domingo, 30 de setembro de 2007

Os bebés são (quase sempre) bonitos...

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Depois crescem...
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sábado, 29 de setembro de 2007

Um "conto" ...autêntico...

O meu pessoal grilo está neste momento a barafustar, tal como barafustava o grilo do Pinóquio, verberando que numa consulta bibliográfica desejavelmente rápida eu me divirta a passear pelos jardins em volta, coligindo aqui e ali peças de herbário, perdendo em eficácia e descoberta certeira, cirúrgica mesmo, e entregando-me a um processo que qualifica de dispersão. E eu, sumindo-me entre os frascos de compota com os dedos ainda lambuzados, só vou poder acrescentar: "É que me divirto com isto, sabe? e ao fim de tantos anos de recreios rígidos, é bom poder-me divertir." E por isso aí vai mais uma flor tão graciosamente estranha - passem as grandes diferenças - como o aparecer esfumado da Kinski na dança de roda com que se inicia o "Tess". Foi publicada no Gazeta de Arouca,1ª Série, nº 682 (31 Janeiro 1925), pag. 2 sob o título que inicia esta postagem e que a seguir se repete. Na origem, sem qualquer indicação de Autor.

Um "conto"... autêntico

Há dias, em Lisboa, uma senhora foi ao consultório dum dos médicos mais distintos e disse-lhe:
— Doutor, meu irmão está completamente transtornado da cabeça. Tem alucinações, monomanias de grandeza, e sobretudo o delírio das perseguições. Julga-se possuidor de imensas joias e supõe que toda a gente lhas quer roubar. Que hei-de fazer? –
— Mas, minha senhora, só vendo o doente, examinando-o, observando-o cuidadosamente, é que eu poderei ' responder...
— Bem. Nesse caso, como moro próximo, meto-me no automóvel e vou a casa buscá-lo.
— Pois sim.
— Até já, doutor. Não me demoro. Só lhe recomendo uma coisa. Não é conveniente que eu esteja presente quando o examinar.
— Tudo o que há de mais fácil, minha senhora. V. Ex.ª chega, entrega-me o homem e retira-se para outra sala.

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A dama, ricamente vestida, apertou a mão do nosso ilustre médico e saiu. Próximo fica uma das nossas mais a-ricas joalherias. A dama mandou parar o automóvel, entrou e pediu que lhe mostrassem um colar de pérolas verdadeiras. Um dos empregados foi buscar. A senhora gostou, comprou mais duas ou três joias caras e mandou embrulhar. No fim disse:
— Não tenho dinheiro comigo. Mas como sou irmã do Sr. Dr. Fulano (e citou o nome do tal médico ilustre onde fora e que morava próximo), os senhores mandam um empregado comigo para trazer imediatamente o dinheiro.

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Cinco minutos depois a dama entrava no consultório do referido médico e dizia-lhe apenas:
— Aqui tem o homem.
E passou imediatamente a outra sala. Agora vejam os leitores o diálogo e façam uma pequena ideia da cena:
— Queira sentar-se ...
O homem sentou-se.
— Já sei que é muito rico ... -
— Eu, Sr. doutor?
— Sim, o meu amigo. Confesse ... –
—Oh, Sr. doutor, que ideia !
— Bom. Antes assim, E diga-me lá , tem muitas joias?
0 homem um pouco espantado:
— Muitas...Temos sempre bastantes .
— Uma maçada. Preocupações. Gente que o quer roubar...
O homem cada vez mais desconfiado:
— Mas, oh ! sr. Doutor. . .
— Tranquilize-se. Aquì não tem perigo. Aqui pode estar descansado, que ninguem o rouba ...
— Que ideia, sr, doutor, A casa conhece V. Ex.ª.
— Ah! o sr. conhecia-me?
— Muito bem, sr. doutor.
— E não tem medo que eu lhe roube as joias ? ...
O homem, já pálido, levantando-se:
— V.Ex.ª está com vontade de brincar ...
— Sente-se, sente-se. Sua mana contou-me tudo.
— Minha quê, sr. doutor?!
— Sua mana ...
— Sua ... sua quê?! Ai Jesus que estou roubado !
0 doutor, julgando-o num acesso:
— Homem, esteja quieto. Já lhe disse que aqui ninguem lhe faz mal.
— Mas oh! sr. doutor, deixemo-nos disto. Eu sou empregado da casa tal (e citou o nome da joalharia conhecida) e venho aqui buscar o dinheiro das joias que a mana de V. Exª comprou...
— O quê?! O que está o sr. a dizer?! Minha mana?!
E o ilustre clínico foi num pulo à outra sala, para ver se a criatura lá estava. Era o estavas! Nem o rasto. E a joalharia ainda hoje está á espera que a policia lhe descubra a misteriosa dama do automóvel e das joias!

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sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Basidiomicetes

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quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Por estas mesmas palavras...

Para cada leitor de jornal há certamente secções que nunca escapam. No JN, para mim, está o "Por Outras Palavras", de Manuel António Pina (MAP), presença permanente da última página. Nem sempre concordaremos (ele não o sabe, nem tem de se preocupar com isso), mas a estatística demonstra a geral existência de uma grande margem de acordo e, sobretudo, de unilateral apreciação - e tanto é assim que já aqui o trouxe, devidamente transcrito e respeitosamente identificado na transcrição.

Ora MAP ganhou um prémio. Vinha no JN, creio que de ontem, referindo o nome do troféu ("Gazeta de Mérito 2006"), a entidade detentora e outorgante (o Clube dos Jornalistas) e uma descrição sumária da respectiva entrega (neste caso pelo próprio PR à filha do envolvido cronista, Sara Pina). Fiquei contente com essa distinção que, pela minha devoção diária, eu também assumiria - sem discussões - entregar-lhe. Parabéns, pois - e é isso que lhe vou dizer em e-grama de forma - para que saiba do meu voto de regozijo com aclamação, mas continue a não ter de preocupar-se com isso.

Preocupado fiquei eu ao ler no JN de hoje que, por razões de saúde, MAP só retornaria ao seu cantinho na próxima semana. Ver recorte supra, com a devida vénia ao JN donde foi tirado. Desta forma, acresço os parabéns anteriores com os actuais votos de boas-melhoras (gosto desta expressão, aparentemente ingénua mas cheia de força). E, quanto a crónica, registe que fico à espera! Estes números do JN sem a sua presença, e ainda por cima pós laureada, até deveriam ser mais baratos!
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quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Poesia tétrica -1 "O noivado do sepulcro", de Soares de Passos

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[1]
Passados os gatos sobre meridianos e sacudida a neve dos polos, vou cumprir uma já antiga ameaça: trazer aqui "O Noivado do Sepulcro", de Soares de Passos (1826-1860). Poeta ultra-romântico, que morreu jovem (33 anos) e minado pela tuberculose, o seu "O Noivado do Sepulcro" enquadra-se no movimento e na época - recitado às claras (ou às escuras) nos salões, por apaixonados "diseurs", desde honestíssimos e rubicundos pais de família a galãs magros e de olhos encovados, para o arfar de polposos seios e enrubescer de mimosas donas dos ditos (seios) em demonstração de interessantes e finíssimas sensibilidades, como então se lhes referia (às donas, que não aos seios). Tinha, o poema, todas as iguarias do tétrico, a que se juntava, curiosamente, o picante do erótico - de uma forma tal que esta segunda mensagem era sabiamente transmitida e disfarçadamente ignorada - mas estava toda lá sussurrando à puridade ou gritando a descoberto, como queiram! Mas prometo mais: das minhas recentes explorações por um jornal local, em velhos tempos, retirei exemplares da mesma corrente poética, só que na vertente mais recente, mais tétrica e menos erótica. Mas também haverá lugar para eles, quando tempo houver. Para já, mestre dos mestres, vamos ao "Noivado". Aí vai ele, pois:

"O NOIVADO DO SEPULCRO

BALADA
de Soares de Passos (1826-1860)

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

"Mulher formosa, que adorei na vida,
"E que na tumba não cessei d'amar,
"Por que atraiçoas, desleal, mentida,
"O amor eterno que te ouvi jurar?

"Amor! engano que na campa finda,
"Que a morte despe da ilusão falaz:
"Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
"Do pobre morto que na terra jaz?

"Abandonado neste chão repousa
"Há já três dias, e não vens aqui...
"Ai, quão pesada me tem sido a lousa
"Sobre este peito que bateu por ti!

"Ai, quão pesada me tem sido!" e em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

"Talvez que rindo dos protestos nossos,
"Gozes com outro d'infernal prazer;
"E o olvido cobrirá meus ossos
"Na fria terra sem vingança ter!

- "Oh nunca, nunca!" de saudade infinda
Responde um eco suspirando além...
- "Oh nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

"Não, não perdeste meu amor jurado:
"Vês este peito? reina a morte aqui...
"É já sem forças, ai de mim, gelado,
"Mas inda pulsa com amor por ti.

"Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
"Da sepultura, sucumbindo à dor:
"Deixei a vida... que importava o mundo,
"O mundo em trevas sem a luz do amor?

"Saudosa ao longe vês no céu a lua?
- "Oh vejo sim... recordação fatal!
- "Foi à luz dela que jurei ser tua
"Durante a vida, e na mansão final.

"Oh vem! se nunca te cingi ao peito,
"Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
"Quero o repouso de teu frio leito,
"Quero-te unido para sempre a mim!"

E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.

Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.

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[1] Gravura de http://www.leonc.net/histoire/ballon/ballon.htm. Porque seleccionei esta gravura? Por três razões: a) a página correspondente conta uma história tétrica do balonismo; b) as épocas, mais ou menos, correspondem-se; c) a imagem desolada da gravura "bate certo" com o desolado da balada. Havia uma outra gravura possível e mais directa, com dois esqueletos arranjados numa tumba: achei-a, porém, de mau gosto - para já, salva seja esta opinião meramente pessoal, por me parecer dobrar aquela fronteira ténue e essencial, que separa o erotismo (na balada) da sugestão pornográfica (na montagem). "Et voilá!"
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terça-feira, 25 de setembro de 2007

O meridiano e o gato...

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O problema anterior levou a este, que também é muito simples!

Todos se lembrarão daquela definição ultrapassada de metro que dizia ser este "a décima milionésima parte de um quarto do meridiano terrestre" - o que tinha a vantagem de nos dizer qual o perímetro do círculo meridiano terrestre i.e. da ordem dos 40 000 km! Considerando este grandioso valor, consideremnos também o problema:

Concêntrico com um meridiano terrestre (considerado como uma circunferência i.e. um aro ideal) é construído um outro aro que APENAS tem mais UM METRO de perímetro que o aro interior. Conseguirá um gato passar entre os dois aros?

Considerando o comprimento do meridiano (40 000 000 m) e o que, relativamente a ele, representa 1 m a mais de perímetro muitos dirão que não e que os dois aros são praticamente coincidentes!

Demonstraremos não só que não é assim, como que a distância entre os dois aros é exactamente a mesma, quer se trate da Terra, quer de uma bola de ping-pong quer de Júpiter! Seja r o raio do aro mais pequeno (o do meridiano) e R o do aro circundante. O que queremos saber é se um gato consegue passar por e = R - r. Se for p o perímetro do meridiano temos p = 2.pi.r... e se for P o perímetro do aro exterior temos P = 2.pi.R, mas também, como dado do problema:
P = p + 1 = 2.pi.r + 1 em metros.
Então
2.pi.R = 2.pi.r + 1 m
ou seja
2.pi R - 2.pi.r = 1 m ( =100 cm)
e
2.pi (R-r) = 100 cm donde 2.pi.e = 100 cm ou ainda e = 1/2.pi
= 100 cm / 6,28... = ~16 cm

ou seja...

1. Por 16 cm passa certamente um gato (ver Nota abaixo) !

2. A distância entre os dois aros só depende da diferença dos perímetros e não do raio da esfera de que o primeiro é meridiano... donde esta verdade é válida tanto para a bola de ping-pong, como para a Terra ou... para Júpiter...ou mesmo o Sol (se pudesse haver gatos no Sol... ou em Júpiter!)!

E não parece...
Nota: Uma porta padrão para gato. como esta, sem obrigar o animal a qualquer esforço especial, tem como abertura 4 polegadas (~10 cm) e de altura 6 (~15 cm).

imagem com vénia a www.petdoors.com/inside_use_pet_doors.htm

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Qual o bicho e a cor?

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O assunto das viagens peripolares leva-me a recordar um problema muito velho mas muito interessante e que leva um pouco a reflectir sobre o que se passa na superfície da esfera terráquea em que, dentro de uma milagrosa camada gasosa e acompanhados por um mirabolante fluido chamado água, estamos situados. Tenho sincero receio de me repetir, tanto eu refiro este problema... mas a verdade é que, feita a pesquisa no próprio blogue e usando as palavras-chaves adequadas ao acto...nada encontro. Ou seja: estou a perder propriedades! E, por isso, aí vai:

Um caçador mora numa cabana e sai para caçar. Anda um quilómetro para sul, um quilómetro para nascente (i.e. para leste) e... mata um animal. Seguidamente anda um quilómetro para norte e... encontra-se à porta da sua cabana: qual o animal que matou e que cor tinha?

Velhinha como a simpática Associação de Alhos Vedros, esta adivinha tem uma resposta clássica: foi um urso, era branco... e a cabana do caçador estava exactamente situada no Polo Norte. Pronto!

Mas isto é um exame simplista da questão... reduzido que é ao Hemisfério Norte. De facto nenhum outro ponto no Hemisfério Norte satisfaz à questão subjacente da localização da cabana; esta teria mesmo de estar no Polo Norte e (abstaindo do pequeno efeito da curvatura da Terra), o animal morto estaria algures sobre o paralelo centrado no Polo e de raio ~1 km.

... mas o animal não poderia ter sido um pinguim - i.e. uma simpática ave preta e branca encasacada, quando não cinzenta em juvenil? Vejamos uma coisa, que muitos textos que apresentam o problema se esquecem de referir: se no Hemisfério Norte a questão tem uma solução única... no hemisfério Sul tem uma "dupla" [1] infinidade de soluções!!! Se no Polo Norte a cabana do caçador tem de estar mesmo no Polo, no Polo Sul a cabana pode estar situada em qualquer dos pontos de um qualquer paralelo centrado no Polo Sul e de raio ~(1 + 1/2.k.pi) km a contar do Polo, em que pi é mesmo o nosso bem conhecido 3,1416 etc. e tal por aí adiante (é irracional, ele!) e k é um número inteiro qualquer...

Como assim? Vejamos para k = 2: o raio da circunferência onde se pode encontrar a cabana será (1 + 1/4.pi) km i.e. aproximadamente a distância entre a cabana e o Polo Sul. Se sair da cabana (ponto A) e "descer" (e note-se neste verbo o nosso faccioso hemisférionortismo!) 1 km para o sul, o caçador encontra-se num ponto B situado no paralelo de raio r=1/4.pi. Atendendo a que o perímetro desse paralelo é dado por 2.pi.r temos 2.pi.r = 2.pi.(1/4.pi) = 2/4 = 0,5 km. Andando 1 km para nascente o caçador nada mais faz que dar duas voltas completas ao paralelo... e está novamente em B. Mata aí o bicho e, andando 1 km para Norte, regressa a A. Fácil é ver que com k=1 dá 1 volta, k=2 dá duas (como vimos), k=3 ainda consegue dar três (o que muita gente, com o frio do Polo, não dará), etc.

Entendido?

E a seguir vem a do gato...

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[1] "dupla" porque, falando em números transfinitos, corresponde a alef zero valores de k e para cada um destes a C pontos de cada paralelo associado... ( Cantor estaria de acordo?)


domingo, 23 de setembro de 2007

Gatafunheira 1

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sábado, 22 de setembro de 2007

Faltou esta... (a "Passagem do Nordeste")

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Na conversa de ontem, falou-se (mas não se mostrou) a "Passagem do Nordeste": ela aí vai, a vermelho, confrontada com a rota pelo Suez, a azul, juntando-se-lhes um agradecimento pela imagem à Wikipedia, onde, no artigo "The Northern Routes" ou mesmo procurando "Northeast Passage" se encontrarão dados muito interessantes sobtre as navegações no oceano boreal.
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quinta-feira, 20 de setembro de 2007

A “passagem de Noroeste” e um senhor chamado David Melgueiro

Perto da Igreja de Cristo-Rei, a nascente da Av. Marechal Gomes da Costa, no Porto, há uma rua que se chama “David Melgueiro”. Tendo procurado averiguar quem era este senhor, concluí que se tinha metido — ou que o tinham metido — numa aventura arriscada e que era trazer um barco do Pacífico ao Atlântico passando “por cima” do continente americano, i.e. sair do Japão e, tomando o norte, atravessar o estreito de Bering, virar à direita, enfiar-se nos gelos e, seguindo pelo Norte do Canadá, contornar a terra de Baffin também por cima e descer depois, ao longo da costa nascente da Groenlândia até à península do Labrador… e disse! A “coisa” teria sido feita no sec. XVII a bordo de um navio holandês estranhamente chamado “Pater Noster” e, meio sigilo, meio lenda, motivou uma acesa polémica entre os que acreditam, os que não acreditam e os que se limitam a achar que poderia ser possível e não se decidem concorrer à liderança da "laranjada". Hoje, a Wikipedia e mais outros sítios selectos da “net” contam muito mais coisas, referindo mesmo o que o citado David era “tripeiro” e que teria morrido também no Porto, em 1673… com um ponto de interrogação adiante e um espião francês pelo meio e, ainda por cima, este (espião francês) assassinado… Um verdadeiro espectáculo, que daria mesmo um livro!
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As navegações nos mares boreais são qualquer coisa de problemático, que ainda carece de uma investigação muito mais alargada. Connosco ou sennosco há a Thule (Islândia?), Leif Ericson, S.Brandão, as Sete Cidades, Vinland, a peste negra e os índios que ainda não eram assim erradamente chamados (ou americanos, que ainda o não eram também), a “joint-venture” Portugal-Dinamarca, os Corte-Real, o Labrador, a Terra dos Bacalhaus, o Colombo que passou num barco português ”para além da Thule”, Juan Mayen, Spitzberg (já do outro lado), o Embaixador Eduardo Brasão, o "Os Descobrimentos Pre-Colombinos dos Portugueses", de Jaime Cortesão, a vontade de ir a ou de vir de Cipango sem ter que chocar de proa com um continente, como sucedeu ao Cristóvão, ou de o contornar por muito sul ao longe “à la Magalhães” ou dar a volta também por baixo “à la Gama”etc, Lesseps e Bunau-Varilla ainda inexistentes, etc. E se o assunto, a noroeste, tinha interesse para toda a gente (menos para portugueses e espanhóis, quando já “sentados” nas suas rotas), o assunto a nordeste interessava sobremodo aos russos, para poderem movimentar as suas frotas entre a península de Kola e o estreiro de Bering por águas ao longo das costas siberianas, isto é “jogando em casa”. A memória da trágica batalha de Tsushima em que a jovem marinha de guerra japonesa, com treino inglês, desfez a fatigada esquadra russa do Báltico, obrigada a dar a volta pelo Cabo, ainda perdura naqueles pensamentos em cirílico e com a moderna ajuda de quebra-gelos possantemente nucleares – e com razão. [1]
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Aparece agora a notícia (JN, 16 de Setembro, última página) de que, devido ao aquecimento global, está completamente aberta a “Passagem do Noroeste” (a tal do David Melgueiro), e que “a capa de gelo da “Passagem Nordeste” (…) também tem vindo a dimininuir e actualmente apenas está “parcialmente bloqueada”. Vários factos merecem ser meditados, nesta mensagem: o primeiro é o das passagens (ambas) poderem existir; o segundo é a alteração climática que, como causa, parece associar-se a um elevado degelo; o terceiro é avaliar, como consequências, as diversas implicações que poderão surgir. Deste franquear de portas, caso se não comprove tratrar-se duma situação meramente transitória. E, ainda, a importância de repescar o nome de David Melgueiro como referência a ter em consideração.

Uma última palavra:: as designações “passagem do noroeste” (“northwest passage”) e “passagem do nordeste” (“northeast passage”) como aqui usadas têm, evidentemente, a nossa conotação atlântica., Um observador no Pacífico, olhando a Norte, i.e. voltado para o estreiro de Behring, trocaria as designações.

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[1] As nossas simplificadas leituras dos mapas-mundos conduzem muitas vezes a ilusões flagrantes! As planificações correntes "ampliam" as regiões à medida que elas se afastam do equador... e levam a esquecer que a terra é uma esfera! Isto provoca leituras extremamente deformadas, mesmo do ponto de vista geoestratégico! Observar representações mundiais centradas na Europa (as mais correntes), ou nos EUA, ou na Rússia, ou na China , ou na Austrália permite explicar muita coisa que, por vezes, se não entende. Como por exemplo a reclamação do Canadá quanto à poluição nos seus territórios do Norte pela instalação metalúrgica de Norilsk na Sibéria... pois se a região poluída e a instalação alegadamente poluidora estão de facto tão perto uma da outra!

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Soneto conjugativo...

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[a]

Num "Diário da Tarde" editado no Porto, provavelmente no período Agosto-Setembro de 1908 (eu escrevi "1908" e não é gralha!), um senhor chamado Felisberto Menezes Filho apresentava esta interessante e original obra poética, sob o título acima dado e muito ao gosto da época:

Eu te vi, tu me viste, nós nos vimos,
Eu olhei, tu olhaste, nós olhámos,
Eu corei, tu coraste, nós corámos,
Eu fugi, tu fugiste, nós fugimos.

Eu virei, tu viraste, nós virámos,
Eu sorri, tu sorriste, nós sorrimos,
Eu parei, tu paraste, nós parámos,
Eu tossi, tu tossiste, nós tossimos.

Eu pisquei, tu piscaste, nós piscámos,
Eu falei, tu falaste, nós falámos,
Eu ouvi, tu ouviste, nós ouvimos,

Eu amei, tu amaste, nós amámos,
Eu pedi, tu pediste, nós pedimos,
Eu casei, tu casaste, nós casámos !!!


... e pronto: a partir daqui qualquer um pode pensar num prosseguimento ou numa reformulação actualista. Aliás não é por acaso que o Português tem 4 conjugações... fora a caterva de verbos irregulares, que são muitos e alguns bem divertidos!
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[a] gravura de http://www.brazilianportugues.com/index.php?idcanal=22

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Memória de Indústria - 10: Salinas do Lavradio


Onde hoje estão casas... e uma Avenida!


segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Com mais de 100 anos... e do Padre António Vieira

Com esta magnífica imagem/memória a Universidade de Aveiro recorda-nos que 2008 será "Ano Vieirino"

... e o Padre António Vieira (1608-1697) recorda-nos outras coisas tão reais hoje como no ano em que nasceu:

"O primeiro ladrão que houve no mundo foi o primeiro Homem. Condenou Deus este primeiro ladrão a que comesse o seu pão com o suor do seu rosto; mas os ladrões que vieram a seguir souberam e puderam tanto que trocaram a sentença. Em lugar de comerem o seu pão com o suor do seu rosto, comeram o pão, que não é seu, com o suor de rostos alheios."


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Pede-se desculpa por esta pequena interrupção. A imagem seguirá dentro de momentos.
Adenda a 28/9, ao constatar a "fuga" da imagem.

domingo, 16 de setembro de 2007

Com 100 anos...

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Simon VOUET, Alegoria da Prudência


Vale mais um grão de prudência
que arrobas de subtileza.



GdA,16 Junho 1907

sábado, 15 de setembro de 2007

Da cuscagem

cortesia a kendrive em grumpy.blog.co.uk/2006/11/

No JN de 10 de Setembro, pag. 4 e 5, publica-se uma notável entrevista com a juíza Amália Morgado, que "esteve durante 11 anos no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, os últimos dois como presidente, tendo saído há dias para o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra". Sem papas na língua, a distinta magistrada - que não recusa a polémica nem o desagrado de alguns dos seus colegas quanto a posições que tenha assumido - abordou francamente "questões quentes" como sejam a corrupção e o candente problema das escutas.

Todos nós sabemos que a escuta, em Portugal, foi - em tempos idos - uma constante presença. Recordo-me de, quando estudante, contactar frequentemente com um meu colega e amigo que era familiar de um vigiado político e, com frequência, por inépcia do operador ou por deficiente equipamento, surgia no telefonema uma descarada clicagem ou uma perda brusca do volume sonoro que nos diziam qualquer coisa e nos levavam a, subtilmente i.e. polindo com elegância a precisão, tecer considerações sobre a capacidade profissional da progenitora do adventício e indesejado terceiro.

Porém, em democracia, ler - da parte de uma entrevistada idónea - a afirmação de uma rigidez assumida, "em função da discricionariedade que existe nos nossos tribunais, em matéria de escutas", e, concretizando, a afirmação de polémicas e contornos que essa sua saudável rigidez - no cumprimento da legalidade e, nomeadamente, das garantias constitucionais - ia suscitando, levanta as maiores preocupações.

Isto num momento em que, por razões invocadas de acrescida segurança, se afirmam mecanismos de retenção e potencial devassa das mensagens transmitidas por telemóveis e se assinalam atitudes paralelas na informação e comunicação electrónica, desde os mecanismos declarados por países ou estruturas que já deveriam começar a ter juízo até - mais subterraneamente - aos sistemas de interferência e "informação" não oficialmente declarados mas razoavelmente suspeitados, como o "Echelon" ou similares, cujos limites e potencialidades fogem a qualquer meio de expresso ou mesmo conceptual controle.

É um facto que a divulgação e a facilitação dos meios de comunicação facilita também o seu mau uso, mas tudo assim é no domínio do progresso técnico. Recordava recentemente um/a anónimo/a visitante deste blogue que a "net" é como a pólvora, recheada de bons e maus usos - o que requer certamente uma concepção de conduta e uma garantia razoável para que os primeiros se exerçam e os segundos se atenuem, já que - dado o polifacetado da humana natureza - nunca se poderão erradicar. Mas, como questionaria Sócrates (o tunicado), o que razoavelmente se poderá entender por uma "garantia razoável"? Quem garante a garantia, quando a cuscagem vai desde o parceiro inseguro do alizamento da sua própria testa ou do até-então-insuspeito vizinho de andar que é apanhado às tantas da madrugada a consultar documentos no lixo alheio até aos mais altos, incontrolados e tecnologicamente possantes poderes mundiais numa de "Big Brother is watching you"? Teremos de voltar às tais mensagens sibilinas, aos comportamentos de elementar contra informação (no esquema do "a quem muito quer saber dá-se-lhe merda a comer") ou ainda nisso-mesmo, ao utilizar um código de encriptação muito simples e com ele elaborar, em grupinhos de cinco caracteres, também mensagens muito simples que mandem qualquer indesejada presença, individual ou colectiva, para o cesto da gávea? Espero não ter que voltar ao exercício sistemático e aberto à cidadania dessas quotidianas formas de resistência, na modalidade de registo público "à la façon de James Scott"!
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sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Um exemplo de poesia política...

Em pleno consulado sidonista, algures em Maio de 1918 (recorda-se que Sidónio Pais se apossara do poder pela revolução sangrenta de 5 a 8 de Dezembro de 1917... e os soldados do CEP na Flandres, junto ao rio Lys, que se fossem lixando nas trincheiras à espera dos reclamados mas recusados reforços... ou da vindima trágica do 9 de Abril) o "Defesa de Arouca", claramente republicano-democrático, transcrevia de "O Norte" esta deliciosa peça, que é um excelente exemplo de poesia política:

"MONÓLOGO PARA TODOS

Para ter gótica amante,
mostrando-a sempre flamante
do mar da Mancha ao mar Jónio,
não é preciso mais nada:
basta estar numa embaixada...
basta apenas ser-se... idóneo.

Para calúnias e petas
espalhar pelas gazetas
contra Afonso ou contra António,
e, depois deste arreganho,
ficar com cara de estanho,
basta apenas ser-se... idóneo.

Para ser Francisco, Alfredo,
Venceslau ou Roboredo,
inda Pancrácio ou Sinfrónio,
basta esta coisa singela:
mudar o nome à gamela...
basta apenas ser-se... idóneo.

Para ser-se castelhano,
austríaco ou prussiano,
búlgaro, turco ou lapónio,
diz daqui do lado o Soiza,
não ser preciso outra coisa...
basta apenas ser-se...idóneo.

Para ser-se rei e ministro,
um presidente sinistro,
e bispo, e papa... o demónio,
não se carece outra carta,
(como penhor que bem farta):
basta apenas ser-se... idóneo.

Para ser heroi falido,
por faltar ao prometido
e seguir caminho erróneo,
a fugir da consciência,
num sonho mau de demência:
basta apenas ser-se... idóneo.

Para se ter um renome
que nenhum tempo consome,
e vá da Mancha ao mar Jónio,
não basta ser batoteiro,
ser cacique eleiçoeiro...
não basta só ser-se... idóneo.

Para se ser respeitado
Qual Bernardino Machado,
até do simples campónio,
deve ser irrepreensível
a vida o mais que é possível;
não basta só ser-se...idóneo.

Para se ser estadista,
sincero propagandista,
como Afonso ou como António,
ainda que o não pareça,
é preciso ter cabeça,
não basta só ser-se... idóneo.

E, para ter um só rosto,
uma só fé, um só posto,
como bom lacedemónio,
muito mais nos é preciso:
muita honra e muito siso...
não basta só ser-se... idóneo."

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quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Fim de férias

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Um dos mais nostálgicos fins de férias que conheço (e creio que já aqui o disse) é o que Jacques Tati nos deixou na praia que se esvazia, no seu extraordinário filme
"Les vacances de Monsieur Hulot".
Fica aqui um bocadinho...

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Um soneto de Manuel Laranjeira

NA RUA

Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha…

Minha sempre! – e em voz baixinha:
- «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.

Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco…
E o grande amor, afinal,

(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
como uma tarde em setembro…

Manuel Laranjeira
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terça-feira, 11 de setembro de 2007

Almada Negreiros: Um Par (do conjunto de paineis que ornamentavam a "Alfaiataria Cunha")

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oleo sobre tela
(no C.A.Moderna da Fundação Gulbenkian., Lisboa)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Eduardo Harrington Sena

Com a devida vénia recorro ao excelente editorial de Miguel de Sousa, director do "Jornal do Barreiro", publicado na edição de 7 de Setembro, para lembrar a figura de quem muito fez por esta terra que se chama Barreiro e que, como sucede a muitos dos que por aqui passaram e aqui imprimiram as mãos nas paredes da caverna, ficam gradualmente esquecidos na memória das gentes, como bem assinala o cronista:

"EDITORIAL

De Lisboa, onde vivia, chega-nos a triste notícia da perda de Eduardo Harrington Sena. Não sendo um barreirense de nascimento, adoptou esta terra no seu coração.

No Barreiro decorreu a sua vida activa, com contributos que marcaram profundamente a sua passagem, prestando serviços invulgares, que hoje andam arredados da memória das gentes, mas nem por isso menos destacados.

Uma excelente demonstração se acha na sua passagem por este Jornal do Barreiro, de que foi muitos anos colaborador científico e cultural, e seu Director desde 24 de Janeiro de 1963 a 6 de Agosto de 1964, por aqui deixando muitas saudades. Em nome do semanário, envio os sinceros sentimentos à família, de que tanto se orgulhava.

Eduardo Alfredo Harrington Sena surge no Barreiro como funcionário da Companhia União Fabril, a que dedicaria toda a sua actividade profissional, atingindo postos elevados na hierarquia das fábricas. Fez carreira como Agente Técnico de Engenharia, que hoje se intitula de Engenharia Técnica, e sempre foi pessoa muito conceituada, desfrutando de larga estima dos seus pares, e do respeito e admiração dos seus subordinados.

Todavia, os seus múltiplos talentos e os seus vastos interesses culturais foram também aproveitados pela Empresa, em projectos de cariz social, como o Grupo Desportivo da CUF e o seu Cinema-Ginásio. Esta foi a maior sala de cinema de que a cidade dispunha, e aí se realizaram inúmeros eventos culturais e recreativos, desde as sessões de cinema, de teatro, de música e de outros espectáculos, até aos incomparáveis Salões Internacionais de Arte Fotográfica do Barreiro, que se iniciaram em 1951 (nos primeiros anos apenas como nacionais), que viriam a atingir elevadíssimo prestígio internacional, sendo considerados dos melhores salões do mundo, como variadas vezes testemunhei da parte de estrangeiros que nos visitavam.

Este certame foi lançado pelos esforços de Harrington Sena e do Eng.º Vítor Chagas dos Santos. O primeiro pertenceu à comissão Organizadora até 1959 (9º Salão, 5º Internacional), passando a fazer parte do Júri entre o 10º e o 15º Salões, este de 1965.

Distinto amador fotográfico, tivemos ocasião de apreciar variadas trabalhos seus de grande qualidade, e neste número reproduzimos um deles, a conhecida “Sinfonia do Metal”, uma curiosa imagem de outros tempos que o Barreiro viveu.

Fui também testemunha do seu papel decisivo na criação do Cine Clube do Barreiro, de que foi um dos Sócios Fundadores, e de que foi membro muito activo. Recordo, por exemplo a “Homenagem a Manuel de Oliveira”, realizado no Cinema-Ginásio em 7.10.1963, com enorme sucesso, perante uma plateia que assistiu, entusiasmada, à projecção dos inesquecíveis “Aniki-Bobó” e “Douro, faina fluvial”. Há quase 45 anos, já o Barreiro distinguia Manuel de Oliveira. Quantas terras podem dizer o mesmo?

Depois de se ter aposentado, Harrington Sena raramente vinha ao Barreiro, excepto para uma quase infalível visita anual que me fazia ao consultório, até há poucos anos, para uma revisão clínica e uma hora de bate-papo. Inevitavelmente, os tempos que aqui passou regressavam à conversa, e recordava com ardor tantas e tantas figuras e acontecimentos dessas épocas sem regresso.

Segundo ele, o Barreiro tinha entrado em declínio por volta de 1971, que se teria depois acentuado pelas terríveis lutas que opuseram os sectores políticos da sociedade portuguesa. As iniciativas partidarizaram-se, os antagonismos graves instalaram-se, o clima cultural da cidade definhou pelo envenenamento das relações entre as pessoas, anteriormente tão cordiais e afectivas.

Em simultâneo, as indústrias colapsaram ou desistiram, os capitais viraram as costas e saíram, com instruções para não olhar para trás. O Barreiro entrou em fase de desertificação e de zona de detritos pós-industriais.

E esse homem, que tanto tinha contribuído para que o Barreiro fosse aquela terra modelar e única no panorama português, ele que tanto tinha dado à sua gente, sentia como uma derrota pessoal o Barreiro do presente, e enternecia-se por esse tempo perdido em que as utopias foram realidade.

No fundo, acaba por ser significativo que Eduardo Harrington Sena tenha desaparecido no ano do Centenário da CUF no Barreiro; e também em que o Cinema-Ginásio, actualmente Casa da Cultura dos Trabalhadores da QUIMIGAL, encerrou definitivamente as suas portas.

Como ele, interrogo-me sobre se poderá o Barreiro esperar algum dia pelo regresso do seu fabuloso e antigo “espírito que pairava sobre as águas”?

Harrington Sena morreu a 5 de Setembro. Terá sido das primeiras pessoas com quem contactei no Barreiro, quando aqui cheguei e fui enviado para os Contactos 3 e 4 - antes de ser chamado aos Grupos de Câmaras, que reparti com o Rogério Silva, também já falecido [1]. Tudo fábricas de ácido sulfúrico, para quem não conheça já estas designações... Dentro do "tutorial system" que funcionava nas unidades fabris, para acolhimento dos novatos, foi com HS que dei os primeiros passos para entender como se funcionava em equipe, neste mundo tão diferente do universo académico de que tinha saído. Aprendi muita coisa e soube também que a dimensão humana e o apurado gosto artístico do meu "tutor" se expandiam dentro e fora do complexo fabril e que, como bem diz Miguel de Sousa, correspondiam a uma actividade plurima em que sempre a sua intervenção adicionava ponderação e qualidade. Na aproximação do centenário da CUF recordo a intervenção do Harrington Sena no projecto e coordenação do hoje esgotadíssimo "album do cinquentenário", que já estava feito quando aqui cheguei mas que se mantém como uma referência significativa, reunindo um registo fotográfico em que se destacavam os contributos do próprio Sena, de Augusto Cabrita e de Vítor Chagas dos Santos [2], as ilustrações de Eugénio Silva, o contributo histórico do crescimento do complexo e dos mais antigos e continuadores, completado com esquemas e descritivos da organização industrial, diagramas de fabrico e dados estatísticos que se estendiam da primeira produção (1908) até ao ano de 1957/8 [3]. De algumas das restantes e sempre valiosas acções, o memorial fala - e certamente que HS, excelente conversador, espírito arguto e opinativo e de um realismo incisivo, poderia longamente contar muito mais, sem nunca ultrapassar uma expressão encantadora que permitia que o tempo passasse sem que disso se desse conta.

Na parte final do memorial, Miguel de Sousa recorda uma opinião de Harrington Sena sobre uma terra que, não sendo a sua [4], tão bem conhecia e, sobretudo, tão bem entendia. E é preocupante esta visão, ao balizar em 1971 uma fronteira ou, pior que isso, uma correcta percepção de "mudança no sinal na derivada". Conhecendo-o, há que procurar retirar conclusões dessa mensagem: porquê "por volta de 1971"? O que terá sucedido então - e onde se terá(terão) localizado o epicentro (ou epicentros) desse abalo? Uma indagação, daria certamente um livro. E esse livro, voltado sobre a "nossa cidade" [5] seria uma excelente homenagem ao barreirense que foi Harrington Sena e que, por merecimento próprio, continuará a ser para aqueles que o recordam e deverá ser para a comunidade que tanto acarinhou. E de que fica credor.

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[1] Repartíamos os grupos: eu, o Grupo 1 e 2, o Rogério o 3 e 4.
[2] Sempre sonhei que poderiam ser feitos albuns para recordar a obra fotográfica de cada um destes designados, a que juntaria, ainda, o - mais tardio - Norberto da Costa e Silva. Existe uma edição sobre Augusto Cabrita: não chega - e os restantes ficam para memória futura. Saliento, a propósito, que o "Sinfonia de Metal", que o Jornal do Barreiro também evoca, era uma excelente visão fotográfica do "arrefecedor de trombone" ("trombone-cooler") do Contacto 2.
[3] Os efectivos da fábrica rondavam então o respeitável número de 10.500.
[4] Quem por aqui andar sentirá, por vezes, a afrontosa pose aristocrática com que, em diversas circunstâncias (recordo por exemplo uma caricata intervenção de um munícipe em assembleia municipal) alguns barreirenses se invocam da qualidade de "oriundos puros" i.e. de um genuíno indigenato. A esses, numa terra que foi centrípeta como todas as terras industriais e que hoje até tem a marca de unha do suburbano, eu costumo dizer que atire a primeira pedra o que, em três gerações anteriores, não conte pelo menos um genitor externo ao Barreiro. Poucos - se alguns - sobrarão. Mas esse desprezar das raízes fasciculadas, que são as raízes das searas, tornou-se também uma característica local!
[4] Em 1971 o Barreiro estava ainda longe de ser elevado a cidade (reconhecimento que só lhe seria feito em 28 de Junho de 1984), mas termo que eu uso aqui, como já então usava, na acepção do navio de André Kedros.
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domingo, 9 de setembro de 2007

Uma quadra


Marias da minha aldeia,
todas vós sabeis urdir
dum certo linho uma teia,
onde todos vão cair.

atribuída a Teixeira de Pascoais num jornal de 1917
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sábado, 8 de setembro de 2007

1914: A Morte do Tango

imagem/cartaz , do "site" "Tango" em
http://apps.varandas.org/video?search=Milonga

Além da notícia (escândalo) da remoção do busto da República da sala de sessões da Câmara Municipal de Barcelos, o jornal "Gazeta de Arouca", "hebdomadário republicano democrático" dirigido pelo combativo Dr. Ângelo Miranda, no seu nº 131, de 14 de Maio de 1914, mimoseia-nos com esta crónica “A traços rápidos”, datada de Abril de 1914 e escrita no Porto por um que assina Mário de Figueiredo (possivelmente não o mesmo Mário de Figueiredo que virá a ser um dos esteios do Estado Novo, ou então esse mudará muito...):

"A MORTE DO TANGO

Vai desaparecer dentro em pouco o tango. Assim o afirmam os entendidos, di-lo a medicina inexorável, assevera-o um eminente fisiologista francês, que acaba de descobrir na célebre dança, espalhada universalmente, a morte da beleza feminina.

O tango - demonstra-o a experiência – além de ocasionar um enorme esforço de concentração espiritual para se não esquecerem os seus duzentos e tantos passos, dá origem ao aparecimento de rugas, à perda das linhas delicadas e finas do rosto.

Em seis meses de tango qualquer dama de rosto mimoso e delicado, adoravelmente encantadora, terá o aspecto envelhecido, o corpo febril de cansaço, o rosto cheio de rugas…

Como vêem essa descoberta é alarmante, mesmo assustadora, principalmente para o elemento feminin…

Quando o tango se encontra em pleno vigor de vida, deslumbrantes, absorvendo todos, corrompendo tudo, vem a fisiologia e mata-o com as suas sinistras previsões.

Se se tratasse só da sua moral, estou certo que o tango não sucumbiria. Mas, como a ciência falou – e todos nela crêem fielmente – o tango que chegou a ser a adoração das mulheres lânguidas, ávidas de desejo e frementes de sensualismo, morrerá, irremediavelmente…"

Enganou-se o cronista: o tango durou bem mais tempo do que ele previa, ultrapassou mesmo duas mundiais taponas e colapsou (se é que colapsou...)quase em simultâneo com o desmantelar da indústria pesada e, parafraseando em negativo o dizer de alguns, com o ocaso que escureceu o Mundo. Bem sei que estavam eles, o cronista e o tango, em Maio de 1914, Serajevo seriam brevíssimas linhas na coluna 2 da página 2 do nº 140, de 4 de Julho, e mal se poderia então prever que, decorridos escassos meses, começasse efectivamente "a mãe de todas as "valsas".
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sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Na paragem do 36 ou Terreiro do Paço, Lado Nascente

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Diálogo ouvido:

- Mamã, mamã: quem apanha o có-có do cavalo?

- É o Fisco, minha Filha!

- E ele não tem medo das cobras?

- Não, Filha: tem a toca dele aqui atrás e já se conhecem de há muuuuito tempo!

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quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A Madona guerreira

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Não é muito vulgar a representação da Virgem com chapéu de combatente e espada, pisando uma águia. Esta está em Lovaina, no edifício reconstruído da Biblioteca da Universidade, e eles lá sabem bem porquê.

A propósito: esta Biblioteca, de uma universidade estabelecida no primeiro quartel do sec. XV (1425) , foi duas vezes queimada no sec. XX. E, à partida, em qualquer dos casos, a Bélgica tinha-se como neutra! Coisas da vida.
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quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Há um ano: a obsessão dos batentes de porta - 7

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Por agora... chega!
E ainda há muitos mais na colecção "Pisa Agosto 2006"

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Há um ano: a obsessão dos batentes de porta - 6

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Pisa, Agosto 2006...



segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Aviso à navegação

No decurso desta semana vou proceder a uma apreciável redução da lista de "âncoras" ou "ligações" constantes deste blogue. Faço-o essencialmente por três razões:

A primeira é a supressão de blogues que deixaram de ser operativos. É com expressa tristeza que, de alguns deles, me despeço. Representaram certamente motivos de visita e de diálogo interessantes, marcaram os seus momentos, mas ou foram retirados pelos seus autores, ou - uma vez abandonados - foram invadidos por expressões de teores e autorias bem diferentes ou ficaram parados no tempo, de há muito a esta parte. Para todos eles solicito que qualquer reactivação ou reformulação possa ser, para mim, motivo de notícia.

Outras "âncoras" que vou retirar - e algumas a blogues de meus próximos - respeitam àqueles que , porque demasiado "abertos" ao quotidiano próprio, acabam por referir pormenores de ordem pessoal que resultam em detrimento do que eu penso que um blogue deva ser - i.e. um album de reflexões e pensamentos, naturalmente personalizados, mas não necessariamente aquilo que possa caber a um diário e, sobretudo, a um diário íntimo. Quem escreve para um blogue não pode esquecer que expõe os seus escritos a todo o mundo e que os dispõe a possíveis vicissitudes que disso resultem. Dois factos recentes vieram revelar-me que há quem leia outros blogues para saber o que se passa comigo e com as minhas relações mais próximas - e, francamente, disso não gostei. Chamo a atenção para o que ao assunto se refere no artigo-entrevista "Perigos online" publicado nas pags. 32 a 37 da revista "Notícias Magazine" nº 797, de 2 de Setembro (i.e. ontem): nada de novo, na verdade, mas o suficiente para fazer pensar. É evidente que, como defensor da liberdade de expressão através do blogue, não tenho sequer a ideia de que esses outros blogues mudem de orientação de conteúdo: o que os terceiros deixarão de lá ir é através do meu, que é coisa muito diferente.

Um terceiro caso refere-se aos blogues que perderam oportunidade ou que, por alguma forma, correspondem a uma diminuição de meu próprio interesse pelos temas neles abordados. É uma verdadeira opção de franqueza, mas - por isso mesmo - justifica-se. Não é a coleccionar "links" que se não visitam (e há quem o faça) que se manifesta uma popularidade bloguística. Lembra isto a erudição bacoca de certos trabalhos académicos que, em rodapé e citando fonte, se preocupam com a cor das ceroulas do Napoleão em Tilsitt.

Vem agora uma outra situação, mas de sinal contrário: pessoas há que tem concedido a honra dos seus comentários, muitos deles do maior interesse. Não sendo este blogue muito comentado, sente-se no entanto muito penhorado (na acepção gratificante, claro) com essas visitas e agradece todas as achegas. Sucede porém que em diversos casos - e mesmo quando se afirma que se vai colocar este blogue em "âncora" pessoal, o que ainda mais se agradece - o remetente não fica acessível, pelo que a resposta ao comentário tem de ser dada no próprio blogue, o que geralmente se faz, mas a reciprocidade de "âncora" se não pode processar. Agradece-se pois a menção do "blogue" originário, se existir, seja na mensagem, seja por e-grama para o referido endereço saite.daqui@gmail.com. Há meios de moderação de comentários que automaticamente a isso podem conduzir, mas não se pretende - em princípio - excluir a possibilidade do comentário anónimo. Isto sem prejudicar a capacidade de eliminação dos comentários de índole comercial (praga que, felizmente, tem desaparecido) ou daqueles que, por insultuosos ou descabidos possam cair em cima disto. Assim seja.

E obrigado a todos!

domingo, 2 de setembro de 2007

6ª ICHC; Mendeleiev



Logotipo da 6ª Conferência Internacional da História da Química, que, realizada bienalmente, coube, no presente ano, a Lovaina (Bélgica), de 28 a 31 de Agosto (em 2005, a 5ªConferência foi repartida entre Lisboa e o Estoril).

A tempo 1: na mesma Conferência, a Real Sociedade Flamenga de Química (KVCV) distribuiu um "pin" alusivo ao centenário da morte de Dimitri Mendleiev (Tobolsk/Sibéria,1834 - SanPetersburgo/Rússia, 1907), o "pai" da Tabela Periódica dos elementos:


A tempo 2:
No que ao Barreiro possa mais interessar, duas apresentações distintas na 6ª CIHC reportaram-se respectivamente a Auguste Lucien Stinville e a Percy Parrish.
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sábado, 1 de setembro de 2007

Setembro: lírio roxo

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