segunda-feira, 31 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 22

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Autor desconhecido (Artista cristão asiático), sec. XX
"A Fuga para o Egipto
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domingo, 30 de outubro de 2005

Novamente Günter Grass... novamente "O Linguado"... novamente Novembro...

Os Dois

Ele não diz "a minha", ele diz "a mulher"
A mulher não gosta
Tenho de discutir isso primeiro com a mulher.

Medo amarrado no nó da gravata.
Medo de chegar a casa.
Medo de confessar.
Possuem-se um ao outro com medo.

O amor reclama os seus direitos.
E o beijinho habitual depois.
Já só a memória conta.
Ambos vivem do valor do litígio
(Os filhos observam algo pelo buraco da fechadura
e decidem o contrário para mais tarde.)

Mas, diz ele, sem a mulher eu não teria tanto.
Mas, diz ela, ele faz o que pode e ainda mais.
Uma benção que se tornou maldição e, como maldição, lei
Uma lei que se torna cada vez mais social
Entre os armários, pagos a prestações,
o ódio forma
borbotos na carpete: que não é fácil de cuidar.

Ambos já só se descobrem um ao outro,
quando se tornaram suficientemente estranhos,
no cinema.

Günter Grass
em "O Linguado", cap. "No Quinto Mês"

A fuga para o Egipto - 21

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Estilo de Beuron

No verão de 1998, o Museu da Universidade Católica (Beneditina) de Saint John, em Collegeville, Minnesota, EUA, organizou uma exposição de arte sacra no estilo de Beuron. Entre as peças apresentadas, destaca-se a "Fuga para o Egipto" que aqui se mostra. O "Estilo de Beuron" foi desenvolvido na escola de arte anexa à abadia beneditina de Beuron, na Alemanha, e entre os seus cultores cita-se, em St. John, o Irmão Clement Frischauf, O.S.B. - embora a obra referida não lhe esteja atribuída pois não tem, originalmente, indicação de autor.

Beuron:

É uma famosa abadia beneditina e escola de arte em Beuron, Sigmaringen, Hohenzollern, na Alemanha, fundada no ano de 777. Destruída no século X foi reestabelecida como um mosteiro agustiniano em 1077 e encerrada em 1802. Em 1863, a Ordem Beneditina foi aí reestabeleciada por Marius e Placidus Wolter. Elevada á categoria de Abadia em 1868 por Pio IX, foi novamente suspensa por Bismarck em 1875. Os monges regressaram em 1887 e fundaram uma florescente escola de arte sacra, cujos trabalhos são geralmente apreciados. (apud Catholic Encyclopedia).

sábado, 29 de outubro de 2005

Os silêncios e as palavras (provérbio árabe)

Numa entrevista ou numa simples resposta registada pelo "reporter" da TSF e ontem transmitida num noticiário da manhã, um político nacional - que aliás eu não prezo muito - saiu-se com uma frase, dita "provérbio árabe", que registei e achei excelente para muitos políticos e não só:

"O homem é dono dos seus silêncios e escravo das suas palavras".
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Pensei também que, por esta andadura exemplificativa, qualquer dia até os mexilhões acabam por dar pérolas.

A fuga para o Egipto - 20

Annibale CARPACCIO (1560 - 1609)
"Repouso na Fuga Para o Egipto"
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sexta-feira, 28 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 19

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Rev. HURLBUT
Gravura da "Story of the Bible" - 1904

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quinta-feira, 27 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 18

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Francisco de ZURBARÁN (1598-1664)
"Repouso na Fuga para o Egipto"

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Nota:
Este representante ilustre do barroco espanhol tem igualmente uma notável "Fuga para o Egipto" que não se reproduz aqui por razões técnicas. Além de uma extraordinária "Santa Margarida" que, seja dito, mais tarde ou mais cedo aqui vai aparecer!


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quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Que gente triste é esta?

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Ao João Sena

Que gente triste é esta? E que destino
é este de indiferença e de abandono?
Caminho como quem, por entre o sono,
acorda, bocejando. E imagino

mulheres e homens, velhos e meninos,
rostos e olhares, como cães sem dono, `
à deriva nas ruas. Só o outono
cobre a cidade escura. Nem atino

com os meus passos de vadio errando,
poeta louco, em meio à multidão.
Rumino versos de outra clara esperança.

E ergo os braços, leve levantando,
qual fardo oculto, o pobre coração,
que atiro aos outros como asa mansa.


José Augusto Seabra
em "A Vida Toda", Porto, 1961

A fuga para o Egipto - 17

Vittore CARPACCIO (c.1460-1525/6)
"A Fuga para o Egipto"
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terça-feira, 25 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 16

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FRA ANGELICO (1387/1400 - 1455)
A Fuga Para o Egipto

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segunda-feira, 24 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 15

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REMBRANDT. Hamerszoon am Rijn (1606-1669)
"A Fuga Para o Egipto" (1625)

AUA


E se estivesse sentado em frente de três seios
e não conhecesse só uma ou outra teta
e não fosse entre apenas duas repartido,
e não tivesse mesmo de escolher
e nunca mais tivesse de ser deste ou daquele lado
e não mais guardasse rancor a irmão gémeo
e ficasse-me bem, sem mais outro desejo?

Mas afinal só tenho outra opção
e há que pendurar-me numa das duas tetas
Tenho de invejar o gémeo meu irmão
e o desejo que me resta fica-me dividido
Pois mesmo inteiro sou meio de dois meios
E tenho de escolher um entre dois seios!

Só em cerâmica (com data incerta) existe,
mas algures terá mesmo vindo à terra,
Aua, a deusa, com sua fonte tripla
da qual uma, sempre a terceira, sabe
o que a primeira promete e a segunda nega.

Quem te levou, Aua, e nos deixou mais pobres?
Quem disse e repetiu que dois bastavam
e assim racionou o racionamento?

Günther Grass
em "O Linguado"
(adaptado)

domingo, 23 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 14

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Federico BAROCCI (1526-1612)
Repouso Durante a Fuga para o Egipto
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A questão de fundo

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A questão de fundo que se nos depara não reside apenas nos candidatos presidenciais que reunem maior atenção mediática para o próximo acto eleitoral. O problema reside, isso sim, na incapacidade do nosso sistena político, e muito especialmente nas vertentes que se reclamam de mais próximas a qualquer um daqueles, em conseguir - no confortável prazo intercalar existente - sugerir candidatos duma geração mais próxima ou em vencer as razões de indisponibilidade invocadas pelos que poderiam para tal apresentar-se e clara e prudentemente se esquivam. Candidatos há muitos e sortidos. Também há chapéus.
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sábado, 22 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 13

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Gheeraut David Oudewater, dito GERARD DAVID (1450/60 - 1523)
Descanso Durante a Fuga Para o Egipto


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Nota:Deste pintor existem pelo menos mais dois "Descanso Durante a Fuga [...]". Ver, entre outros:
"http://www.pitoresco.com.br/flamengo/gerard/gerard.htm"
e/ou
"http://cg-fa/sunsite.dk/gdavid/p-gdavid3.htm"

A quadratura do círculo

Estamos todos habituados a ouvir (ou mesmo a dizer) perante uma situação impossível que "isso é a quadratura do círculo" ou "queres mas é fazer a quadratura do círculo" ou similar. Mas o que é a "quadratura do círculo"? É um problema antigo: construir, utilizando apenas régua e compasso, um quadrado que tenha área igual à de um círculo dado. Antigo que seja o problema, só em 1882 o matemático alemão Carl Louis Ferdinand von Lindemann (Hanover, 12/4/1852; Munique, 6/3/1939) provou tal impossibilidade. Ou seja, por outras palavras, provou que pi é um número transcendente, ou seja,ainda, que pi não pode ser raiz de qualquer equação algébrica com coeficientes racionais.

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 12

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Anónimo Sec. XVIII (Escola de Cuzco)
"A Fuga para o Egipto"
Museus Municipais - La Paz - Bolívia
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quinta-feira, 20 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 11

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Gregório Lopes (c.1490 - 1550)
"A Fuga para o Egipto"
(MNAA - Lisboa)

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quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Dos comentadores sortidos ao OE 2006, nos "mí[l]dios"!

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Daumier
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Muitos deles serão cépticos;
Outros, menos, anti-sépticos;
Em todos, raros assépticos.
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A fuga para o Egipto - 10

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Albrecht ALTDOFER (1480 - 1538)
"Descanso na Fuga Para o Egipto" (1515-1519 - Gravura)
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terça-feira, 18 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 9

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Álvaro Nogueira (act. ca. 1590)
"Repouso na Fuga para o Egipto"
(M.N.Machado de Castro, Coimbra)
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segunda-feira, 17 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 8


Michelangelo Marisi (CARAVAGGIO) (1571-1610)
"Pausa na fuga para o Egipto"
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domingo, 16 de outubro de 2005

Minha pausa primeira entre as "Fugas para o Egipto"

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Gravura de Gustave Doré


É facto notório que a partir da descoberta conjuntural dos dinossáurios me meti num demorado jornadear pictórico a caminho do Egipto - viagem essa que, desde já aviso, ainda não acabou. Não podendo compartilhar a santidade e, infinitamente menos, a divindade das personagens nela representadas, caber-me-ia naturalmente o papel mais humano daquela enorme ida, feita para delongar os poderes de todos os Herodes [1] deste planeta: o do burro. Vai daí, estava eu mais que tranquilamente rendido à minha asinina sorte quando notícia gratuita me avisa de como os próprios orelhudos podem adquirir ferocidade. De facto, tal qual nos virus, há estirpes e estirpes de solípedes. Ramon Jiménez sabia-o, com o seu andaluz Platero, como o sabia o bom do Sancho que - limitado ao seu transporte - nunca pensou em mobilizar para si o Rocinante do engenhoso fidalgo. Como o sabia também Jean de La Fontaine em pleno século XVII [2], ao escrever o conhecido "Le Lion Devenu Vieux" [3] [4]. Ora pois, para esconjurar tais assomos e para poupar tempo e raciocínio, parece-me útil deixar aqui a aludida parte desse tão fabuloso fabulário [5], mesmo no seu francês original:

"Le lion, terreur des forêts,
Chargé d'ans et pleurant son antique prouesse,
Fut enfin attaqué par ses propres sujets,
Devenus forts par sa faiblesse.
Le cheval s'approchant lui donne un coup de pied;
Le loup, un coup de dent; le boeuf, un coup de corne.
Le malheureux lion, languissant, triste, et morne,
Peut à peine rugir, par l'âge estropié.
Il attend son destin, sans faire aucunes plaintes,
Quand voyant l'âne même à son antre accourir:
«Ah! c'est trop, lui dit-il; je voulais bien mourir;
Mais c'est mourir deux fois que souffrir tes atteintes.»

E com esta, me vou de abalada. O Egipto ainda não é logo ali, na direcção da Baixa, e todas as faixas de Gaza que ficam na estrada podem trazer as suas complicações. Mas não era V. I. Ulianov que dizia: "um passo atrás, dois passos à frente"? Perante um tão sábio conselho de progresso nem cabe agora perguntar "Que fazer?". Mãos à obra, cabeça fria, precisão cirúrgica e pés bem fora de tiros!

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Apuntos:

[1] Pausa para dizer "vê lá..." a qualquer semelhança que não seja coincidência.
[2] Toque erudito: 1621-1695
[3] Jean de La Fontaine também disse: "Sirvo-me dos animais para ensinar os homens".
[4] Alegoria essa que, por experiência, deveria ser presente a todos aqueles a quem, no mínimo, se aplica a definição etária do primeiro verso da "Divina Comédia".
[5] É a fábula nº 14 do Livro III.

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A fuga para o Egipto - 7

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Sadao WATANABE (Japão, 1913 - 1996)
"A Fuga para o Egipto" (gravura)
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sábado, 15 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 6

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TICIANO (~1586-1667)
(Tiziano Vecelli Di Gregorio)
"Uma pausa na fuga para o Egipto"

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Nota: Esta obra de Ticiano, após vários anos de "desaparecimento", foi reencontrada em 2002. Para conhecer melhor esta história ver:
http://image.guardian.co.uk/sys-images/Guardian/Pix/arts/2002/08/23/PAtitian3.jpg

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 5

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Cornelis VAN POELENBURGH (Utrecht, ~1586-1667)
"Pausa na Fuga para o Egipto" (~1640)

quinta-feira, 13 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 4

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Bartolomé Esteban MURILLO (1617-1682)
"A Fuga para o Egipto"

A fuga para o Egipto - 3

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Ambrosio Bondone GIOTTO (1267 - 1337)
"A Fuga para o Egipto"

quarta-feira, 12 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 2

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Paula Rego (n.1935)
"Pausa na Fuga para o Egipto" (1998)
(do conjunto "O Pecado do Padre Amaro)

terça-feira, 11 de outubro de 2005

A fuga para o Egipto - 1

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François Boucher (1703 -1770 )
"Uma Pausa na Fuga para o Egipto" (1737)

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

Texto recomendado (na conjuntura)

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"Quero um Dinossaurio"
de Satochi Kitamura
(Literatura infantil/juvenil)
Editorial Caminho
Colecção Livros do Arco-Iris nº 4

domingo, 9 de outubro de 2005

Sem-abrigo


"Um sem-abrigo já foi o menino de alguém"


LaSalete Santos
responsável pela Associação "Coração da Cidade"
em entrevista ao JN de 8 de Outubro, pag.4

sábado, 8 de outubro de 2005

Efeméride, em "Grande Reportagem" nº 247

No topo da capa da revista "Grande Reportagem" nº247, distribuída a 1 de Outubro com ambos "os Notícias" ("Diário de Notícias" com baricentro em Lisboa; "Jornal de Notícias" com baricentro no Porto) pode ler-se:

"EFEMÉRIDE Recordamos o ano de 1985, quando Portugal entrou na modernidade, trocando a ideologia pela economia."

Quantos equívocos se anicham nesta frase? [1] Quantos sofás frente à televisão? Quanta produção própria alienada de nós mesmos e a riqueza a sair pelo ralo? Quanta gente rica que o não é mas que convenceram disso com papas e bolos e que, até à hora das verdades, acredita em sê-lo e, sobretudo, em merecê-lo? Economia do "soufflé" (assim mesmo, em francês!) é o que muito da nossa economia é!

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[1] Dica: Caso se não recorde deles e/ou se as frases que se seguem a esta questão não têm para si sentido ou razão de ser, procure ler o texto original na citada revista. E, como aperitivo, comece logo pela capa da mesma! Ok (assim mesmo em anglosaxonês)?

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

A propósito do que já foi /poderia ser apenas um dia sete...

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Rosas amarelas, por Malou

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INSEPARAÇÃO

Esta
maneira de não estarmos juntos
mais nos insepara.

E ouvir
desenfadonha algazarra
dos netos alegrando a casa.

À hora da sesta
querê-los irrequietos mufaninhos
eu eterno avô desadormecido
pela barulheira dos netos.

Esta
inesquecível maneira
de não estarmos juntos
em nenhum sítio da vida
mais nos insepara
nos parágrafos do tempo.

Dor verdadeira
tem sempre outros contornos.

Quem a sente a rigor
é sempre o mais pequeno.

José Craveirinha [1]

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[1] Poeta moçambicano (1922-2003) , também descobridor de novas dimensões na língua portuguesa. Prémio Camões 1991


quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Saudação aos professores da UTIB

Por motivo do Dia Mundial dos Profesores (5 de Outubro), a UTIB - Universidade de Terceira Idade do Barreiro, promoveu na Biblioteca Municipal uma sessão comemorativa, para que fui convidado a proferir algumas palavras. Foram estas as que se dão a seguir:

"
[Saudações protocolares]

Quando fui convidado a proferir hoje – e aqui – algumas palavras, conhecedor que era da solenidade do dia, perguntei a razão com que tal convite me era transmitido e por que razão era eu escolhido para dizer algo.

Referiram-me então a minha participação na equipa instaladora deste ambiente de diálogo e conhecimento que é a UTIB e que traduz numa realidade que se afirma por si própria aquilo que pressentíamos e que era a capacidade de, no Barreiro, transmitirmos, de dar e receber conhecimentos pois nunca é cedo para uma partilha do que sabemos e nunca é tarde para aprendermos mais.

De há muito defendo o pragmatismo dos actos, que deve afirmar-se na realidade do seu exercício. Considero assim que quem faz a lei é menos quem escreve e mais quem a aplica, quem efectivamente transforma é mais quem faz uso duma força modificadora do que quem a concebe no abstracto, quem ensina é mais quem transmite conhecimento do que quem apenas o detem. Neste meu credo, previlegio pois a projecção afirmativa em todo e qualquer aspecto de realização. E, também nessa perspectiva do real, considero que o valor duma escola tem de ser percebido a jusante e reside no manancial de conhecimentos e experiências que permitiu e permite comunicar.

Valiosa é pois a noção de que não existe um tempo para aprender, porque se aprende a todo o tempo. Como também de que o tempo de ensinar é exactamente o mesmo tempo e moto de quem aprende - e de que o aprender e o ensinar resultam duma conjugação de vontades sempre aberta a novas ideias e a formas criativas e transformadoras da sociedade.

De facto, também de há muitos anos, sempre me causou calafrios o lema que Orwell atribui ao poder na sociedade totalitária que descreve no seu “1984” e que, em termos de pessimismo, poderia rivalizar com a do “Admirável Mundo Novo” de Huxley ou a do “Farenheit 451” de Bradbury. Diz, essa mensagem qualquer coisa como “Amor é ódio. Guerra é Paz. Ignorância é força”. É uma imagem persistente que retive da primeira leitura que fiz dessa obra, e desculpem-me se nela frequentemente me repito e ma ouviram já citar alguma vez. Aliás, tal frase não precisa de se materializar em três conceitos, bastando apenas sublinhar-lhe a perversidade que reside na última oração: “Ignorância é Força”. É que sociedades como as pintadas por esses autores já existiram e tanto a História como essas obras advertem-nos do risco de um regresso. Originaram, inclusive, outros ditos e foi assim que, em plena Espanha Franquista, o admirável pensador que foi Miguel de Unamuno ouviu da boca dum general triunfante, sulcado de cicatrizes, coberto de medalhas que se chamava Milan d’Astray o grito de “Morra la inteligencia. Viva la muerte!” que ficou na história como uma ostentação gratuita de estupidez humana. Mais perigosa é ainda quando tal procura da ignorância dos outros – e não é de ignorância comezinha - não sendo apregoada, recebe uma prática silenciosa. Porque qualquer exercício do domínio do homem pelo homem, quaisquer ditaduras – e hoje temos ditaduras que aparentemente não governam mas que estão presentes de formas muito mais subtis, insidiosas e sofisticadas e até quase omnipresentes – passam exactamente por aí, pela noção de que a ignorância de uns conduz à força dos outros. E, como corolário, essas atitudes passam igualmente pelo fomento de formas de ignorância, de desvalor das instituições e dos homens, de criação de estados de verdadeira anestesia social que induzem a complacência, afastam a afirmação pessoal, recusam a crítica e usam a mentira para afastar a dúvida ou o protesto. Ou então quanto, para dirigir a dúvida e o protesto para irrealidades utópicas, escamoteiam a verdade no que possa ter de desagradável mas que deve ser por todos compreendido porque, se não atalhada, por todos acabará fatalmente por ser vivida.

Ignorância será, sem dúvida, força para os que pretendem usar a força contra o seu semelhante. E é no professor que reside, também sem qualquer dúvida, a primeira linha de uma luta contra essa ignorância, o primeira fonte de uma sede de conhecimento, o primeiro elo do enriquecimento de um povo. O proverbário chinês tem uma afirmação muito conhecida e que eu aqui evoco: “se o teu vizinho tem fome, dá-lhe um peixe; mas se ele, além de teu vizinho é teu amigo, então ensina-o a pescar!”. Nenhum valor é mais valor do que aquele que, transmitido, permite aceder a outros valores. A eternidade da vida humana está afirmada nos genes que recebemos e vamos transmitindo. Neles, nós permaneceremos vivos. Da mesma forma o professor continuará presente: recebeu e transmitiu aquilo que sabia e poderá rever-se, pelo que transmitiu, no pensamento e na acção dos que ensinou.

Numa universidade sénior, como a nossa, isso tem um valor acrescido. São, os alunos, pessoas que – como atrás já disse – se reclamaram da ideia eternamente jovem de que o aprender não tem tempo nem termo. Porque, para aprender, é sempre tempo. Porque aprender é sentir o seu mundo revolver-se para vivificar novas ideias, como ensinar é revolver o mundo. 13000 alunos nas universidades de terceira idade portuguesas, como nesta sessão já foi referido, disso dão prova.

Creio pois poder exprimir, neste dia que lhes é dedicado, o reconhecimento de nós todos pelo esforço e a dedicação dos professores que, aceitando este desafio, vieram, nesta casa de verdadeiro confronto de ideias, no seu melhor sentido, de activo desafio, no seu melhor sentido, de permanente insatisfação, também no seu melhor sentido, e de revivida juventude, dar o seu valioso e essencial contributo e partilhar do sucesso de uma obra que é verdadeiramente de todos os que nela participam e da sociedade barreirense em que se insere.

Junto dois pequenos apelos, que são também fervorosos incitamentos, como miradas em sentidos diferentes na direcção única no tempo que é a vida das pessoas e das instituições. A primeira mirada, para a frente, é que nunca abandoneis a novidade, que nunca recuseis a criatividade no que ela possa ter de revolucionário e de aquisitivo de novos campos e formas. A segunda, olhando o caminho, é que preserveis as memórias, para que estas se não percam e para que não tenhamos um dia de dizer, como o Pavese que então a própria frase “aqui era uma fonte” será suficiente para nos comover. E existem, hoje, meios que inclusive permitem congraçar estes dois vectores. Falaremos brevemente desse desafio.

Concluindo, renovo os nossos agradecimentos:

Estimados professores: bem hajam pois pelo muito que fizeram. Bem hajam pois pelo muito que continuarão fazendo.

Barreiro, 2005.10.05"

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

Terminal do Barreiro

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5 de Outubro de 1910

República Portuguesa

terça-feira, 4 de outubro de 2005

Remember Janis

Port Arthur / Texas, 1943.01.19 - Los Angeles / California, 1970.10.04

Relógios e relógios...

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Dali (fragmento)

Seja dito que o bloguista que subscreve estas linhas é, por formação e por deformação, de mentalidade positiva. Por isso procura fundamentar racionalmente as coisas e, por isso também, revolveu-se ao encontrar laivos de arquétipo platónico na "Grundnorm" de Kelsen, apresentado este como lídimo representante do positivismo jurídico e aquela como a que encima a pirâmide dos normativos e que" existe sem existir". Quando conheceu melhor o teorema de Gödel [1], de que um dia falaremos aqui, essa sua dúvida esbateu-se um tanto, pelo que levou como tema a um exame de "Filosofia do Direito" qualquer coisa tão criativa, inesperada e até (para algumas mentes) subversiva como "A pirâmide de Kelsen e o teorema de Gödel", o que lhe rendeu uma razoável classificação e a alegria de poder demonstrar que há coisas que não estão tão longe umas das outras como muitos pensarão [2].

Bem: vem esta postagem a propósito do apontamento "Morte de Um Relógio" que, na sua secção "A História Mais Insólita", assinada por Gloria Daganzo, publica a "Historia y Vida" nº 447, editada em Barcelona em Junho último. Com a devida vénia se transcreve o texto, que reza assim:

"A 1 de Fevereiro de 1908 caiu assassinado, em Lisboa, Carlos I de Portugal. Nesse mesmo dia, deixou de funcionar o relógio de bolso que o grande actor italiano Ernesto Rossi trazia sempre consigo. Estas duas situações, que não aparentam ter entre si qualquer relação, compartilham de facto uma história. O Rei, grande admirador do artista italiano, havia-lhe oferecido aquele relógio com a condição de nunca se desfazer dele. O maquinismo deixou de trabalhar quando os seus ponteiros marcavam a hora do regicídio, ao meio-dia. Nunca mais o conseguiram reparar."

Esta questão do relógio veio recordar-me uma experiência trágica, que em família vivemos. Um meu muito próximo familiar morreu no Hospital, pelas quatro horas e meia da manhã. Pois a essa exacta hora, longe dali, sem que soubéssemos do seu passamento, soltou-se inesperadamente o alarme dum relógio despertador mecãnico que era pertença desse familiar, mas que há muito tempo não era usado e estava parado e inerte sobre uma cómoda desde há anos, acordando todos aqueles que estavam então em casa [3]. E, esgotado o tempo normal do alarme, continuou inerte e parado como tinha de há muito estado.

Uma história tão insólita como a primeira. Certamente.

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[1] Prometo fazer uma pausa na "deriva matemática" que se pretendeu insinuar nas últimas postagens deste blog. Ver-se-á como a presente postagem, embora começando mal, já ficará fora disso. Mas não se pode deixar aqui de recomendar uma obra de fôlego, felizmente disponível em Português, e que poderá estragar o remanso de umas boas férias a muita gente: a obra de de Douglas R. Hofstadter "Gödel, Escher, Bach - Laços Eternos", subtitulada "Uma fuga metafórica sobre mentes e máquinas no espírito de Lewis Carroll", Prémio Pulitzer, editada pela Gradiva em Novembro de 2000 (a edição original da Basic Books, Inc era de... 1979) [4]

[2] Entre outras "gracinhas" que encontrei, citarei o uso da noção de "operador" nos problemas de devolução que caracterizam o Direito Internacional Privado.

[3] Parado mesmo, no que se refere ao andar do tempo e no que toca ao dispositivo mecãnico do alarme. Admitindo que ainda havia alguma tensão no sistema de corda do alarme, o que não pudemos verificar pois ninguém contava com aquilo, fica sempre em aberto a questão do dia e hora insólita em que tocou e de não se ter soltado tal corda em qualquer dos (muitos) dias anteriores.

[4] Anotação a anotação: alguém vai dizer que caí finalmente na menção de Escher, que muitos de mim já há muito esperavam. Escher, Pavese, etc. etc. Lá iremos, também!

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Os guardanapos de Conway

É conhecida a frase "numa mesa internacional - i.e. com pessoas de várias nacionalidades - há sempre alguém que fica sem pão e alguém que fica com dois pães". Embora esta frase sugira um reparo à distribuição da riqueza no mundo, não é bem este o caso que aqui agora se chama e tanto assim é que o mesmo se passa com guardanapos!

A razão é conhecida: há regras de protocolo diferentes de país para país, em que uns tomam o pão (ou o guardanapo) à esquerda, e outros o tomam... à direita. O comportamento lógico de um conviva numa mesa destas é, primeiro, tirar o pão (ou o guardanapo) segundo a regra que aprendeu; se já alguém tirou esse pão ou esse guardanapo, das duas uma: ou há ainda um pão (ou um guardanapo) na mesa e o conviva, embora não esteja "do seu lado", aproveita-se lépido e agarra-o logo; ou, se não foi tão rápido e o conviva vizinho do outro lado já se aproveitou, ver-se-á na indesejável (mas aliás prevista) circunstância de ficar mesmo sem pão (ou guardanapo).

Como os matemáticos são eternos e questionantes jovens que, com a imposição de números, expressões ou leis, procuram "dominar" factos que vão da escala cósmica às situações mais banais da vida, o Sr. John Conway preocupou-se com este caso. Enunciou-o da seguinte forma: admitamos uma mesa circular em que se vão sentando N convivas, um a um. Não há chefe de mesa que os vá arrumando, pelo que eles se sentam ao acaso, embora um a um. São iguais as probabilidades de um qualquer conviva ser dos que tiram o pão á esquerda ou dos que tiram o pão á direita. Cada conviva, uma vez sentado, segue as regras expostas no período anterior. Existirão assim convivas "satisfeitos" (os que tiraram o pão do "seu" lado), convivas "frustados" (os que foram forçados a tirar o pão do "lado" para eles errado) e convivas "lixados" (os que ou ficaram sem pão ou, na versão do problema com guardanapos, se viram obrigados a limparem-se à toalha enquanto olhavam o tecto, assobiando!). A questão que Conway formulou é, agora, bastante evidente: qual a probabilidade de cada uma destas três situações possíveis?

De acordo com a revista francesa "La Recherche", do último Julho-Agosto, pag. 26, estas questões entusiasmaram dois outros matemáticos (Anders Claesson, da Universidade de Kalmar, na Suécia, e Kyle Petersen, da Universidade de Bandeis, nos EUA) cujas conjecturas enchem 17 complicadas páginas que se podem "levantar" no seguinte endereço electrónico:
http://fr.arxiv.org/abs/math.CO/0505080.22005
e que terminam com as seguintes conclusões, em termos de "resultados assimptóticos", i.e. correspondendo a um número N de convivas tendendo para o infinito (grande grande mesa, gentes!): "lixados": 12,3%, "frustados": 17,4% e "felizes", por diferença, da ordem dos 70,3%. Sentemo-nos pois com limitado receio àquela mesa infinita, já que o risco de ficarmos sem pão é relativamente reduzido. Mas como as coisas se passam na terra das realidades e em mesas finitas, "limpemos" imediatamente o primeiro pão (ou guardanapo) que apareça! Porque, lá está como começamos, há quem fique sem pão (ou sem guardanapo!) e quem possa aproveitar-se de dois pãe, em prejuízo da comunidade (embora esta situação de abuso não esteja prevista no problema!).

Interessante é a resposta dada pela matemática francesa Sylvie Corteel (até temi que fosse Courtel, pois já vi grafar anglosaxonicamente "Paree" por "Paris" - mas é Corteel mesmo, busquem pelo seu nome e vejam a sua página) quando da discussão deste problema: para ela, os convivas não seriam certamente franceses, pois estes recusar-se-iam a tomar o guardanapo errado e prefeririam esperar sem comer, cruzando os braços, até que o serviço de mesa restabelecesse a ordem correcta e lhes fornecesse o guardanapo em falta. Comentário espirituoso, de dois gumes, um dos quais configura a incessante picardia franco-americana. Ah, Lafayette!


domingo, 2 de outubro de 2005

Danos colaterais

Que o desfazer de locais e reservas arqueológicas do Iraque foi um verdadeiro regabofe já todo o mundo conhece. Em nome sabe-se lá bem de quê, mas que cheira a petróleo isso cheira, criaram-se situações e esvaziamentos que constituem um verdadeiro atentado ao legado da Humanidade e que, em todos os casos, destruiram o irreconstituível. Quem fez o quê ou quem criou condições para que esse quê sucedesse equiparou-se escala a escala ["um maior poder deveria sempre obrigar a um maior conhecimento, mas uma falta desse conhecimento não desobriga duma maior responsabilidade"] aos fundamentalistas afegãos que se divertiram religiosamente imenso a destruir os Budas gigantes de Bamiyan, repudiando mais de 15 séculos de presença histórica. Aqui, em termos de antiguidade, afectaram-se valores muito mais remotos...

No sentido de inventariar o que sucedeu e de dar a conhecer ao Mundo a extensão e o significado desses "danos colaterais" (como "eles = them" lhes chamam), o projecto IW&A, conjuntamente patrocinado pela Archeaeus, Inc e o Institut für Orientalistik da Universidade de Viena, mantem o portal http://iwa.univie.ac.at.

Recomenda-se uma visita. Todos fomos/somos afectados.

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sábado, 1 de outubro de 2005

Congresso sobre o Alentejo

Évora, Outubro 1985


Volto a uma postagem experimental! A finalidade é verificar como se pode postar uma sucessão de páginas, enquanto não obtenho a prática suficiente para postar um "power-point" como tal (operação esta que é possível).

Como, para um ensaio, nada melhor há que buscar-lhe dupla utilidade, lembrei-me dos dois volumes das comunicações ao "[Primeiro] Congresso sobre o Alentejo - Semeando Novos Rumos" que, em Outubro de 1985, teve lugar em Évora. Esses dois volumes foram editados pela Associação de Municípios dos Distritos de Beja e, mercê das dificuldades técnicas de colagem, o estado dos meus exemplares "não é dos mais recomendáveis". Foi porém possível proceder á digitalização dos índices, que permitem conhecer razoavelmente o respectivo conteúdo e motivar acessos selectivos.

Direi que, quanto a pirites e ao "projecto cobre", que me parece - pelo teor das comunicações - já estarmos então no "esvaziamento" das ideias originais [1]. O confronto com uma cronologia detalhada permitirá confirmar essa hipótese.

Aliás, neste mês de Outubro, faz exactamente 20 anos que este Congresso teve lugar!
É (sempre) interessante confrontar o que então se disse com o que desde então se fez. [2]
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A conclusão desta experiência é a seguinte: é possível, embora trabalhosa e demorada, uma postagem de páginas como imagens. Não se obtiveram, no entanto, resultados que se pudessem considerar inteiramente satisfatórios, pelo menos neste ensaio e no que toca a legibilidade directa. Partindo de um formato aproximado B5, os melhores resultados que se conseguiram foram com Microsoft Office Picture Manager, após scanagem das páginas uma a uma em BMP, 600 dpi, não se tendo conseguido simples transposição para o blog sem uma grande demora a 750 pixel de largura (portrait), mas já se obtendo (mesmo assim com demora) a ~700 pixel - o que envolveu uma adequação das imagens, também uma a uma, por utilização das ferramentas do programa. O balanço geral deste primeiro ensaio estará aquém do desejado mas demonstra a viabilidade da operação, embora se admita que seja possível melhorar francamente a técnica, mesmo antes de adoptar a solução do "power-point" actualmente em estudo.

Um procedimento para conseguir a legibilidade das páginas e imprimir folhas com ampliação suficiente consiste em clicar na imagem que se deseja, fazendo-a surgir isolada. Acabada a consulta ou a impressão, bastará ir à barra de comando e clicar na seta "para a frente", i.e. para a esquerda, para que em princípio se reconstitua a postagem.

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Notando & sugerindo...

[1] Direi que das "ideias originais" só ficaram mesmo as "ideias originais".

[2] Um outro exercício quase ucrónico poderá ser iniciado por uma visita à Ordem dos Engenheiros e a obtenção dos documentos do simpósio "Indústria Química: Anos 80", promovido por essa Ordem. Caso aí já não exista uma colecção completa, haverá certamente quem a tenha. Depois, a partir desses elementos, proceder a um cotejo a dois planos: o nacional e (para que não caiamos no impertinente exercício de nos exorcizar por tudo e por nada, sem um confronto alargado) o internacional também. No eixo do tempo, bastará refazer o exame década a década, tipo fotografia. Aconselha-se levar um ou dois pacotes de lenços de papel.

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