificada para um número natural N, se puder demonstrar que também se mantém válida para o sucessor de N (ou seja, N'=N+1), então essa propriedade é válida para todos os números naturais.

O enunciador desta axiomática, Giuseppe Peano (1858 - 1932), foi um notável e prolífico matemático italiano que se salientou nos campos da lógica matemática e que deixou uma marcante obra de conteúdo lógico e filosófico. A procura da exactidão e de uma formulação eminentemente lógica levou-o ao desenvolvimento da lógica simbólica, com criação e proposta de uma notação própria, e a debruçar-se sobre a necessidade de uma língua universal (Interlíngua ou Latino sine flexione), diferente do Esperanto, que servisse para melhorar a comunicação em ciência. Outro aspecto dessa sua preocupação encontra-se na questão e debate do que possa ser uma definição correcta em matemática, questão que abordou em 1900 numa sua comunicação sob o expressivo (e socrático) título de "Como definir uma definição?"

Os axiomas acima referidos, juntamente com outros sobre a igualdade, foram expostos numa obra de 1889, "Arithmetices Principia Nova Methodo Exposita" - constituindo o 5º e último supra enunciado a base do processo demonstrativo designado como indução matemática. Como judiciosamente nota um dos artigos que sobre o assunto podem ser consultados [2] " observe-se que o aqui chamado de "Zero" não é necessariamente o que normalmente consideramos como número zero. Um modelo para os axiomas de Peano é o que conhecemos por conjunto dos números naturais {0,1,2,3,4,5,...} com a operação de sucessão definida como N' = N + 1, mas a definição acima é genérica e pode ser aplicada a outros conjuntos (por exemplo, o conjunto das potências de 10 {1, 10, 100, ...} com "0" = 1 e o sucessor N' = 10 N)".

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[1] Postagem feita com preito de admiração ao Dr. António Augusto Lopes, Professor de Matemática no 6º e 7º Ano (respectivamente 1952-1953 e 1953-1954) do Liceu Alexandre Herculano no Porto e que, quando os excelentes Professores constituiam a regra, magistralmente nos ensinou Aritmética Racional... apresentando precisamente a "axiomática de Peano" e o "método indutivo" como "pedras-bases" para abordar esse ramo da Matemática. Esta postagem será igualmente colocada no blogue www.lah-1954.blogspot.com que ao LAH, na generalidade, e a esse Curso, na especialidade, se refere.
[2] Vide, entre outros, http://www.ime.usp.br/~leo/imatica/historia/peano.html. Quanto a uma detalhada biografia de Giuseppe Peano, desde a sua origem modesta até ao papel relevante que, já professor da Universidade de Turim, viria ter no diálogo matemático do seu tempo, vide, também entre outros, o desenvolvido artigo http://en.wikipedia.org/wiki/Giuseppe_Peano.

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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Ilustradores famosos dos EUA: 15. Edwin A. Abbey

Henrique VIII e Ana Bolena

Com um traçado bastante clássico e uma grande preocupação pela coerência histórica das suas gravuras, Edwin Austin Abbey (1852-1911), que geralmente assinava Edwin A. Abbey, ilustrou jornais e revistas na transição dos secs XIX e XX antes de se dedicar preferencialmente à pintura - e, nomeadamente, à realização de grandes murais, como os que deixou em edifícios ou locais públicos da Pennsylvania. Foi um ilustrador dedicado de obras de Shakespeare e/ou de comentários sobre estas, bem como de temas vitorianos, publicados na imprensa americana (vg. Harper's Monthly Magazine, entre outros periódicos). As gravuras apresentadas são bem demonstrativas da sua arte:

Falstaff e o seu pagem (para Henrique IV, de Shakespeare)

O julgamento de Ann Hutchinson [1]

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[1] Em 1638 Ann Hutchinson - que, de Inglaterra, chegara a Boston 3 anos antes com o marido e 15 filhos - foi a primeira mulher a ser julgada num tribunal da Colónia da Baía de Massachussetts por afrontar os princípios fundamentalistas ultra puritanos que regiam aquele estabelecimento. Acusada de defender a presença simultânea de homens e mulheres nos ofícios religiosos e submetida a um julgamento desigual em que corajosamente fez a sua própria defesa, foi banida da Colónia, com dezenas dos seus seguidores. Ann Hutchinson deslocou-se para a região onde hoje se situa Nova Iorque e onde, já viuva, terá morrido com três dos seus filhos, em 1643, durante um ataque de genuínos americanos (i.e. "peles-vermelhas").
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terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Do orifício ("no sense")


A, B estão no jardim, sentados no espaço deixado pelas cadeiras de ferro que foram roubadas (um cartaz explica isso). O Cubo também está com eles. Nada definido, salvo o nascer do sol e o banco redondo que suporta o Cubo. Lol!

A: - Sabes tu como se fabrica um orifício?
B: - Não!

A: - Pois digo-te eu: nada mais fácil!!! Queres ver?
B: - Já agora!

A: - Tomas um cubo de material! Por uma face do cubo... Ouve lá, queres um orifício cilíndrico ou prismático?
B: - Quero cilíndrico.

A: - Muito bem! Oitenta por cento das pessoas rejeitam o prismático. Tu também?
B: - Eu também!!!

A: - Então continuemos. Por uma face do cubo e com uma broca adequada, abres um furo cilíndrico que vai até ao lado oposto. (A, com uma gigantesca broca de dentista, abre o orifício através do Cubo) Tens pois definido o orifício. Estás a ver!
B: - (pegando no Cubo e olhando a plateia através do orifício) 'Tou!

A: - (retomando o Cubo e desbastando-o gradualmente, aoós mudar a cabeça da broca) Agora: com muito cuidadinho vais retirando o material do cubo que está em torno do orifício, deixando este livre. Quando acabares só tens o orifício... Já 'stá!!!
B: - E posso levá-lo comigo?

A: - Podes, mas terás de ter muito cuidado porque os orifícios são extremamente frágeis e discretos. E há muita, muita gente, que os não vê, ficas a saber!
B: - Obrigado! És um amigalhaço!

A: - Olha outro exemplo: o buraco no assento do banco redondo pertence ao banco ou não pertence?
B: - Isso é uma outra questão toroidal que não quero por agora discutir. Pergunta ao Donuts ou ao primo dele! Mas, a propósito, trago-te uma boa notícia!

A: - Ah sim, e qual é?
B: - É que já há formigas no canteiro das prímulas... e isso quer dizer que, finalmente, vêm aí os dias mais quentes! Táo certo como S.Martinho das Moitas ser a freguesia mais a Norte do concelho de S.Pedro do Sul! E, sendo assim até chegar o verão, vamo-nos já a elas! A elas!!!

A e B saem do palco, empunhando tacos de basebol e frascos com rótulos já amarelecidos de pós de Keating. Dois vigilantes vestidos de escravos númidas retiram do chão os despojos do Cubo e a luz do sol apaga-se. No canto direito do palco um grupo de manifestantes TNM atira os celulares a um grupo de manifestantes Cómix. Houve-se ao longe uma voz tonitruante:

A Voz: - Isto só pode ser obra do ZéApagão, que não quer gastar em luz mais que um tostão.

Vigilantes, despojos, manifestantes e formigas retiram-se, soltando borborismos. Enquanto o pano corre, ao som de adufes e flautas de Pã, B reentra desaustinado a buscar o orifício, de que se tinha esquecido. Põe-no debaixo do braço direito e sai de corrida, imediatamente a seguir. O orifício, em solo de trompa, agradece aplausos, vaias e legumes atirados.

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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Lembrando aos fregueses!

Calçada do Combro, Lisboa

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O concerto-lição do Mestre do Clavicórdio , Professor Bernard Brauchli, na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, em Beja, a 23 de Fevereiro

O longo título desta postagem tem uma finalidade: orientar o discurso para múltiplas coisas. De facto o evento, ontem ocorrido como 4º concerto do 4º Festival de Música Sacra do Baixo Alentejo - "Terras Sem Sombra" merece-o, como o merece o local, como ainda merece a cidade. Comecemos por aí, ressalvando que as presentes notas foram tiradas de apontamentos coligidos "in loco" pelo bloguista e cujo rigor apenas este compromete:
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Do acesso a Beja em tarde de tempestade
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Quando em 5 de Janeiro de 2007 postei a "meridiana do rectângulo" como uma ideia desenvolvida em 1975 para o traçado rodoviário (autoestradas) do território do Continente, tinha nesta implícita a necessidade de dotar as capitais de distrito com adequados acessos, que - uma vez adoptada a linha Norte Sul por caminhos mais próximos da costa - pudessem compensar o fardo da interioridade. Entre essas capitais ainda menos favorecidas por adequados acessos, destavaca-se Beja. Poderá ser que se pense nisso em ligação com os desenvolvimentos previstos para Sines e a criação de um "hinterland" decorrente do porto, mas a verdade é que um melhorado acesso se impunha só por si e que, de facto, desde a conclusão da A2 nada está ou foi feito nesse sentido. Uma capital de distrito tem exigências nacionais. Ora os 52 km que separam Beja do nó da A2 em que o acesso se sinaliza não estão adequados a essa exigência de uma comunicação moderna, em quaisquer condições. A tarde de tempestade de ontem é suficiente para o demonstrar. [1]
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Da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres
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Comete o pecado de presunção, parente do orgulho, o forasteiro que pensa conhecer toda a riqueza e beleza de uma cidade antiga. Assim poderia o bloguista prosseguir um exercício de auto-crítica (e não auto-flagelação, entendamos!) que ontem iniciou ao atravessar a porta da pequeno templo, quase intimista na sua dimensão, de Nossa Senhora dos Prazeres, na cidade de Beja. Exaltação do Barroco, construída no sec. XVII entre os reinados de D.Pedro II e D.João V, tudo ali impressiona, da arquitectura geral, à talha dourada, à escultura religiosa, à azulejaria, à pintura (em quadros e no tecto), ao mobiliário, justificando plenamente a afirmação então feita, na apresentação da sessão, que "quase se poderia dizer que não há um centimetro quadrado desta igreja que não esteja revestido por uma manifestação de arte." Intencionalmente convergindo na apresentação do local com a apresentação do concerto, como aliás já feito nas anteriores sessões, os responsáveis pelo Festival, e em particular a diocese de Beja, permitem a apreciação conjunta de várias formas de arte - e um enquadramento histórico de realçar - tudo valorizado pela avaliação cuidada das qualidades acústicas e das condições de apresentação. No presente caso houve inclusive a precaução de, em colaboração com a Câmara Municipal, se desviar o trânsito próximo - impedindo a perturbação que havia sido notada num concerto em anos anteriores, mas não sem que tão louvável medida impedisse um descuidado solo de "Nokia Tune"durante a Fantasia em Ré Menor de Mozart, que foi o extra com que o Mestre brindou a assistência.[2]
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Do Professor Bernard Brauchli
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De grande afabilidade e modéstia, o Professor Bernard Brauchli - com vagas semelhanças fisionómicas a Duarte Pius de Bragança - traz consigo um curriculo admirável de estudioso e intérprete de instrumentos de tecla antigos, e designadamente do clavicórdio. Tendo iniciado a sua carreira de clavicordista em Friburgo, em 1972, é um nome saliente da especialidade, conhecido como o "sumo sacerdote do clavicórdio", como se pode comprovar por uma rápida navegação na "net" sobre o seu nome. Já o texto do catálogo geral do Festival tinha tornado evidente que o presente concerto colocaria a audiência na singular posição de estar perante uma autoridade mundial no tema. Porém o desenvolvimento a este dado e a forma como foi feito traduzem dois aspectos singulares do evento: a combinação entre uma qualidade artística inquestionável e uma excelente qualidade didáctica, de comunicação, expondo sobre este instrumento de uma forma muito clara, com projecções adequadas a uma ampla divulgação da sua mecânica, da sua história e da sua representação na arte (com referência ao MNAA e a S.João de Tarouca) - exposição esta que prendeu uma assistência curiosa e entusiasmada e que nos merece adicional respeito por ser toda feita em Português. De facto Bernard Brauchli estudou também em Lisboa, com o musicólogo Macário Santiago Kastner (1908-1992) - a quem, evocando o centenário do seu nascimento, que este ano decorre, brindou o presente concerto.

Do clavicórdio

Instrumento de corda percutida, com um mecanismo bastante simples, o clavicórdio surge no sec. XV e atinge uma ampla divulgação - como atesta a sua representação na arte europeia, desde a Escandinávia até à Ístria e à Península Ibérica, passando pelas Ilhas Britânicas, França, Alemanha, Austria, Rússia e, certamente, Itália. Sem entrarmos aqui nos pormenores da sua construção e nos seus sucessivos refinamentos, como expostos pelo Professor Brauchli, cingir-se-á a presente nota ao aspecto especial que o clavicórdio assumiu em Portugal e Espanha. A possibilidade interpretativa dada pela sua construção, de forma idêntica à que pode ser obtida de uma corda de viola, permitia uma certa diferença de execução e sensibilidade relativamente aos instrumentos de corda beliscada (ou pinçada) como a espineta e o cravo, que surgiram mais tarde (2ª metade do sec. XVII) e com os quais, na Europa Central e Itália, o clavicórdio viria a ficar em relativo desfavor. Mas em Portugal e Espanha o clavicórdio ganhou especial estima, nomeadamente pelo entusiasmo manifestado por Carlos V e as suas irmãs, que diariamente nele se exercitavam, e pela Imperatriz Isabel (Isabel de Portugal) mãe de Filipe II de Espanha (I de Portugal). Assim é que, na Península, o clavicórdio "vence" o combate com os instrumentos de corda beliscada e consegue mesmo chegar ao sec. XIX, só então "cedendo" perante o pianoforte. Portugal teve vários e bons construtores e reparadores de clavicórdios, produzindo excelentes instrumentos até á 2ª metade do sec. XVIII - sendo um dos dois instrumentos usados neste concerto uma cópia do construído no Porto por Manuel Sousa Carneiro, em 1794. Outros locais de referência passam por Braga e Coimbra. No "Museu da Música" em Lisboa, tal como no Musée de La Musique de Paris, o instrumento está bem representado e explicado.

Do Concerto

Procurando reunir peças representativas do clavicórdio no mundo mediterrãnico, o programa do concerto está acima dado. Pela sua presença de 15 anos em Portugal e pela influência da música portuguesa em muitas das suas sonatas, destaca-se o nome de Domenico Scarlatti (1685-1757) que foi mestre-capela de D. João V e professor da Infanta D. Maria Bárbara, que acompanhou na sua viagem e fixação em Espanha após o casamento com o príncipe Fernando de Espanha em 1729. A primeira destas sonatas (Scarlatti escreveu mais de 550, de estrutura muito peculiar) traz consigo a melancolia da peça popular portuguesa em que se inspirou. Como "extra" Bernard Brauchli interpretou a fantasia em Re Menor de Mozart. Muito ovacionado pelas cerca de 70 pessoas presentes (apesar do frio e da tempestade também presentes lá fora e de progressão anunciada), o presente concerto poderia ter prosseguido pela noite fora, sem que ninguém demonstrasse o menor cansaço.
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Concluindo
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Eventos com a qualidade deste merecem o comentário que um Tio do bloguista, grande viajante e refinado "connoisseur", lhe fez um dia a propósito dos lagos italianos: "são locais a não visitar sozinho". Certo é que o desejo de compartilhar o belo exige uma comunhão nem sempre possível ou acessível de imediato. Mas, já que assim são as coisas e na ausência desse essencial pressuposto, nesse caso, como no presente, torna-se supletiva a filosofia egoísta mas utilitária do "mais vale contemplar sozinho do que não contemplar nada". E assim, feitos os necessários anúncios a quem poderia também agradar o evento, "enquanto o pau vai e vem folgam as costas"!
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[1] Uma observação lateral, que se põe em rodapé, diz respeito à extensa depredação que a sinalização em alumínio das nossas auto-estradas e vias-rápidas vem sofrendo. Indicações importantíssimas ao nivel de orientação e de serviços essenciais, como p.ex. hospitais, têm sido retiradas por encapotadas e criminosas mãos, motivadas pela "alta" do mercado de metais. A impunidade com que isto se processa e a demora de reposição em qualquer material disuasor é flagrante e impressiona. A verdade é que a rede dos culpados abrange igualmente os receptadores e é por aí que se deve começar a procura da ponta do fio na meada. Não se trata de furto de simples metal: trata-se do furto de sinalização.
[2] Ficou-se com enorme desejo de conhecer a Igreja de Nossa Senhora aos Pés da Cruz, também em Beja e que por várias vezes foi designada como "émula" desta, se assim se pode dizer. Nela decorre ou vai decorrer uma importante intervenção de restauro. Fica registado. Fica também para registo que a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres tem à venda uma interessante memorabília facsimilada e também bibliografia útil e relativa ao património artístico da Diocese, que - uma e outra - apenas se viram de longe - pois não era esse o motivo que ali no momento nos levava.
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A tempo:
Por mero lapso, não foi referido que na pag. 42 do JN do dia 23 este concerto foi noticiado, como segue. Embora com diminuta (nula) antecipação, para uma realização que teria lugar em Beja - num jornal que se destina - para não falar dos que são exteriores às fronteiras - a leitores de S.Gregório ao Cabo de Santa Maria , ou de Paradela do Rio ao Cabo Raso, e Açores e Madeira de ponta a ponta, já é um bom esforço ("nice try").

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sábado, 23 de fevereiro de 2008

Uma exposição a não perder..."Los Caprichos" de Goya, em Lisboa

Porque é um facto importante a marcar e porque a postagem anterior permite a associação de ideias que a palavra "exposição" arranca, faz-se o seguinte "aviso á navegação": NÃO SE PERCA a exposição de "Los Caprichos" de Goya, patente até 31 de Março no Instituto Cervantes, Rua de Santa Marta, em Lisboa. Além da apresentação das estampas e de nótulas gerais sobre Goya e a sua intervenção e técnica gravurista, cada uma dessas 80 gravuras é acompanhada por duas interessantes interpretações que ajudam a compreender a intenção crítica e satírica do Mestre, provenientes de duas fontes históricas também identificadas no pequeno folheto diponível (A5, mas cuidadamente instrutivo), cuja "frente" se dá acima. Não conte o visitante interessado demorar pouco tempo na visita! Até talvez seja vantajoso voltar para uma "segunda volta", já na especialidade (como o bloguista pretende fazer). Mas, sobretudo, NÃO SE PERCA O EVENTO e não se espere pelos últimos dias. O horário, das 09:00 às 20:00 de segunda a sexta, excepto feriados, permite uma razoável amplitude de escolha.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Família de Saltimbancos, de Pablo Picasso

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Ao procurar esta obra de Pablo Picasso, para me referir a uma exposição que me dizem ir ter lugar (mas que não pude confirmar e desconfio serem reminiscências serôdias da grande mostra que decorreu em Madrid nos finais de 2006 / início de 2007), reencontrei com surpresa - fora da obra plástica que buscava - a expressão "parece a Família Piranga" que "DespenteadaMental" recorda no blogue "Ideias em Desalinho", em postagem de 12 de janeiro de 2005, na mesma acepção depreciativa que creio vir do humorista dos costumes lisboetas Armando Ferreira (1893-1968, mas em obra editada em Lisboa, em 1939, pela Guimarães Editora e que descrevia as vicissitudes duma família provinciana vinda então à capital) e que de há muitos anos se usa para designar confusão num qualquer colectivo desordenado (ou como referido ou nas formas substantivadas i.e."pirangadas" ou "piranguices"). O patronímico existe, em Portugal e no Brasil, onde também aparece tanto na geografia como na designação de seres vivos (animais e vegetais), e há mesmo a hipótese da expressão ter sido importada, em alusão a comportamentos do designado saguí-piranga (vd. mico-leão-dourado, hoje em extinção). Aplicável e aplicada a alguns foruns em que participo ou que entendo melhor observar de longe, combina a minha parte de erro quando neles estou presente com uma residual sageza quando deles me afasto.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Picos e cambalhotas

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Tufo de agaves: picos e cambalhotas
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Há coisas que um dia serão estudadas. Porque se não fez isto, porque se não fez aquilo, ou porque se fez isto deste modo e não daquele? As dúvidas certamente irão ser postas, formuladas, já que, em si, são a parte menos difícil e mais conhecida. As razões poderão ou não subsistir, poderão ou não ser acessíveis a quem, vindo do espaço-tempo, queira no futuro responder a essas questões. Algumas (muitas) estarão esquecidas, outras - de tensão de vapor mais alta a uma mesma temperatura - ter-se-ão evaporado, outras ainda jazerão esquecidas nas pastas dos arquivos até que as próprias perguntas, como nos "Póstumos Natais" de David Mourão Ferreira, percam de todo o sentido. Escaparão algumas coisas, indícios, hipóteses - pouco mais que isso - para tranquilidade de muitos que, se necessário, estarão sempre prontos em ingressar em novas e úteis cambalhotas. Os factos que se perdem no tempo, redundam geralmente em vantagem de alguns e em esquecimento de muitos. É o terceiro primcípio da termodinãmica instalado na vida quotidiana: a entropia sempre aumenta. Pode aumentar mais ou menos, mas aumenta.

Uma questão interessante que poderá surgir, nesses futuros estudos deste passado que "o nosso tempo" então será, é o estudo tópico da relação entre a ciência e a prática política. Já uma vez, em plena Revolução Francesa, o assunto ficou liminarmente resolvido com o "La République n'a pas besoin de savants" que selou o destino de Lavoisier - como mais definido fica e ficará quando qualquer poder político se embrulha com qualquer religião para diferenciar as verdades que não interessam das que interessam e, de qualquer forma, impor estas. Por outro lado, há o "saber dar a volta: Johnathan Swift propôs a elaboração por assinaturas de um "Manual da Mentira Política" que, certamente porque desnecessário, não teve grande sucesso; um iluminado e autoassumido intérprete da história, nesta mesma terra, afirmava recentemente ao "Sol" que "existe [sic] várias formas de contar a mesma história, mas existe sempre a história verdadeira" de que natural e implicitamente aí mesmo se reclamava.

Tudo isto vem a propósito de um de muitos "casos" que se podem identificar por aqui: o caso da co-incineração. Face a recentes notícias, retomei da estante a obra "Co-incineração: Uma guerra para o noticiário das oito", que teve como autores Casimiro Pio, Henrique de Barros, José Cavalheiro, Ricardo Dias e Sebastião Formosinho, e foi editada no Porto pela "Campo das Letras" em Maio de 2003... já lá vão quase 5 anos. Os Autores integraram a nomeada e "enterrada" Comissão Científica Independente (CCI), que um coro de (alguns) políticos, ecologistas, autarcas e juristas, reunidos na face visível do iceberg e nos MCS, assobiou e pateou ruidosamente enquanto durou. Mas CCI essa que fez trabalho e comunicou as suas conclusões, contra ventos e marés. Fizeram bem os seus referidos membros em publicar o livro e o CD documental que o acompanha e que será um referencial excelente para o tal estudo futuro. Faltou nesta abordagem uma componente, cuja ausência se compreende mas que (se possível fosse) acrescentaria utilidade: a informação dos perfis curriculares dos Autores e de outros tantos personagens que os textos referem. Para memória futura, claro.

Não me vou imiscuir neste assunto, que está - por uma longa duração até recentemente inoperante - a transformar-se num dos "problemas não resolvidos numa geração" e pelo qual todos pagamos, de uma forma ou de outra. Citarei apenas um precedente, de nós bem conhecido, e que deveria ser olhado sem a empáfia dos que hoje o ignoram. Está logo à entrada, na pag. 13, no texto de Sebastião Formosinho intitulado "O papel da ciência numa sociedade desenvolvida" (texto que eu aconselho a muitos, como fonte de meditação):

"Também no passado remoto, em Abril de 1846, as populações do Minho se irritaram com as "leis da saúde" que proibiam o enterro dos mortos nas igrejas. Questão de higiene pública. É certo que a revolução da Maria da Fonte, como se chamou esta contestação violenta, tinha contornos políticos e de impostos, mas concitou um forte apoio popular, que hoje se vê como obscurantista por ser contrário às luzes da razão científica, devido á proibição do enterro nas igrejas. No passado, como hoje a propósito da co-incineração, assustou-se a população para fazer vencer outros interesses."

Quanto a outros universos, naturalmente picantes e cambalhoteiros, ofereço - supra - a mensagem simbólica de um tufo de agaves.
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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Poesia Matemática, de Millôr Fernandes

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Para o “blogue” do nosso curso do Liceu (www.lah-1954,blogspot.com) o meu ilustre Colega e Amigo Rui Abrunhosa desencantou um poema de Millôr Fernandes que, logo que o li, foi por mim designado com um desavergonhado “tu não me escapas”. E disse-o ao Rui, autor do “achamento” (de facto a diferença entre “descoberta” e “achamento” é subtil, mas antiga…) pelo que me sinto à vontade para fazer aqui essa transcrição. Então o “apossamento” assim anunciado aí vai:

"POESIA MATEMÁTICA


Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se,
Um dia,
Doidamente,
Por uma Incógnita.
Olhou-a com o seu olhar inumerável…
E viu-a, do Ápice à Base.
Uma figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela.
Até que se encontraram
No infinito.
“Quem és tu?” indagou ele
Com ânsia radical.
“Sou a soma dos quadrados dos catetos.
Mas pode chamar-me de Hipotenusa.”
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs –
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação;
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Rectas, curvas, círculos e linhas sinusoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim! resolveram casar-se.
Construíram um lar.
Mais do que um lar,
Uma perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissectriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro,
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos
E foram felizes
Até àquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Frequentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fracção
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a relatividade
E tudo o que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.”

Millôr Fernandes

E mais dizia o Rui Abrunhosa ter recolhido este poema do “«Jornal de Poesia» - Millor”, em http://www.revista.agulha.nom.br/millor.html . Mas, se o Rui dizia isso, o transcritor, que fui eu, não se calava e, após uma saudação breve, ditava para os autos aproximadamente o seguinte:

“Aliás recorda-me (esta) uma brevíssima “poesia química” de um autor francês de SF, cujo nome (e a correcta poesia, em lugar da duvidosamente relembrada que segue) procuro localizar de há muito… sem contudo a encontrar, mas que, salvo erro grosseiro, dizia qualquer coisa como isto::

“O jovem C2H2
Enamorou-se da jovem H2
E depois de meses de amor ardente
Nasceu C2H4”

Mais rápida e curta, mas terminando certamente "ainda antes da crise".
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terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Adivinha alentejana

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Escutada de um genuíno alentejano no sábado, 9 do corrente, em Lisboa:

- E o compadre sabe quando é que se juntam dois chaparros?

- ???

- É quando um se põe à sombra do outro!

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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Um pós-escrito num e-grama...

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Há mensagens que nos fazem sentir bem. Que dizer, assim, de um simples e-grama [1] que, a seguir à assinatura do remetente, beneficia o destinatário com a transcrição, em pós-escrito, do seguinte poema de Ricardo Reis?

Para ser grande, sê inteiro: Nada
teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

no mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

brilha, porque alta vive.


Ricardo Reis


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[1] "e-mail", em gringuês
[&]imagem com a devida vénia a
images.blogg.typhon.net/720000/716000/716053.jpg


domingo, 17 de fevereiro de 2008

Pode um pinheiro mostrar flores roxas?

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De facto pode, anunciando já uma primavera que se aproxima!

(homenagem a pessoa Amiga, que pacientemente esperou para ver esta foto!)


sábado, 16 de fevereiro de 2008

O 4º Concerto do Festival "Terras sem Sombra"

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É já dentro de uma semana, no dia 23, sábado, que, em Beja e na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres - Museu Episcopal, pelas 21 horas, terá lugar o recital comentado "O Clavicórdio no Mundo Mediterrânico", pelo artista suíço Bernard Brauchli, 4º evento do 4º Festival de Música Sacra do Baixo Alentejo "Terras sem Sombra", de que já tanto se tem aqui falado. Reproduz-se, acima, o respectivo convite - que contém uma "Fuga para o Egipto" em azulejo, digna de figurar na mostra anteriormente aqui realizada sobre esta temática.
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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

S. Valentim vs/ S.Desvalentim

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Quem ontem - dia 14 de Fevereiro ou dia de S. Valentim - abriu o Google certamente encontrou esta inesperada imagem de celebração do recém inventado "Dia dos Namorados". O inesperado da imagem não está no casal que festeja a data - está no interessante e exortativo facto de serem representados como VELHOS. Deixa-se à reflexão (ou à consciência) de cada um o que poderá (ou quererá) significar isto? Porque numa sociedade que, a todo o preço, procura endeusar e repor a juventude perdida mesmo quando botulizada ou repuxada (ou aldrabada de qualquer maneira: em pensamentos, palavras, obras e omissões), isto - no Google [1] - quer de facto significar qualquer coisa!

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[1] E na Notícias Revista (suplemento do DN e do JN) de 10/2

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Dos camaleões e da sua relevância processual

Escher, "Camaleões engaiolados"

Deveria lembrar hoje S.Valentim? Talvez, não como devoto do dito santo - mas, mesmo assim, prefiro deixá-lo para amanhã, como descoberta importada e recente mas útil em termos de consumo, e antes considerar com a devida atenção e vénia a notícia publicada num jornal de hoje [1] quanto à invocação de uma lenda possivelmente oriental que mete camaleões e que fundamentou o arquivamento de um processo disciplinar, "explicando o inverosímil" e demonstrando a relevância jurídica que podem ter os camaleões e as lendas de quaisquer azimutes, quando invocadas para - nos autos - justificar uma decisão. Transcrevo pois:

"[...] Por temer uma invasão, um rei de um pequeno reino pretendia agradar ao rei de um reino maior, mandando um súbdito oferecer-lhe dois camaleões. Só que, durante a viagem, o subordinado foi subornado por dois homens ricos e deu-lhes os dois animais. Mas, quando chegou à presença do rei mais poderoso, fez de conta que a caixa ainda continha os dois camaleões. Espantado, o rei perguntou: "Então onde estão os camaleões?". "Não estão aí? Olhe, se calhar comeram-se um ao outro!", respondeu o emissário do rei submisso."

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[1] Jornal de Notícias, 14/2/2008, pag.14

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Dresden. 13 de Fevereiro de 1945


O memorial no cemitério Heidefriedhof, em Dresden:

"Wieviele starben? Wer kennt die Zahl?
An deinen Wunden sieht man die Qual

der Namenlosen die hier verbrannt

im Hoellenfeuer aus Menschenhand."

("Quem saberá o número dos que terão morrido?/ Nas vossas feridas vê-se a agonia/ dos que tiveram nome e aqui foram queimados / numa infernal fogueira feita por mãos humanas.")

Picasso, "Guernica" [2]

"Picasso criou uma obra que continua a comover. Não representa nem aviões nem inimigos. Está cheia de mortos e de corpos feridos. Poder-se-lhe-ia chamar "Dresden" ou "Hiroshima". [...] Graças a este famoso quadro de Picasso, o nome de Guernica não foi esquecido - como sucedeu a tantas outras terras que tiveram um destino semelhante."

Alexandra Hildebrand,
directora do Museu do Muro de Berlim (2007) [1]
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[1]http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2459321,00.html
[2]imagem já mostrada neste blogue a 27 de Abril de 2007 i.e. aos 70 anos + 1 dia sobre o 26 de Abril de 1937


terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O passar do tempo

Gustav Klimt, "As tres idades da mulher",1905

Descreve-se, na biografia de Francisco de Borja, a sua reacção (como acto de recusa ou de revolta) ao perecimento das coisas mundanais quando, aos 29 anos, constatou a destruição da beleza pela morte. Mas não é preciso que a morte chegue para que tais apagamentos, bruscos ou continuados, se possam verificar - basta para isso o inexorável passar do tempo, dia a dia, minuto a minuto, pulsação a pulsação, segundo a segundo. Hoje mesmo - e não foi ao narcisicamente mirar-me no espelho - quase concordei com ele.
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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Portulacácea

A "erva dos elefantes"

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Mustafa Kemal "Ataturk"

(~1881-1938)

Soube fundar uma República laica

sábado, 9 de fevereiro de 2008

À coca!

"Julião", sem palavras...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

A "Canção da Candeia Acesa"

chandelle

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Nunca fui um admirador entusiasta da poesia de Afonso Lopes Vieira (1878-1946) [1]: a sua presença sistemática nos livros, nas citações e nos recitativos do ensino oficial e dos media de então levantava-me algumas dúvidas e, sobretudo, a apologia da pobreza feliz parecia-me quer "adoçar" uma certa realidade que eu percebia existir e que não era bem aquilo, quer trazer uma aceitação e uma recusa a um desafio que igualmente me não pareciam muito certas. Pobre poeta, que certamente não tendo estas intenções, se via assim catapultado e polarizado pelos manuais do regime para uma talvez injusta percepção de "poesia em papel selado". Por isso encontrei interesse, numa das minhas deambulações, num poema simples citado num jornal local e que, situando-se dentro do quadro neo-garretista do Autor, não me parece ser dos mais conhecidos e em que encontro certa beleza - até porque a mensagem dessa mesma "candeia acesa para o viandante" (o eterno Wanderer perturbador e perturbado), tão bem expressa nos dois últimos versos, está longamente presente por essa Europa que temos de amar nas suas diferenças e temos de saber entender e valorizar no seu comum [2].

"Canção da Candeia Acesa

Humilde candeia acesa
Em casa do cavador:
Luz de pobreza - bendita !
Luz infinita de Amor!

Vem p'la noite negra adiante
Um homem que se perdeu
Vê no escuro uma estrelinha,
Lá tão distante...
Mas na terra, não no céu

E diz-lhe a vaga luzinha:
- Olha p'ra mim e caminha,
Vem onde a mim, que sou eu!"

Afonso Lopes Vieira
in "Cancioneiro I" contido em "Versos de Afonso Lopes
Vieira" (colectânea organizada pelo próprio Autor)

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[1] Para uma biografia do Poeta e listagem da sua longa obra ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Lopes_Vieira
[2] Recorde-se também a candeia acesa como imagem acolhedora e solidária presente em versos das quadras populares das "janeiras" e que outro grande poeta (e cantor da nossa realidade), o saudoso Zeca Afonso, tão bem verteu para a "letra" da sua "Canção dos Simples".
[3] Gravura antiga retirada como mera representação figurativa de http://www.esotericarchives.com/solomon/petitalb.htm, obra que se cita em atenção a uma jovem amiga interessada nesses assuntos - mas cujas receitas e práticas não se devem considerar aqui recomendadas e nada têm a ver com o texto.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Aloés

Aloés ou Aloé

Socotorá, co'o amaro aloés famosa
Os Lusíadas, Canto X, 137,2

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Sombras Vegetais, um texto de Arnaldo Santos [1]


Acabei de ler, num livro desencantado da prateleira duma livraria de aeroporto, em Zaventem (Bruxelas) [2] que Leopoldo II, o barbudo 2º rei da Bélgica e cujo pragmatismo trouxe (à Bélgica) o legado colonial do Congo, para além de uma interessante reflexão sobre a vocação histórica de um país de limitada superfície ("Um país que tem o mar como uma das fronteiras não é um país pequeno!"), tinha justificado a sua paixão pelas formas vegetais de vida com uma frase não menos pragmática: "As árvores não traem e as flores são sempre agradecidas". Creio que já aqui disse que guardo pelas plantas uma grande admiração e que, se elas não traem, já eu por várias vezes as traí - não contribuindo, pelos incidentes da minha existência, para que pudessem ser mantidas. Recordo a palmeira da casa de Vila Nova, a azálea de cor singular que eu gostaria de reencontrar algures, as heras, tudo o que fazia do "quintal grande" as minhas delícias de menino. E agora olho o "meu" pinheiro manso, a araceira que este ano deu frutos como nunca, as pitangueiras que - para delícia minha e dos melros locais - nasceram e frutificaram dos caroços que trouxe de Luanda e tantas, tantas outras, que me rodeiam e que um dia eu verei partir, na febre da construção e do progresso, ou no desarmar da casa que foi de tanta gente e que agora se vai esvaziando, ou em adeuses se antes for a tal minha "hora de chegar", como termina a "prosa" que Arnaldo Santos, escritor angolano, chamou de "Sombras Vegetais" e que traduz essa mesma dedicação por esses seres vivos, mudos e submissos, que vamos destruindo para o nascimento, para a vida e para a morte e que - mudos, submissos, dedicados e talvez sentindo de uma forma que ainda mal compreendemos - estão permanentemente a nosso lado [3]. Reproduzo pois, com a devida vénia e sublinhando a cor e o sentimento tão especiais que perpassam na evocação de um sentimento afinal não perdido, o referido texto de Arnaldo Santos:

"SOMBRAS VEGETAIS

Estaquei e interroguei-me a medo. Perdi o senti­menta das árvores ...?

Retive um segundo este pressentimento e depois dei­xei que a sua acção me percorresse lentamente. Breve despontou em mim uma lisa inquietude, incolor, silen­ciosa, como os passos do salalé nos corpos velhos.

Voltei a olhar a rua e senti-me empobrecido. Um pouco mais nu sob as acácias. Minha combustão ao sol das ânsias sofridas deixou-me uma carcaça esfomeada de sonhos de cimento. Endureço na têmpera desses sonhos, mas sem remorsos, apenas triste. Teria perdido o senti­mento das árvores...?

Estranho este rastejar do vento entre as vagens das acácias siras. Estremeço sob o alarido dessas vagens secas, que vão abrir sem esperança, sementes acobreadas no as­falto. Estou demasiado liberto destes destinos vegetais que já me foram tão íntimos.

E afinal como seria ainda fácil ligá-los ao cordão de emoções que entrelacei com as cadeirinhas de capim. Rejuvenesço ao lembrar o porte das dignas mulem­beiras, a quem eu puxava, turbulento, as barbas longas e mutembava traquinamente: :Os dias de sol nos muxi­xeiros baixos e grotescos, onde eu empoleirava os meus sonhos. As tardes de sumaúma sob as mafumeiras, em que eu jogava ao ar os flocos brancos para que as ando­rinhas os colhessem em voo rasante. Recordo e apetece­-me rir.

Rir alto como as acácias ébrias de risos vermelhos e que, viciadas de amor, se entregam impúdicas a todos os olhos, mas que escondem nos seus estames curvos prenúncios de destinos em cuja iniciação vivi a minha infância.

Quantas promessas, quantos segredos se entretece­ram sob o refúgio destas sombras, sob estas grutas sem paredes de abóbadas verdes e sonoras. Volta-me aos lá­bios, incontível, um riso louco, insolente, que escamoteia os maus pensamentos do olhar deste policial que me observa desconfiado.

Vou subindo o passado nesta rua, sob a culpa do presente sem misericórdia que escolhi. Tornei-me um homem do sol, viajo acima destas copas verdejantes em maximbombos de l.° andar e nem mesmo na sombra total da noite me consigo evadir.

Sei que abaixo de mim continuam a crescer novas árvores que não vivi e que oferecem os seus convites ao sonho, a homens novos. Sei que as acácias de S. Tomé vão em Janeiro juncar os passeios de borboletas desmaiadas. Sei que os jacarandás baixarão suas campânulas lilases, junto ao rosto dos namorados, ritmando suas emoções indefinidas. Sei que uma asinha de sol, caindo das acácias amarelas, propiciará hoje ou amanhã a carícia esperada nuns cabelos negros. Sei que, numa cumplicidade secreta, novas atitudes se modelam lentamente sob estas novas sombras vegetais.

Sei-o com o desespero senil de um predestinado às fogueiras da vida. E nem sequer protesto.

Para as minhas pausas de cansaço hoje já nada me resta senão as acácias vermelhas que conheci. E é sob a sua eternamente renovada gargalhada florida que me recolho, entre aquilo que espero e não espero, e descanso, ouvindo a ansiedade do poeta que joga nas sortes infan­tis a sua vida. «Antera cai? Não cai?/ Ela virá? Não vem?/É. a hora de chegares...»

E é sempre sob essas velhas sombras companheiras que eu, concreto, também repito a minha obsessão de náufrago enfeitiçado pelos horizontes vazios: - É a hora de chegares. . É a hora de chegares..."

Arnaldo Santos
in "Tempo de Munhungo", ed. N.O.S., 1968, Luanda
retomado em "Prosas", 2ª ed., União dos Escritores Angolanos, Luanda,1985

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[1] Nascido em Luanda em 1935 e com uma vasta produção de ficção e poesia. Foi um dos fundadores da UEA = União dos Escritores Angolanos; para uma biografia sumária vd.:
http://www.nexus.ao/kandjimbo/arnaldo_santos.htm
[2] Roegiers, Patrick, "La Spectaculaire Histoire des Rois des Belges", Perrin, 2007, Bruxelas; a reflexão sobre as árvore consta da pag.107.
[3] Reparo agora que muito do que disse aqui retoma o que já tinha escrito em 22/05/2007. A visão é a mesma e mesmos são os factos, pelo que a evocação sairá, daí, reforçada e - isto é que será novidade na re-abordagem do assunto - se pode reencontrar quer na frase do "roi de Belges", captada em leitura do momento, quer, sobretudo, no admirável texto de Arnaldo Santos que, embora por mim anotado em Janeiro de 1992, nunca tinha aqui trazido ou citado.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Imagem virtual

Formação da imagem virtual num espelho plano
(cortesia a http://educar.sc.usp.br/otica/reflexao.htm)

Nada mais engraçado que encontrar-se em papeis trocados de uma mesma peça mas do outro lado de um espelho plano! Só que de imagens virtuais está o mundo cheio. E depois há os tais princípios... que se antecipam a meios e fins.
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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

"Le Cheval Rouge", de Jacques Prévert

Dans les manéges du mensonge
Le cheval rouge de ton sourire
Tourne
Et je suis là debout planté
Avec le triste fouet de la realité
Et je n'ai rien à dire
Ton sourire est aussi vrai
Que mes quatre verités.

Jacques Prévert
in "Paroles"

domingo, 3 de fevereiro de 2008

O concerto em Alvito, a 2 de Fevereiro

Teve lugar ontem, como no fim de Janeiro havia sido aqui anunciado (em postagem que foi "remodelada" pelo aparecimento superveniente de um faltoso convite). Preencheu-o o "Ensemble Alpha", um excelente grupo de quatro vozes masculinas, sediado em Lisboa e já com um notável registo de actuações em Portugal e no estrangeiro. A sua "vocação" está expressa nas seguintes quatro linhas do programa geral: "especializa-se nos contrastes e ligações entre várias tradições medievais da música sacra, com ênfase especial nas de países ortodoxos e da Península Ibérica e com uma abordagem fortemente influenciada por diversas tradições populares". A direcção musicológica do Grupo pertence a Ian Moody, presbítero da Igreja Ortodoxa Grega (Patriarcado de Constantinopla) em Portugal. Assim, com o programa diversificado que apresentaram e que aqui se dá [1], no espírito do ecumenismo musical que preside a este festival, concretizou-se uma outra dimensão mediterrânica, que é a sua projecção musical a oriente, através da Grécia, Bulgária, Roménia e Rússia. Musicalmente o concerto trouxe novidade e surpresa, com manifesto agrado para os 90-100 assistentes que, malgrado a chuva e a quadra carnavalesca (até mais pela "ponte" que pelo Carnaval), estiveram presentes naquela joia monumental que é a Igreja Matriz do Alvito - e que fazem parte de uma audiência destes festivais (o presente é o 4º) que, como revelou o responsável diocesano pela sua organização, não se limita ao espaço bejense, mas igualmente inclui já presenças habituais de Coimbra, Lisboa, Faro, Huelva e Sevilha. E certamente de Évora e Setúbal [2], ainda que não especificamente mencionados.

O Programa:
Na sua intervenção, o responsável diocesano formulou votos para que estes programas venham a receber o apoio necessário para poderem prosseguir em anos próximos (a presente edição, que é a 4ª, termina em Março p.f.), mantendo o feliz princípio do "casamento Música e Património", alargando a sua realização a outros templos e locais e "atraindo as gerações vindouras aos bens culturais como elementos indispensáveis da nossa identidade"[3]. Aliás - lembrou - o Alvito dispõe de um acervo artístico deveras importante que justifica a realização de uma próxima exposição dedicada ao concelho, previsivelmente a montar na Igreja de Santo António.

Nesta sessão, prosseguindo a venda do catálogo/programa (a preço simbólico) e do CD "Lachrimae #1" do conjunto "Sete Lágrimas" (ver postal publicitário infra), foram disponibilizados os convites para esta e para a próxima sessão, que será a 23 de Fevereiro em Beja. Desta última dar-se-á notícia a 16 de Fevereiro, i.e. uma semana antes. Mas, já agora, anotem-se as datas das próximas realizações: 23/2 (Beja; recital comentado sobre o clavicórdio no mundo mediterrânico, por Bernard Brauchli), 8/3 (Castro Verde, concerto pelo Banchetto Musicale Lusitania), 22/3 (Beja, Conferência de Encerramento, por Rui Vieira Nery, subordinada ao tema: "A Outra Europa: O Cruzamento das Culturas Musicais nas Tradições Mediterrânicas) e 29/3 (Santiago do Cacém, Concerto de Encerramento pelo Coro Gulbenkian). Todas estas sessões constam de um cartaz "de corpo inteiro" de que tenho dois exemplares que, para evitar que se percam no meio nada celestial dos meus papeis, cederei gostosamente às primeiras duas pessoas que os solicitem através do endereço electrónico deste blogue [4], indicando para onde os deva enviar). Aliás, para corresponder a solicitação de pessoa amiga e interessada, refiro também, em apontamento, os contactos electrónicos do próprio festival [5].


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[1]Que foi completado pela interpretação, em "extra" fora do programa, de uma outra peça, de raiz popular, cujo nome será aqui acrescentado logo que obtido.
[2] Pelo menos, do distrito de Setúbal estava presente uma pessoa conhecida.
[3] Realça-se a excelente qualidade acústica (e artística) de todos os templos até agora seleccionados e que é verdadeiramente surpreendente quando confrontada com verdadeiros "naufrágios" acústicos que se encontram em diversas salas modernas.
[4]saite.daqui@gmail.com
[5]www.terrassemsombra.com e info@terrassemsombra.com




sábado, 2 de fevereiro de 2008

O centenário do regicídio (1 de Fevereiro de 1908)

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Eu, republicano que sou, lamento que a palavra "regime", mesmo que ligeiramente aflorada, tenha sido ontem chamada ao discurso para justificar atitudes ou posições publicamente assumidas. Essa questão não existe: existe, sim, um facto histórico, que teve vítimas e consequências e que, interpretado no contexto em que ocorreu, haveria que registar, cem anos depois, com a inteireza e a distinção que são atributos de uma ética republicana. [1] [2]

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[1] Surpreso fiquei ao encontrar-me mais conforme com as palavras do PR do que com outros discursos que me foi dado ouvir.
[2] Que o tema não me é indiferente encontra-se evidenciado neste blogue pelas postagens de 11 de Setembro de 2005, em que transcrevi "O Caçador Simão", de Guerra Junqueiro (e há que relembrar que Simão era um dos últimos nomes da longa série onomástica de D.Carlos), 4 de Outubro de 2005, 4 de Outubro de 2007 e 2 e 3 de Novembro de 2007.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Fevereiro, nas "Les Très Riches Heures du Duc de Berry"


Já só faltam 4 dias para o Entrudo... e 11 meses para o fim do ano...