quarta-feira, 31 de agosto de 2005

Um cartaz de Alphonse Mucha: "Amants"

DNA & “Pão de Canela”

Para quem possa não saber, DNA também é a revista semanal que, como suplemento do DN, sai às sexta-feiras. A última, de 26 de Agosto, trouxe uma entrevista com a deputada do BE Ana Drago e, entre outras coisas, um artigo de opinião sobre o “Pão de Canela”, simpático estabelecimento de cafetaria / restauração naquela praça de Lisboa que já mereceu uma fotografia neste blogue e que se chama “Praça das Flores”. Quanto á primeira, é de ler, se possível enquanto se “trinca scone” do segundo; quanto a este, é de anotar o local, as referências, a clientela fidelizada (de fidelidade e não de Fidel) e a chamada da Sónia – sempre activa e, pelos vistos, reencontrada gerente da casa -- a um especial e merecido elogio por parte da Autora, alheio certamente a afinidades onomásticas.

terça-feira, 30 de agosto de 2005

Bernardo Santareno - Um dramaturgo esquecido
(Santarém,1920 - Lisboa, 1980)

Dir-se-á quão injustamente. Regista-se e recomenda-se a leitura da evocação do autor de "O Judeu" feita na pag 28 do "Público" de ontem, 29 de Agosto, no 25º aniversário da sua morte.

Isabelle Eberhardt ou ainda os caminhos (2)

... os deuses não perdoam a quem lhes tenta fazer frente. E é da mesma Isabelle o seguinte escrito triste com que fecha a referida obra, quando constata que razões de saúde (uma das tais formas de vingança divina) a impedem de prosseguir para Marrocos com os seus companheiros do deserto e a obrigam a regressar ao “reduto doméstico” (que, apesar de tudo, existia!) em Aïn Sefra, na Argélia, onde finalmente uma daquelas bruscas e violentas inundações de uéde a virá matar, em Outubro de1904. Tinha 27 anos. [Neste texto, a Autora exprime-se no masculino pois Isabelle Eberhardt acompanhava as caravanas disfarçada de homem].

“PARTIDA

Pela última vez, desperto no terraço ouvindo o chamamento rouco do mueddhen, que se arrasta na noite.
Está fresco o ar. E tudo dorme.
O berbri El-Hassani e o negro Muley Sahel põem-se de pé. Tal como eu, vão partir amanhã, mas em sentido contrário.
Eu vou voltar para Béchard, Beni-Unif e daí para Aïn-Sefra, a fim de me tratar durante o resto do Verão, de maneira a poder depois aproveitar as primeiras caravanas do Outono.
Os meus companheiros preparam-se para partir para Bu-Dnib. Gostariam de me levar com eles e eu gostaria de ter forças para os seguir.
- Pensa bem, Si Mahmud, diz-me o berbri, ainda estás a tempo. Viajaremos durante um mês inteiro, atravessaremos terras onde terás numerosas ocasiões de ver coisas novas e de te instruíres. Subiremos o Guir, iremos até ao Tafilala ou talvez até ao Tisint... Serias recebido em toda a parte como nosso irmão.
A tentação é muito forte... mas partir assim, fraca como estou ainda, e sem autorização, sem prevenir ninguém...Esta viagem de estudo e cortesia não poderia ser mal interpretada? Muito contra-vontade, resigno-me a retomar hoje a estrada de Béchar...
Será tão diferente esta viagem de regresse da da vinda, quando avancei a caminho de uma terra desconhecida!
- Não, El-Hassani, não posso. Fica para depois, para daqui a algum tempo. Quando puder, mandarei prevenir-te.
- Deus queira que possas realizar sem dificuldades os teus projectos.

Dois outros negros, que viajarão a pé, encontram-se também presentes, imóveis, encostados á parede, com a espingarda nos joelhos. Mal percebem o árabe, porque nasceram e foram criados na estrada de Fez, entre os Aït-Ischoruschen, os mais fristes e mais fechados dos Berabers.
Um deles mantém um silêncio feroz e lança-me um olhar baixo. Aos seus olhos, é evidente que não passo de um réprobo, de um maldito m’zani.

A uma ordem breve de El-Hassani, os negros selam os cavalos. Os meus companheiros da zauïa apontam-me com o dedo a direcção do Guir, para onde vão. Porém, não se separarão de mim bruscamente. Fazem questão de me acompanhar algum tempo, voltando depois atrás.
- Vamos contigo – diz-me EL Hassani – até á entrada dos cemitérios.
Saímos. Sinto a garganta apertada de emoção, de tal modo que mal consigo responder às palavras que me dirigem. Mas é preciso manter, até ao fim, um coração de homem.

No meio das pequenas lápides agudas, cravadas como ardósias, de pé, na argila dura, e marcando o comprimento das sepulturas onde de vez em quando os cavalos, embora habituados ao terreno, ainda tropeçam, apeamo-nos, como é costume no momento da separação dos amigos, e abraçamo-nos três vezes.
- Vai então com a paz e a segurança de Deus!
- Que o teu caminho seja o do bem!
De novo a cavalo, partimos em direcções opostas: El-Hassani para o inexplorado Oeste, por onde tanto gostaria de o seguir, e eua caminho do desencanto das regiões já conhecidas.

Do alto de uma pequena elevação, sigo demoradamente com os olhos a gente de Bu-Dnib que se afasta. Por fim, desaparecem no labirinto das dunas e na claridade cor-de-rosa do dia que nasce. Com eles desaparece para mim o ultimo clarão de esperança: por muito tempo, talvez para sempre, ficarei sem poder voltar a entrar em Marrocos.

Enquanto a minha égua avança a passo lento, os olhos desolados perdem-se-me percorrendo o vale, que à vinda achei tão belo na natividade esplendorosa do Sol de Verão.E porque estou de regresso, porque talvez um longo exílio, longe do deserto amado, vá começar para mim, acho hoje a região banal, quase feia, eriçada de mil pontas a que nenhum raio de luz se prende. Foi um grande encanto que se desvaneceu.
Então, raivosamente, ferindo os flancos da minha égua branca, lanço-me num galope forte, e o vento do deserto seca-me os olhos húmidos...”

[ "Escritos no deserto", ed. Relógio de Água, 1990,pags.303/304]

Como bem diz o Pessoa “qualquer caminho... em cada ponto seu em dois se parte”. É uma realidade sempre presente, que compartilha a condição dos homens e a natureza própria dos caminhos.



segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Isabelle Eberhardt
ou ainda os caminhos (1)

A vida e os escritos de Isabelle Eberhardt (1877-1904) foram para mim, quando os descobri, uma revelação e um entusiasmo. Mulher extraordinária, esta recusadamente (mas persistentemente) romântica e fragilmente forte palmilhadora do Sahara. Dela o texto seguinte, extraído da versão portuguesa de "Escritos no Deserto", editada pela "Relogio d'Agua" em 1990, com tradução de Miguel Serras Pereira. Corresponde a uma introdução à primeira parte da obra, parte essa que se intitula "Vagabundagens":


"Há um direito que só muito poucos intelectuais cuidam de reivindicar: o direito à errância, à vagabundagem.

E no entanto, a vagabundagem é a emancipação, e a vida ao logo das estradas, a liberdade.
Romper corajosamente um dia com todos os entraves que a vida moderna e a fraqueza do nosso coração, a pretexto de liberdade, fizeram pesar sobre os nossos movimentos, pegar no bordão e no alforge simbólicos e
partir!

Para quem conhece o valor e também o delicioso sabor da liberdade solitária (porque apenas sós somos livres) não há acto mais corajoso nem mais belo do que o da partida.
Felicidade egoísta, talvez. Mas felicidade, seja como for, para quem souber saboreá-la.
Estar só,
ser pobre sem necessidade, ser-se ignorado, estrangeiro e estar em toda a parte e, solitário e grande, caminhar à conquista do mundo.

O sólido caminheiro, sentado à beira da estrada, e que contempla o horizonte livre, que se abre á sua frente, não será senhor absoluto das terras, das águas e até dos céus?
Que castelão poderá rivalizar com ele em poderio e opulência?

O seu feudo não tem limites, o seu império não tem lei.

Nenhuma servidão lhe avilta o porte, nenhum labor lhe inclina a cerviz para a terra que possui e se lhe entrega, inteira, cheia de bondade e beleza.

O pária, na nossa sociedade moderna, é o nómada, o vagabundo, "sem domicílio nem residência conhecidos".

Acrescentando estas palavras ao nome de um qualquer irregular, os defensores da lei e da ordem julgam desonrá-lo para sempre.

Ter um domicílio, uma família, uma propriedade ou uma função pública, meios de existência definidos, eis outras tantas coisas que parecem necessárias, indispensáveis quase, à imensa maioria dos homens, incluindo até mesmo os intelectuais que se crêem mais emancipados.

Todavia, todas essas coisas são apenas formas variadas da escravidão a que nos obriga o contacto com os nossos semelhantes, sobretudo um contacto contínuo e bem regrado.
Sempre ouvi com admiração, sem inveja, as histórias das pessoas honestas que vivem vinte ou trinta anos no mesmo bairro, ou até na mesma casa e que nunca deixaram a sua terra natal.


Não se sentir a necessidade torturante de saber e ver o que há ao longe, para lá da misteriosa muralha azul do horizonte... Não se experimentar a deprimente opressão da monotonia dos cenários... Ver a estrada que parte, muito branca, para distâncias desconhecidas, sem se sofrer a necessidade imperiosa de partir com ela, de a acompanhar docilmente, por montes e vales, sim, toda esta pávida necessidade de imobilidade se assemelha à resignação inconsciente do animal que a servidão embruteceu e que estende o pescoço para aceitar os arreios.


Toda a propriedade tem as suas extremas. Todo o poder, as suas leis. Ora, o caminheiro possui toda a grande terra cujos limites são o horizonte irreal, e o seu império é invulnerável, porque ele o governa e goza em espírito."


Cendrars (virei brevemente a falar dele) e Kerouac não teriam escrito melhor. Mas...

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Ressalva do bloguista: Admito que a palavra "vagabundagem", usada pelo tradutor, possa ter diferentes conexões, inclusive aviltantes, noutras latitudes e longitudes da nossa língua e que, mesmo em Portugal, possa levantar reservas (vejam-se as acepções conexas no "Dicionário de Sinónimos" da Porto Editora). Embora não conheça a palavra original usada pela Autora, entendo que o sentido com que aqui se emprega é o que se aproxima do alemão "das Wanderleben" = vida caminhante, peregrina, romeira, de viandante, nómada, sentido esse definitivamente menos depreciativo.

domingo, 28 de agosto de 2005

Amnistia Internacional (AI):
a morte de Peter Benenson (1921-2005)


O número 20/21 de AI Informação, referente ao 1º semestre de 2005, traz a notícia da morte do advogado londrino Peter Benenson, o fundador da AI. Dos textos publicados , e que são esclarecedores para compreender o que é e pretende ser a AI, destacam-se três pequenos excertos e sugere-se a leitura de todos [1].

1.

“Aos 16 anos, Peter Benenson organizou a sua primeira campanha para obter o apoio do resto da escola para a causa dos órfãos republicanos da Guerra Civil espanhola e ficou para sempre a achar que devia ter feito mais: “Se há coisa de que me arrependo na vida é de não ter ido a Espanha participar na Guerra Civil.””

[da revista “Sábado”, de 4 Março 2005]

2.

“É a história de um homem que lia o seu jornal no metro de Londres em finais de 1960. Estava a ler um pequeno artigo sobre dois estudantes portugueses que foram condenados a 7 anos de prisão por fazerem um brinde à liberdade. Revoltado, decidiu deslocar-se à embaixada portuguesa em Londres para protestar. Contudo mudou de ideias. Em vez disso, saiu na estação de Trafalgar Square, dirigindo-se à igreja de St. Martin’s in-the-fields. Entrou, sentou-se durante 45 minutos e começou a reflectir.

Nas suas palavras: Entrei para ver o que se podia realmente fazer para mobilizar a opinião mundial. Foi necessário pensar num grupo que pudesse motivar o entusiasmo das pessoas no mundo que estivam ansiosas para ver um maior respeito pelos direitos humanos.”

[de um artigo de Richard Reoch, traduzido por Sandra Silva].[2]

3.

“No 25º aniversário da Amnistia Internacional [3], Peter Benenson ao acender a vela (vela com arame farpado que se tornou o símbolo da Amnistia Internacional), representando a esperança e a liberdade, disse as seguintes palavras:

“A vela arde, não por nós, arde por aqueles que não conseguimos salvar da prisão, que foram mortos a caminho da prisão, que foram torturados, raptados, que “desapareceram”. É por eles que a vela arde.”

E é por Peter Benenson que cabe a todos nós trabalhar para que já não seja preciso acender mais velas.”

[de um artigo de Lucília Eloy Amaro]

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Pequenas notas do bloguista:

[1] E são vários: “Editorial” (de Pedro Calheiros), “Última hora – Morreu o fundador da AI” (de Lucília Eloi Amaro), “Peter Beneson – O homem que soube fazer a diferença” (não assinado), “Obituário – Peter Benenson (1921-2005)”, da revista “Sábado” de 4 de Março de 2005, um dos meios de comunicação social que ultrapassou a pouca atenção que, por muitos outros, foi dada à morte de Peter Benenson), “O homem que decidiu que era tempo de mudança…”(de Richard Reoch, com tradução de Sandra Silva), “Na morte de Peter Benenson, fundador da Amnistia Internacional” (de Irene Pimentel) e “Portugakl ainda precisa da Amnistia” (de Rita Marques).


[2] Para além do conhecido facto causal da fundação e das circunstâncias correspondentes, frequentemente mencionado nos textos citados, outros artigos referem-se especialmente às relações da AI com Portugal. Assim, Irene Pimentel faz um excelente reportório das mais relevantes situações, iniciando a lista com as prisões de 1960/1961 e a “carta dos trabalhadores do Couço”, divulgada internacionalmente em 1962. E o texto de Rita Marques, pela sua actualidade, merece conhecimento e reflexão. Estas referências colocam a AI (cujo email é aiportugal@amnistia-internacional.pt e portal http://www.amnistia-internacional.pt) na lista das entidades a contactar para o estudo das referidas situações e da sua repercussão internacional.


[3] Ano da fundação da AI: 1962.

sábado, 27 de agosto de 2005

Uma biografia de Jerónimo de Sousa

A "Grande Reportagem"(GR) de 27 de Agosto (suplemento do JN e do DN da mesma data), com a assinatura de Felícia Cabrita, traz a primeira parte duma biografia do actual lider comunista, cuja leitura e conhecimento - independentemente de carimbagens partidárias - tem efectiva oportunidade. De acordo com a referida revista, a segunda parte dessa biografia será publicada no próximo número, a 3 de Setembro, caindo pois em plena "Festa do Avante".

Ao mesmo biografado se refere, também na mencionada GR, o editorial do Director, Joaquim Vieira, que, no fragmento que seguidamente se transcreve, não deixa de assinalar uma condição importante:

"Jerónimo de Sousa é o primeiro operário a dirigir o PCP em 70 anos (o anterior secretário-geral de origem proletária, o torneiro mecânico e arsenalista Bento Gonçalves, morreu em 1942, mas na prática não liderava o partido desde que em 1935 foi preso e, pouco depois, enviado para o Tarrafal, para lá perecer). Sempre que os intelectuais dominaram o PCP, procuraram assumir um perfil "operário" - de que o secretismo fazia parte. Mas um intelectual a imitar um operário numca será um operário - é afinal o que demonstra Jerónimo de Sousa ao abrir o livro da sua vida."

sexta-feira, 26 de agosto de 2005

Poesias sobre o caminho...
De Machado (1) a Pessoa (2)

"Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar."

António Machado

"Qualquer caminho leva a toda a parte,
Qualquer caminho
Em qualquer ponto seu em dois se parte
E um leva a onde indica a 'strada
Outro é sozinho.

[...]

Ah! os caminhos 'stão todos em mim.
Qualquer distância ou direcção, ou fim
Pertence-me, sou eu. O resto é a parte
De mim que chamo o mundo exterior.

[...]"
Fernando Pessoa

"Deixei atrás os erros do que fui,
Deixei atrás os erros do que quis
E que não pude haver porque a hora flui
E ninguém é exacto nem feliz.

Tudo isso como o lixo da viagem
Deixei nas circunstâncias do caminho,
No episódio que foi cada paragem,
No desvio que foi cada vizinho.

Deixei tudo isso, como quem se tapa
Por viajar com uma capa sua,
E a certa altura se desfaz da capa
E atira com a capa para a rua."

Fernando Pessoa

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

Nick Cave... eu não tenho culpa!

A quem possa ficar admirado por eu apreciar Nick Cave, só consigo neste momento articular uma resposta! E a minha resposta é apenas esta:

"Parafraseando o Dr. Soares direi apenas ...


... eu não tenho culpa da idade que tenho!"

quarta-feira, 24 de agosto de 2005

Um texto de Frei Betto: Direito de matar
Agradecendo a quem m'o enviou e procedendo à divulgação que este texto requer...

"Direito de matar

Frei Betto [1]

Você pula cedo da cama, veste-se apressado, sai correndo para o trabalho. Você prometeu à velha dama inglesa que terminaria antes do almoço a revisão completa no sistema de aquecimento da casa. O momento propício é agora, pleno verão europeu. Ela não sabe de onde você veio. Não sabe que veio de uma terra muito mais quente, no Vale do Rio Doce, onde 30 graus à sombra é refresco. Por isso, você tem o costume de vestir a jaqueta. Pode ser que, na volta, a temperatura caia, e você não pode correr o risco de ficar doente, perder dias de trabalho, de seu ofício depende uma família brasileira no interior de Minas.

De repente, você escuta um estampido seco, a nuca arde como se um tumor aflorasse em seus ombros, você tenta entender o que ocorre – tempo suficiente para que, ainda em pé, mais sete tiros lhe atinjam a cabeça. Você tomba morto.

A gentil dama inglesa ficará à espera do técnico que prometeu terminar a revisão do aquecedor. Impaciente, dirá ao fundo vazio de sua xícara de chá, enquanto aperta os dedos na alça de porcelana, que não se pode mesmo confiar nesses estrangeiros, não gostam de trabalhar, basta adiantar-lhes o dinheiro para comprar as peças de reposição e eles nunca mais dão as caras. Aborrecida, cansada de esperá-lo, a velha dama liga a TV, sua companheira de solidão, e vê a notícia do atentado abortado graças à habilidade da polícia britânica. Antes que a bomba amarrada ao corpo fosse detonada, os policiais dispararam oito tiros contra a cabeça do terrorista ainda não identificado. A gentil senhora sente-se aliviada, protegida, malgrado o calote daquele rapaz estrangeiro, com cara de árabe, que não cumpriu a promessa de revisar o sistema de aquecimento.

A cara é de árabe e tem jeito de terrorista. Por que a jaqueta em pleno verão? Foi o que pensou o policial ao ver aquele sujeito correndo em direcção ao metrô, trajando agasalho numa manhã tropical em Londres. E o olhar dele aos seus companheiros de ofício bastou para conferir que os outros dois também farejaram o perigo. E sentiram igualmente o cheiro da vultosa recompensa prometida pelo chefe de polícia a quem evitasse um ataque terrorista. Inglês aquele sujeito não é. Muito menos irlandês ou escocês. Tá na cara, é afegão ou saudita. Se não agirmos rápido, em poucos minutos teremos a estação do metrô explodindo como uma mina atulhada de dinamites e pedaços de corpos espalhados por todos os cantos.

A vida, os sonhos, o amor e o trabalho de Jean Charles de Menezes cessaram à boca do metrô. Sete balas alojadas no cérebro e uma no ombro. Terrorista mata-se pela cabeça. Primeiro, para não detonar os explosivos atados ao corpo. Segundo, para zerar essa mente demoníaca que arquitecta a morte colectiva de inocentes e sacrifica a própria vida por uma causa sem futuro.

Sem futuro, mas não sem passado. O bem-pensar ocidental amestrou-nos a encarar os efeitos sem nos perguntar pelas causas. O que torna Bin Laden e seus asseclas tão abomináveis? Mais do que os métodos criminosos, é não terem em mãos um Estado poderoso. Estivessem sentados na pomposa cadeira de um chefe de Estado, ninguém os acusaria de terroristas.

Fomos treinados a ter horror à ação imprevisível, inesperada, ilegal, que desafia a lógica e desmoraliza todos os diagnósticos estratégicos. Estivessem eles acomodados num salão oval, dando o sinal verde para que duas bombas atómicas fossem atiradas sobre as pacatas populações de Hiroshima e Nagasaki, ou assinando o decreto que autoriza a CIA a subverter democracias sul-americanas, desencadear a Operação Condor, prender, torturar e matar milhares de jovens idealistas que amam os Beatles e sonham com um mundo mais justo, ninguém diria tratar-se de terrorismo.

Você já ouviu falar em Ahmad Abdullah? É um garoto de al-Qaim, pequena cidade situada a oeste de Bagdá. Ele também saiu correndo pelas ruas. Vinha radiante da escola. Trazia em mãos o boletim de final de curso. Queria mostrá-lo aos pais, havia obtido boas notas, tinha sido aprovado. Uma bala de morteiro disparada por um soldado made in USA interrompeu-lhe os passos. Atingiu-lhe o estômago, o fígado e o pâncreas. Uma rajada de metralhadora fez ondular seus cabelos lisos, pretos, que adquiriram um tom escarlate. E ele tinha apenas dez anos de idade.

Assassinar no Iraque, em Guantánamo, no Afeganistão, não é crime. É legal, não provoca horror, cobre-se com eufemismos que envergonham a liberdade e a democracia. O direito de matar goza da protecção cúmplice de nossa omissão, essa estranha cegueira que nos impede de abominar também o terrorismo de Estado.

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[1] Frei Betto, de seu nome Carlos Alberto Libânio Christo, cidadão brasileiro, nasceu em 1945 e quando jovem frade dominicano esteve envolvido com as lutas revolucionárias de seu tempo, com a política e a arte. Militante de esquerda, simpatizante da luta armada, dividia-se então entre os estudos de filosofia, o jornalismo e a assistência de direcção a José Celso Martinez Corrêa na histórica montagem de “O rei da vela” (1967). Hoje é um escritor consagrado, com numerosas obras de sucesso, nomeadamente "Gosto de Uva” (Garamond) e "Fidel e a Religião"".

terça-feira, 23 de agosto de 2005

Gosto também de arruda...
ou seja, da ruta graveolens

Gravura da obra do Prof. Dr. Otto Wilhelm Thomé
"Flora von Deutschland Österreich und der Schweiz"
("Flora da Alemanha, Austria e Suíça")
editada em 1885 em Gera (Alemanha)

Esta simpática planta, que alguns injustamente acusam de "mal-cheirosa", tem recebido a atenção que merece pela curiosidade que, em geral, levanta e pelos significados transcendentes que lhe são conferidos. Cito, como exemplo, a ilustrada pag. 79 da obra "Plantas Aromáticas - Guia Prático", de Lesley Bremness [título original: "Pocket Encyclopedia of Herbs"], editada pela Civilização em Agosto de 1993, em que o Autor, para além de uma descrição muito sumária da planta e do seu cultivo, refere a utilização das suas diferentes partes e recorda que tanto Leonardo da Vinci como Miguel Ângelo afirmavam que a sua [deles] capacidade criativa tinha aumentado graças aos "poderes metafísicos da arruda". Prosseguindo, esta fonte refere ainda: a utilização em ramo para aspergir as pessoas com água-benta antes das missas solenes (utilização essa que o bloguista de todo desconhecia e que duvida mesmo se reporte a uma pática usada entre nós); o seu espalhamento em vários locais por se acreditar que combatia a peste; a sua participação, como um dos ingredientes activos, no "vinagre dos quatro gatunos", que protegia os ladrões predadores das vítimas da peste; a sua figuração na heráldica da "Ordem do Cardo" [1]; e a inspiração que constituiu para o desenho do naipe de paus nas cartas de jogar.

Bastaria o que atrás se escreveu para demonstrar a sua singularidade. Mas, tanto ou mais valente que isso, está a fortíssima virtude que entre nós lhe é atribuída de "afastar maus-olhados e víboras", sejam estas meramente reptantes ou tenham a natureza bípede e racional que as torna constitutivas de bem maiores riscos e incomodidades.

Por tais merecimentos, desde os mais significativos e eruditos atributos até às utilíssimas protecções que logo atrás se reportam, e sobretudo porque eu gosto mesmo da planta em si, com o verde tão peculiar das suas folhas pequeninas, cabe-lhe de direito a presente referência.

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Nota breve:

[1] Refere-se até a existência de uma "Ordem do Cardo e da Arruda" [Ordre du Chardon et de la Rue], fundada em 1534 por Tiago V da Escócia, sob o patrocínio de Santo André [ver http://caldeiradabruxa.homestead.com/Regaleira.html]; esta ordem seria posterior àquela.

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

Três atitudes perversas...

1. Há alguns anos esteve muito em moda uma invenção de origem desconhecida que se chamava "Memorgenda" ou coisa assim. Estruturalmente o invento era simples: tratava-se de um livrinho em que o "paciente" ia escrevendo os seus mais diversos afazeres, para depois se lembrar de os fazer. Um sistema engenhoso permitia ver várias folhas ao mesmo tempo, para "gerir os atrasados" e um índice remissivo sintético, por palavras-chaves, garantia essa eficácia numa cobertura temporal ainda mais vasta. Embora houvesse certamente versões informáticas (havia e há mesmo...), esta era ainda manual. Um excelente exercício para quem não estivesse bem da cacholinha.

Ora, passados meses, uma revista arguia contra o referido sistema. E fazia-o por 3 - razões - 3:

A primeira invocada residia no facto de, como em tudo, existirem fundamentalistas que passaram a anotar como "actividades a preencher" os mais elementares actos que vinham praticando, dia após dia, sem necessidade de qualquer registo. Como p.ex. "comer", "dormir", "duchar", etc etc. Este trabalho acrescido não era compensado com nada, só cobria espaço e tempo úteis. E à medida que registavam meticulosamente zichos, as listas enchiam-se (com perda de perspectiva), as pessoas chateavam-se... e a igualdade entre o zicho e o facto mesmo relevante fazia geralmente com que o segundo fosse ocultado pelo primeiro.

A segunda observação não é exclusiva deste tipo de registo, até porque já caí nela! É o caso da designação remissiva por palavras-chaves, que se querem sintéticas e razoavelmente bem escritas. Por vezes o utilizador esquece-se do que a referência sintética significava mesmo ou não consegue ler aquilo que garatujou... e lá se vai a vantagem.

A terceira razão é bem mais escondida, mas não menos limitante. Pessoas há que, sobretudo ao fim de várias experiências, se sentem totalmente realizadas pelo simples facto de inscreverem uma tarefa, como se já a tivessem cumprido. "Descarregaram" e pronto! Acabam, assim, por manter uma agenda exemplarmente preenchida, pelo crescendo sucessivo do que têm a fazer e não está feito. Estas situações são as piores, levam a frustrações e surpresas graves quando das revisões... e transformam qualquer rol de afazeres num monumento à incapacidade convencida de que é capaz.

2. A segunda atitude perversa foi-me outro dia relatada, como exemplo situado no âmbito das relações correntes entre serviços duma autarquia. Alguém, certamente bem intencionado , "inventou" e distribui excelentes blocos A5, e mesmo A6, com o logotipo da mesma , os sacrossantos dizeres DE... e PARA... e espaços adequados para a data-hora e para a respectiva mensagem. Tudo bem... poderia parecer mesmo uma contribuição muito útil, para uma actuação dinâmica e responsável.

Pois, naquela pessoa colectiva, algumas pessoas singulares trataram logo de dar a volta à novidade e de a utlizar naquilo para que (não) fora concebida. E como o fazem? Muito simples! face a um assunto urgente que esteja atrasado, envia-se ao destinatário, sobre a hora, um dos tais DE... PARA... levantando uma qualquer questão processual e, cientes da demora (surpreendentemente extensa) dos circuitos internos, consideram , tranquilos, que, até à chegada da resposta, não há mesmo atraso. E, se alguém perguntar, candidamente se responderá: "já dei andamento!", "estou à espera de uma resposta!", "são eles os interessados, que dêem agora ao côco" ou outros mimos de identico teor. Já nem falo em emissões com datas intencionalmente recuadas, porque isso entra em capítulos mais enviezados!

3. Finalmente a terceira atitude que, tendo outra dimensão e outra qualidade de intervenientes, tem muito a ver com pelo menos uma das duas anteriores: a "não-devida dívida" de conhecidas associações desportivas ao fisco. Delas falaram muito -- e muito recentemente -- os jornais! A dívida existe mas, com uma reclamação ou um recurso, deixa de existir enquanto a reclamação ou o recurso correrem os seus trâmites. Poderá até ser prestada uma caução, mas em termos de "custos-benefícios" a prestação deve ser rentável, porque é praticada!

Fosse esse o caso do cidadão Epaminondas Deutério [nome obviamente suposto], que não tem nem as disponibilidades, nem a sageza, nem o tempo suficientes para se mexer em situação paralela, então o Epaminondas Deutério estaria rigorosamente feito, não havendo mesmo nada que lhe valesse. Desigualdades nisto? Pois na prática, e em termos de realismo, existem mesmo (nisto como em muitas outras coisas). E há quem as use. E quem se sirva das portas-dos-fundos de toda e qualquer legislação deste País, mesmo que essas portas dos fundos se destinem a defender os cumpridores. Oh se há! E entre muito bons encolher de ombros. Boa noite, que vou de abalada!

domingo, 21 de agosto de 2005

Algumas notas sobre Santa Bárbara

Padroeira dos que trabalham com fogo e explosões, artilheiros, mineiros, metalúrgicos, pirotécnicos, por extensão da sua capacidade de afastadora das trovoadas, Santa Bárbara, é alvo de um culto antigo e firme, que a surpreendente exclusão do calendário litúrgico pelo papa Paulo VI, em 9 de Maio de 1969, não iria reduzir [1]. Festejada a 4 de Dezembro, por vezes a sua celebração é deslocada para o Verão, sobretudo em comunidades de forte emigração, para contar com a presença, mesmo transitória, dos que então visitam a terra natal. Outros há que, como fiz o povo, "só se lembram de Santa Bárbara quando troveja", ditado que eu dedico a muitos dos planeadores, planificadores e alguns planadores nacionais.

Dando um exemplo desse arreigado culto popular, a Escola Secundária de Valença do Minho, no seu interessante portal e página

http://www.esec-valenca.rcts.pt/patrimonio.htm

e na secção “Mezinhas” recolheu e publicou a seguinte invocatória a Santa Bárbara, “para acalmar tempestades”:

«Santa Bárbara Virgem se levantou
e no seu livrinho de ouro pegou.
O Senhor lhe perguntou:
Para onde vais Bárbara?
Vou juntar trovoadas
que andam pelo mundo espalhadas.
Pois Bárbara virgem [vai]
e junta-as para onde não haja pão,
nem vinho,
nem bafo de menino,
nem galo a cantar,
nem boi a urinar.
Pela graça de Deus e da Virgem Maria,
reza-se um Pai Nosso e uma Avé Maria».

Esta recolha, cujo texto reparti por versos, mereceu-me um cumprimento de satisfação mas dois pequenos reparos, o segundo dos quais já formulado á referida Escola: primeiro, no comando divino à santa parece faltar o [vai] que se acrescentou; segundo, não acredito mesmo que a palavra “urinar” possa estar presente na versão original da invocatória, em que provavelmente a palavra “mijar” deveria surgir. Eu sei que este vocábulo pode parecer desagradável a ouvidos sensíveis e que se trata do portal duma Escola, logo sujeito certamente a determinados reparos pelos detentores desses mesmos pavilhões ou orelhas, mas na fala do Minho as coisas são mesmo assim e, quando se faz registo de tradições populares, as palavras devem manter-se exactamente como se ouviram e se dizem. Aliás, em termos de chocante, bastaria invocar como precedente respeitável, a fala do tolo no auto das barcas de Mestre Gil, dita certamente e explicada nessa Escola tal como por Mestre Gil foi escrita e levada aos ouvidos do Rei. Por outro lado, subsiste ainda uma pergunta: sendo o concelho de Valença heterogéneo, com parte urbana avassaladoramente crescente, parte ribeirinha e a “serra” (neste caso o monte da Senhora do Faro e as freguesias mais afastadas de Cerdal, Taião e Boivão) em que freguesia de Valença foi esta versão recolhida?


Um ícone representando a Santa com um dos seus principais atributos: a torre.

Já que falamos na oração a Santa Bárbara, uma sugestão foi remetida a essa escola: por que não se dedicarem a uma compilação gradual e tranquila de variantes desse arreigado devocionário popular (ou de outras manifestações do mesmo estilo, que também constam da citada página) ouvidas de “gente antiga” (mas nunca “gente velha”) em Valença, no Minho, na Galiza, no País, em locais em que possam ser recolhidas, por alunos e professores nas suas deslocações correntes ou feriais, fazendo um album aberto (inclusive na net, com apelo a outros contributos) em que fossem sucessivamente compilando, devidamente referenciadas, as diversas versões recolhidas? E, porque não gosto de dar sugestões sem algo trazer para elas, remeti-lhes logo a “Oração a Santa Bárbara” tal como é patente no alentejano Museu de Marvão (que vale a pena visitar, mas que actualmente está encerrado, “em obras”, segundo me dizem), entre outras invocatórias populares da região, todas com muito interesse:

“Santa Bárbara bendita,
No Céu está escrita,
Num papel com água benta,
Livra-nos desta tormenta
Que a leve lá para longe,
P’ra onde não haja pão nem vinho,
Nem flores de rosmaninho,
Nem mulheres com meninos,
Nem vacas com bezerrinhos.
Já os galos cantam,
Já os anjos se levantam,
O Senhor está na cruz,
Para sempre, amén Jesus.”

Ora deu-me, nestes dias, para passear os olhos pelo “Dicionário do Folclore Brasileiro”, de Luís de Câmara Cascudo, Editora Tecnoprint, Rio de Janeiro, 3ª Edição (edição de bolso [2]),1972, em que – previsivelmente – fui procurar o conceito “Santa Bárbara”. Não encontrei nada... e foi em “Bárbara” , pag. 143, que vim encontrar outra achega para esta pesquisa, que fica tão em aberto e é tão livre aqui quanto eu sugeri à Escola de Valença que ficasse. Verdade é que se eu me tivesse metido no conceito “Iansã”, identificada com Santa Bárbara no sincretismo religioso baiano (e não só), ia abrir uma porta de alance e conteúdo assaz complicado. Recomendo, por isso, a leitura de uma das últimas obras de Jorge Amado “O Sumiço da Santa” (1988) e, em termos desse sincretismo religioso, fico-me cautelarmente por aqui.

Mas voltando ao conceito “Bárbara”, aí o temos, tal como achado em Câmara Cascudo e com evidentes componentes lusas (como aliás muito da obra, como não podia deixar de ser):


Bárbara, Santa: Invocada ao lado de São Jerônimo, para afastar as tempestades, grandes chuvas e especialmente os trovões. Foi mesmo sinônimo de paiol de pólvora o Santa Bárbara do Forte, porque protegia o depósito contra o perigo de explosões. Por uma associação de ideias, a santa, que sempre viveu alheia à especialidade que obteria depois da morte [3], foi obrigada a sair despida pelo Cônsul Marciano. Rezou: “Seigneur, vous, qui êtes mon soutien et qui couvrez le ciel de nuages, couvrez mon corps qu’il ne soit pas exposé aux regards des impies.
Et il descendit du ciel un ange qui lui apporta une tunique blanche.” (Jacques de Voragine, Legende Dorée, II, 321). A alusão da Santa ao céu nublado constituiu-a égide dos escampados celestiais. É tradição que recebemos de Portugal. No Brasil reza-se:

“Santa Bárbara a bendita
Que no céu está escrito;
Com papel e água benta,
Aplacai esta tormenta!”

Em Portugal, J. Leite de Vasconcelos (“Tradição da Atmosfera em Portugal, Era Nova,222):

“Santa Bárbara bendita
Que nos céus estais escrita
Com papel e água benta,
Abrandai esta tormenta.”
(Modim) [sic]

“S. Bárbara bendita,Se vestiu e se calçou,
Ao caminho se botou,
A Jesus Cristo encontrou;
E Jesus lhe perguntou:
- Tu, Bárbara, onde vais
- Vou espalhar as trovoadas
Que no céu andam armadas,
Lá na serra do Marão,
Onde não haja palha nem grão,
Nem meninos a chorar,
Nem galos a cantar.”
(Vila Real)

A tradição, vinda de Espanha, continua viva na América Latina.”[4]

Concluindo... e inclusive para recolher e enviar, como achega, à ESEC-Valença, agradecem-se todos os contributos que, neste particular, me possam fazer chegar e assim certamente enriquecer este apontamento. Aliás, já que estamos em invocações pias, retiro de Câmara Cascudo, op. cit., uma referência que este extrai do Evangelho de S. João, 3, 31 para abrir a sua obra:

“O que é da terra é da terra e fala da terra.” [5]

Por outro lado, como ex-metalurgista e até ex-mineiro teimoso, voltarei à Santa Bàrbara. Oportunamente.

-----

Cinco breves observações e uma "nota final" programática:

[1] “Exclusão” que significa tornar-se opcional a observância do respectivo dia festivo. Outro dos então “excluídos”, que foram vários, foi S.Jorge, padroeiro da Inglaterra e apontado como invocação num dos nossos celebrados gritos de guerra! Ver Jorge Campos Tavares, “Dicionário de Santos”, Lello & Irmão, Porto, 1990, pags. 27-28 e 86-87)

[2] Esta expressão "de bolso" é uma liberdade editorial, pois o volume, embora com fachada "de bolso", rebentará qualquer bolso corrente...

[3] Afirmação que surpreende, pois na vida lendária da santa há algo a ver com raios e coriscos. “Também é conhecida a cena do seu martírio, em que o verdugo ou o pai que manda executá-la são feridos por um raio.” (Juan Ferrando Roig, “Iconografia de los Santos”, Ediciones Omega, Barcelona, 1950, pag.56). Mas esta cena do raio destruidor durante o martírio aparece também em Santa Catarina, cujo culto, com Santa Bárbara e Santa Marinha (ou Margarida) constitui uma associação frequente.

[4] Esta última frase deve certamente entender-se como referida à América Latina de língua castelhana.

[5] Ou “quem vem da terra, pertence á terra e fala de coisas terrenas”, apud “Bíblia Sagrada (...) Tradução Interconfessional”, Difusora Bíblica, Lisboa, 1992.

Nota final: este post é também um ensaio, com finalidades didácticas para o bloguista e exemplificativas para outras realizações, de natureza desejavelmente próxima.


sábado, 20 de agosto de 2005

Ele há encontros...

Onde se procurava o Hino da Galiza ("Los Pinos") e se encontra a colecção (quase) completa ds cânticos republicanos da Guerra Civil de Espanha:

http//www.altavozdelfrente.tk

Importante para todos que pelo tema se interessem.

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

"Tratado das Alcunhas Alentejanas"




Já o cobiçava há algum tempo, mas comprei-o agora mesmo, por um preço interessante, no 1º andar do lisboeta Mercado da Ribeira (onde, passe a notícia que não é publicidade, ainda subsistem alguns exemplares). É um trabalho exaustivo, recente e sério que os Autores (Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva) empreenderam, que as Edições Colibri editaram em Lisboa em Dezembro de 2002, mas que já vai em 3ª edição, tendo o patrocínio formal de diversas entidades idóneas. Depois de uma primeira parte notoriamente bem construída, em que se aprofundam aspectos sistemáticos e genéticos daquele falar do povo que conduz aos "nomes falsos", os AA expõem, numa 2ª parte, a abundante recolha efectuada, identificando cada alcunha com a sua própria tipificação sistemática, génese (quando disponível) e local de recolha.

Das alcunhas listadas na letra "P" e, dentro desta, ao acaso entre os textos mais desenvolvidos, sacaram-se dois exemplos típicos, que seguidamente se transcrevem. Note-se que foi omitida a anotação sistemática que, na obra, se segue à alcunha, como se evidencia por [...], e que foi acrescentada a indicação da respectiva página:
"
Pão com Pão não Sabe a Nada:
[...] Quando receptor era jovem, gostava muito de ir aos bailes. Como era feio e desajeitado, as raparigas não gostavam de dançar com ele. Então, dansava com a irmã e resmungava: "Pão com pão não sabe a nada!" (Santiago do Cacém) [pag.428]"

"
Pintelho Azul:
[...] O receptor da alcunha pretendia namorar com uma mulher mais velha do que ele. A mulher, sentindo-se incomodada, dizia: "Mas o que é que este pintelho azul quer?" (Grândola) [pag.480]"

quinta-feira, 18 de agosto de 2005

Relação pai/filho no "The Big Fish" de Tim Burton

Qualquer coisa como

"Eram dois desconhecidos que se conheciam demasiado bem"

[1]

e não deixa de ser interessante que este "conhecido desconhecimento" vá subsistir em "A Fábrica de Chocolate".

[1] Outra tradução possível seria "Eram como dois desconhecidos que se conhecessem demasiadamente bem". A mensagem e o efeito final são, porém, idênticos.

quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Mais da mesma... anos passados, aqui e lá...


Anne Francis, anos depois... o inconfundível sinalinho junto à boca!
(Tenho de concordar que, puto que eu era, esta me deu mesmo forte...)

Agosto
de Federico Garcia Lorca

Agosto.
Contraponientes
de melocotón y azúcar,
y el sol dentro de la tarde,
como el hueso en una fruta.

La panocha guarda intacta
su risa amarilla y dura.

Agosto.
Los niños comen
pan moreno y rica luna.


em "Canciones" (1921-1924)

terça-feira, 16 de agosto de 2005

Alentejo (a propósito...)


Mais do mesmo...

"Algumas das jazidas acima referidas tiveram actividade importante nas décadas de 40 a 70. Actualmente estão quase todas encerradas e [d]as poucas que existem em laboração, como a de Neves Corvo, apesar de terem sido elaborados estudos para a instalação de uma metalurgia de cobre integrada (8) (9), apenas são exportados concentrados para sustentarem metalurgias de cobre dos países importadores, que aproveitam os benefícios inerentes ao valor acrescentado nos produtos que, a partir deles, produzem para consumo próprio e para exportação, inclusive para os países fornecedores da matéria-prima.
Assim se mantém os países subdesenvolvidos e vão evoluindo os industrializados!"

Engª Antera Valeriana de Seabra, "Arte e Ciência Metalúrgica em Portugal", O.Engenheiros, Lisboa , 1998, pag. 68

Notas:

(1) As referências bibliográficas originais são as seguintes: (8): Costa, L. R. e Goinhas, J. A. C., "Alguns aspectos da indústria extractiva do Cobre em Portugal", O. Engenheiros, Ingenium, Set / Out 1988; (9) I Jornadas Nacionais do Cobre, O. Engenheiros, 1988.

(2) Existem muitas fontes sobre o assunto, acessíveis à procura de quem se queira meter num verdadeiro e complicado vespeiro. Mas interessante e exemplar...

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

E já que se falou em Gerd Arntz...
(Reimscheid, Alemanha, 1900 - Haia, Holanda, 1988)


Crise, 1931

Muita Guerra e Pouca Paz

(Tìtulo de artigo no "Notícias Magazine" de ontem - 14 Agosto, domingo - sobre o desconforto matrimonial dos escritores)

Para além de referências e episódios geralmente conhecidos, destaca-se a frase seguinte, de D. H. Lawrence:

"A verdadeira tragédia está na guerra interior que é travada entre pessoas que se amam, uma guerra da qual resulta o conhecimento."


domingo, 14 de agosto de 2005

Nas "Memórias da Resistência Rural no Sul - Couço (1958-1962)", de Paula Godinho [1]

Referência ao Barreiro

Nota 45 do Cap. 3º, pag 43:[2]

"No caso estudado [Couço, 1958-1962], vários foram os entrevistados que remeteram a responsabilidade do início da penetração de uma cultura resistente, nos finais do século passado, para as migrações dos corticeiros da zona do Barreiro, com uma consciência de classe e política mais acentuada. A contaminação teria sido, também aqui, proveniente de uma influência externa."

[1] Celta Editora, Oeiras, 2001. Apesar da data de edição, a expressão "nos finais do século passado" refere-se obviamente ao sec. XIX.
[2] Existem, pelo menos, referências ao Barreiro nas pag. 156, 237, 245, 253 (Nota 22) e 271 mas, sob o ponro de vista de relação originária, esta será certamente a mais significativa.

Amor y Rabia: Poesia de Combate



Tendo tido colaboradores como Brecht (poemas) e Gerd Arntz (Ilustrações), como mostra este histórico número especial, que se poderia pedir mais? E, no entanto, segundo recentes notícias, esta revista ("Amor y Rabia") acabou por "secar" por falta de meios.

(De acordo com o album "Gerd Arntz: De tijd onder het mes - Hout- & linoleumsneden 1920-1970", SUN, Nimegen, 1988, a gravura representada na revista intitula-se "A Guerra Civil" e provém de uma gravação em madeira de 1928)

sábado, 13 de agosto de 2005

A importância das matérias primas...
e o comportamento dos poderosos


Guião de uma emissão radiofónica equatoriana, de 19 de Janeiro de 2004, recolhido no portal da ADITAL [1]

"19.01.04 - EQUADOR - Programas de Rádio

Radialistas*: A Guerra do Pacífico
Adital -


NARRADORA - Era século 19. As terras européias estavam desgastadas e a colheita diminuía. Ainda não haviam inventado os fertilizantes químicos.

INGLÊS - Esterco!... Essa é a solução, my friends.

NARRADORA - A Inglaterra descobriu que o excremento acumulado por certas aves marinhas, nas ilhas da costa peruana, era um excelente fertilizante.

EFEITO - AVES COSTEIRAS E SIRENE DE BARCO

NARRADORA - Diariamente, os barcos ingleses saíam do Peru carregados de esterco. A companhia Gibbs and Sons era a encarregada do translado. Aos 40 anos de extração, as ilhas estavam destruídas

CONTROLE - MÚSICA PERUANA

NARRADORA - Quando o esterco acabou, os ingleses encontraram um outro fertilizante eficaz: o salitre.

PERUANO - Agora não querem mais o esterco, querem o salitre! E pagam melhor! (RISOS)

NARRADORA - Durante séculos, os grãos de nitrato depositaram-se pelo grande deserto ao sul do Peru. Agora, os barcos ingleses transportavam montanhas de salitre até a Europa.

PERUANO - Saúde, compadre! Que o negócio nos dure toda uma vida!

NARRADORA - As famílias tradicionais da aristocracia peruana gastavam o dinheiro fácil da venda do salitre.

PERUANO - Na costa da Bolívia existe muito mais. (VOZ BAIXA). Com certeza os chilenos já se deram conta e estão extraindo o salitre.

NARRADORA - A exploração do salitre se estendeu rapidamente pela província de Antofagasta, que pertencia até então, a Bolívia.

BOLIVIANO - O Chile está vendendo nosso salitre para a Inglaterra. Nós mesmos demos a permissão. E o que resta para nós? Não, assim não dá.Vamos cobrar um imposto para poder ganhar também.

NARRADORA - O presidente da Bolívia estabeleceu um imposto de 10 centavos para cada cem gramas que saísse de Antofagasta. Embora, pequeno, os chilenos se indignaram e a Inglaterra se indignou ainda mais.

INGLÊS - Imposto!... Isso é o cúmulo, senhores do Chile. Vocês não têm que pagar um centavo para a Bolívia.

CHILENO - O problema é que essas terras pertencem à Bolívia.

INGLÊS - Pois já é hora delas pertencerem ao Chile. Para quê a gente vendeu a vocês armas e uniformes?

EFEITO - SOLDADOS MARCHANDO

NARRADORA - Em fevereiro de 1879, o presidente chileno Aníbal Pinto ordenou que ocupassem militarmente o porto de Antofagasta.

EFEITO - RUÍDOS DE GUERRA

NARRADORA - Peru e Bolívia se uniram. Mas o Chile avançou rapidamente pela costa até chegar a Lima. Muitos cadáveres ficaram apodrecendo nas arenas de batalha.

INGLÊS - Congratulations!... O salitre já pertence a Inglaterra... Ou, quero dizer, a vocês, chilenos.

NARRADORA - Chile ganhou a guerra, mas perdeu o salitre. Todo o negócio ficou na mão dos ingleses. Peru perdeu o morro de Arica e Tacna, mas esta última cidade foi devolvida em 1929. Bolívia perdeu muito mais. Chile ficou com sua província de Antofagasta, única saída para o oceano Pacífico.

BOLIVIANA - Nos roubaram o mar!...Nos roubaram o mar!

CONTROLE - MÚSICA BOLIVIANA TRISTE

NARRADORA - Se passaram mais de cem anos. Mas a ferida continua aberta. Bolívia não quer voltar aos mapas do século 19, mas reclama com todo o direito uma saída soberana ao mar.

EFEITO- ONDAS

* Programa de Radialistas Apaixonados e Apaixonadas".


Algumas anotações e comentários do bloguista:

[1] A ADITAL [Agência de Informação Frei Tito para a América Latina] é "uma agência de notícias que nasceu para levar a agenda social latino-americana e caribenha à mídia internacional". Sediada em Fortaleza, Ceará, Brasil, escolheu significativamente o nome de Frei Tito (Tito de Alencar Lima), morto em 1974, vítima da ditadura militar implantada no Brasil em 1964. O seu portal
http://www.adital.com.br/site/conteudo.asp?lang=PT&ref=quemsomos
merece ser visitado, nomeadamente pela apresentação e informação actualizada quanto aos movimentos sociais que decorrem na América Latina e no Caribe e que, em grande parte, passam despercebidos (ou reduzidos a escassas linhas) nos veículos da informação europeia. Naturalmente que o texto supra está apresentado numa tradução em Português do Brasil, donde algumas diferenças perceptíveis.

[2] Surpreende aliás o desconhecimento europeu - e particularmente português - quanto à dinâmica política da América Latina nos séculos XIX e XX. As manifestações bélicas que demonstraram essa dinâmica e que, frequentemente, atingiram proporções consideráveis (referem-se, entre outras, as guerras do Paraguai, do Pacífico, do Chaco e a comoção pre-bélica do Acre), levaram à construção de fronteiras que nem sempre reflectiam os interesses nacionais mas que representavam, no tabuleiro da guerra, a intervenção clara ou disfarçada dos "grandes" mundiais de então, motivados pela sede acesso a matérias-primas estratégicas. Alterada a panóplia destas, a sede continua.

[3] Com a menção de "esterco", a peça radiofónica refere-se a "guano", excrementos de aves marinhas acumulados durante séculos nos "habitats" naturais destas e ricos em fosfatos e compostos azotados, que o tornam um excelente adubo.

Recordando uma "referência" da minha juventude: Anne Francis
(antes de aparecer a Claudia Cardinale, claro...)



(digamos que, pelo menos em fotografias, desencadeou uma paixoneta algo trabalhosa...)

sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Dois comentários a propósito de "Charlie e a Fábrica de Chocolates"


1. Do próprio Tim Burton, transcrito (com a devida vénia) do suplemento Y do "Público" de hoje:


"Mas de crianças horríveis está o mundo cheio! Demasiada informação, demasiadas imagens, demasiado amor, demasiados presentes, demasiada comida, demasiada acção. Submetemos incessantemente as crianças a este excesso. [Da parte dos adultos] corresponde a uma demissão e a um cinismo: uma maneira de as mimar e de não ter chatices."


2. Apondo uma dúvida crucial à parte final do Editorial de Miguel Coutinho na pag. 4 do DN de hoje que - com chamada á última página - reza assim: "Oxalá que os quinze dias a observar animais selvagens no Quénia não dêem ideias a José Sócrates."


E se ele descobrir por lá os "Umpalumpas"?

Respondendo a uma pergunta

A canção em causa é interpretada pela georgio-britânica KATIE MELUA e chama-se "The closest thing to crazy". Para conhecer a "letra", em inglês (claro!), é de visitar http://www.alwaysontherun.net/katie.htm#k3. Segundo parece, a intérprete nasceu em 1984. Quanto à canção poderá não parecer grande coisa, nas primeiras audições, mas a verdade - e aí dou-lhe inteira razão - é que acaba por ficar mesmo no ouvido. O "fio de voz" da Katie é deliciosamente convincente!

É suficiente, esta resposta?

Enquanto conversávamos, recordava eu Khayyam:


"Um pouco de pão, um pouco de água,
a sombra de uma árvore, e o teu olhar;
nenhum sultão é mais feliz do que eu,
e nenhum mendigo pode ser mais triste."


Omar Khayyam (1044-1125)
"Rubaiyat"[1]

[1] Carme 72 da tradução de A. César Rodrigues (segundo a versão inglesa de Francis Scott Fitzgerald), Ed. Coisas de Ler, Queluz, 2002, correspondente ao carme 64 na tradução de Alfredo Braga,http://www.alfredo-braga.pro.br/poesia/rubaiyat.html. Aliás das poucas expressões do Autor em que este refere água... e não vinho.

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

100 mil hectares ardidos
(título na primeira página do DN de hoje)

De qualquer forma, andem agora as culpas de Anás para Caifás e vice-versa, com interlúdios suficientes para que Pilatos sortidos possam lavar as mãos, a verdade-verdadinha é que, ano após ano, vamos ficando cada vez mais ardidos e mal pagos.

E, para mal dos atingidos e dos que são sempre chamados a esforçar-se em condições reconhecidamente difíceis, o triste lugar de "campeões europeus da modalidade" já ninguém parece poder tirar-nos.

A indústria portuguesa ... em 1774!

quando ainda tinham (algum) medo cá da gente, porra! [1]

"Si les Portugais s'appliquaient aux fabriques et à l'industrie, il faudrait leur faire la guerre, ou leur susciter des embarras. Je ne vois pas comment on pourrait faire autrement." [2]

BIELFELD, "Institutions Politiques", 1774? [3][4]


ALGUMAS ANOTAÇÕES:
[1] E agora? [O "porra", respeitável expressão vernácula, é certamente a forma mais elegante de comentar a nossa actual situação.]
[2] Traduzindo: "Se os Portugueses se dedicassem às manufacturas e à indústria, ter-se-ia que lhes fazer a guerra ou criar-lhes dificuldades. Não vejo que se pudesse actuar de outra forma." Facto é que, desde então e com algumas excepções honrosas, geralmente se não dedicaram... Mas facto é também que veio a ser grande a destruição, posterior à data referida, da incipiente indústria portuguesa, quer por via da guerra (na mão dos franceses), que por via da economia (na mão dos britânicos e dos sempre "solícitos" intermediários lusitanos).
[3] Citação por Jorge Custódio, reportada ao ano de 1774, na Introdução de sua autoria a uma edição recente da obra de José Acúrcio das Neves (1821) "Memória sobre os meios de melhorar a indústria portuguesa, considerada nos seus diferentes ramos", Editorial Querco, Lisboa, 1983.
[4] Jakob Friederich, Barão de Bielfeld, Marquês de Argens (1717, Hamburgo - 1770, Altenburg), foi figura distinta da corte de Frederico II da Prússia. Entre as suas numerosas obras (que, apesar de alemão e muito ao gosto da época, escrevia geralmente em francês) citam-se as "Institutions Politiques", redigidas como instruções aos governantes e incorporando uma apreciação das diversas nações. Essa obra, em pelo menos três volumes (existem edições com quatro), foi publicada pela primeira vez em 1767 (pelo que a data "1774" indicada por Jorge Custódio se refere certamente a uma edição póstuma) e valeu ao seu autor ser considerado como um "precursor de Malthus".

quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Praça das Flores (Lisboa) em manhã de nevoeiro



(1 de Fevereiro de 2002; 09:25)

terça-feira, 9 de agosto de 2005

Carta de um Contratado


Um dos mais belos poemas de amor da língua portuguesa, da autoria do poeta e contista angolano ANTÓNIO JACINTO (1924-1991)


Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos tempos na capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escoindesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajús e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor....

Eu queria escrever-te uma carta...

Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também.

segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Juiz de tribunal inglês anula decisão da justiça portuguesa

É o título de uma notícia publicada na página 10 do JN de hoje, em texto desenvolvido e com a assinatura de Rita Jordão, correspondente daquele periódico em Londres. Como o sobretítulo explica, trata-se de um resquício do EURO 2004, acrescentando "Julgamento dos desordeiros de Albufeira não decorreu de forma justa e nunca aconteceria neste país [refere-se, naturalmente, ao Reino Unido]. Rapidez com que os procedimentos judiciais aconteceram questionada."

Sabe-se, por um lado, que, para acautelar frequências indesejáveis, vulgo "hooligans", durante o dito campeonato existiram, correctamente, disposições legais que promoviam medidas expeditas.

Sabe-se, por outro lado, que a velha democracia inglesa nem sempre olha por forma compreensiva os procedimentos continentais, assumindo posturas desdenhosas, sobranceiras quanto à capacidade de julgar aquém-Mancha - pelo que se recebe, com alguma precaução e desconhecendo até que ponto seria aceite em termos de bilateralidade, a frase (claramente unilateral) atribuída ao juiz britânico de que "é positivo criticar o procedimento jurídico de um outro país".

Sabe-se, finalmente, que a mixuruquice nacional pode levar a situações que em nada são edificantes para instituições que se quereriam formalmente inoxidáveis (ou seja, à prova de toda e qualquer ferrugem processual). Ora, se for confirmada e verdadeira a aceitação da defesa de "cerca de 100 pessoas" por um mesmo e só advogado (oficioso?) e se for confirmada e verdadeira aquela cena quase queirosiana de "a tradução ter sido inicialmente feita por uma cabeleireira local que não dominava o idioma" estamos, de facto, perante uma realidade triste e potencialmente ferrugenta!

Por estas e por outras, vou tentar obter a(s) sentença(s) inglesa(s), vou lê-la(s) e, relativamente ao teor da notícia, verificar até que ponto bate a bota com a perdigota.

domingo, 7 de agosto de 2005

Homenagem a Hiroshima


A Rosa de Hiroshima (Vinícius de Morais)

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

sábado, 6 de agosto de 2005

Adão e Eva, em duas interpretações

Dürer (1507):




"Cycas revoluta" (mais que 200 milhões de anos):





Proposta de frase para um possível Relatório e Contas...

"E quando, mercê de um processo de racionalização e reestruturação aturadamente estudado, pudemos, por comum acordo, licenciar o último operário e assim obter índices de produtividade nunca até agora atingidos nesta Sociedade, constatamos a simultânea anulação do volume de produção, o que - numa actuação proactiva - nos obrigou a recorrer ao mercado importador para reconstituir "stocks" e assim atenuar uma previsível quebra da quota de mercado."
.
(agradecendo o contributo de F.E., que também argumentara ser "zero sobre zero" uma indeterminação em termos matemáticos)

sexta-feira, 5 de agosto de 2005

Embora os prefira cozidos...
(Homenagem a pessoa amiga)

Folheto encontrado num escritório:

"
  • Diz-se TEORIA quando tudo se sabe, mas nada funciona.
  • Diz-se PRÁTICA quando tudo funciona, mas não se sabe bem a razão disso acontecer.
  • Nós, aqui, conseguimos juntar a TEORIA e a PRÁTICA: nada funciona, mas também ninguém sabe por que motivo tal sucede."
... e - comentário acrescentado - também ninguém parecia incomodar-se grandemente com isso!

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

Faz hoje precisamente 91 anos...

Que o exército do Império Alemão, a 4 de Agosto de 1914, violando as fronteiras da Bélgica neutral, atravessou o Mosa, junto a Liège, para atacar a França, segundo a considerada "versão mais audaciosa" do "Plano Schlieffen". Já muito se escreveu quanto à incapacidade socialista de prevenir ou suster o holocausto (1) e ao mecanismo automático de alianças que se pôs em imparável movimento após o atentado de Serajevo e redundou na fatal Guerra 1914-1918, guerra que poderia verdadeiramente receber, para as décadas sucessivas, o ápodo modernaço de "mãe de todas as guerras"... Tocar-nos-ia também pela porta - e o meu Pai, anos mais tarde, transportado de Valença do Minho para a frente da Flandres, podia certamente dizê-lo.
Mas ainda hoje surpreende o profundo significado que era vivamente sentido quanto a uma das causas desse conflito: a feroz rivalidade franco-alemã, repetida em diversas instãncias e avivada pelo desejo ardente da "révanche" da derrota na guerra franco-prussiana de 1870-1871, que retirara à França as duas longamente choradas províncias da Alsácia e da Lorena. Numa sociedade europeia "bloqueada" e "confrontada", o sentimento iminente da ruptura era bem tipificado pela conclusão do "antes a guerra que esta eterna espera", patente num inquérito à juventude (francesa?) datado de 1913 (2).
Após a "guerra de 70" e a "comuna de Paris", imortalizadas por Zola em "La Débâcle" [A Derrocada] da série dos Rougon-Macquart, a sociedade portuguesa ficara também dividida. E dividida ao ponto de, na que hoje é a "minha cidade", se ter dado, em 1871, a significativa cisão duma colectividade importante, ficando uma das duas resultantes a ser designada até aos dias de hoje como "Os Franceses"! Em muitas estabelecimentos de ensino, mesmo em Portugal, o ensino do francês iria adoptar, como livro auxiliar, o evocador "Le Tour de la France par Deux Enfants" [A Volta à França por Duas Crianças] (3) e o escritor e poeta teatral Acácio Antunes (4), inspirado no conto "La Derniére Classe" [A Última Aula], de Alphonse Daudet, deixar-nos-ia um poema que, em muitos salões de Portugal e do Brasil, seria tão recitado quanto o famoso "O Corvo", de Guerra Junqueiro, e antes fora o "Noivado do Sepulcro", de Soares de Passos, este para fazer corar algumas damas e desmaiar as meninas cloróticas. Reproduz-se hoje aqui (na grafia original) o referido poema de Acácio Antunes:
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O estudante alsaciano

Antigamente, a escola era risonha e franca.
Do velho professor as cans, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham sympathia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como creança em meio das creanças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vae para uma festa. Ao começar o estudo,
Elles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviaes, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Attenta, gravemente — uns pequeninos sabios.
Uma phrase a animar aquelle bando imbelle,
Ia ensinando a este, ia emendando áquelle,
De manso, com carinho e paternal amor.

Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os labios lhe abriu a sombra d’um sorriso
E aos pequenos mudou em calabouço a escola
Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francez é lingua morta e muda:
Unicamente o allemão ali se falla e estuda,
São allemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsacia é allemã; o povo é alemão.
Como na propria patria é triste ser proscripto!
.
Frequentava tambem a escola um rapazito
De severo perfil, energico, expressivo,
Pallido, magro, o olhar intelligente e vivo
— Mas de intima tristeza aquelle olhar velado
Modesto no trajar, de lucto carregado...
— Pela patria talvez! — Doze annos só teria.
O mestre, d’uma vez, chamou-o á geographia:
— "Dize-me cá, rapaz... Que é isso? estás de lucto?
Quem te morreu?"
— "Meu pae, no último reduto,
Em defeza da patria!"
— "Ah! sim, bem sei, adeante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
Quaes são as principaes nações da Europa? Vá!"
— "As principaes nações são... a França..."
— "Hein? que é lá?...
Com que então, a primeira a França! Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquella que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas lettras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
D’onde irradia a sciencia a illuminar a terra,
A maior, a mais bella, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Allemanha!"
Elle sorriu com ar desprezador e altivo,
A cabeça agitou n’um gesto negativo,
E tornou com voz firme:
— "A França é a primeira!"
O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé, e uma praga energica lhe escapa.
— "Sabes onde está a França? Aponta-m’a no mappa!"
O alumno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e emquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquelle destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e commovido,
Timido feito heróe, pygmeu tornado athleta,
Desaperta, febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impavida, a creança
Exclama:
— "É aqui dentro! aqui é que está a França!"

ALGUMAS ANOTAÇÕES:
(1) Não se podem deixar de recordar, a propósito e entre outros, o último volume de "Os Thibault" de Roger Martin du Gard, e "Os Sinos de Basileia", de Aragon. Certamente que o assassínio de Jaurès terá contribuído, mas apenas em parte, para esta situação.
(2) Citado em Marc Ferro, "História da Primeira Guerra Mundial 1914 - 1918", Edições 70, Lisboa, 1992, pag.19.
(3) "Este manual é, sem dúvida, um exemplo do livro de culto da escola na [III] República [Francesa]. Escrito pela Senhora Augustine Fouillée sob o pseudónimo de G. Bruno - numa alusão a Giordano Bruno, queimado pela Igreja como herege, em 1600 - , sobrevive à transição do século XIX para o XX e amplifica o ensino da geografia, dotando-o com uma dimensão moral: dois órfãos partem de Phalsbourg, numa Lorena que passara a ser alemã, e percorrem as províncias da França, à procura de um tio. Este [aparentemente] vulgar livro de leitura é colocado no mercado em 1877 pela editora Eugène Belin, ultrapassa o nível dos 6 milhões de exemplares em 1901 e terá quatrocentas e onze edições de 1877 a 1960. Durante mais de cem anos, este livro vai difundir, em todos os lares, as características dominantes do ensino republicano, traduzidas numa moral laica impregnada de sólidos valores burgueses, tais como a ordem, o sentido do dever, a poupança, a estrita submissão às hierarquias sociais "naturais" e, sobretudo, o gosto por um trabalho conscienciosamente exercido. O seu papel na história da educação popular em França é enorme, justificando que uma edição fac-similada tenha sido agora editada, para delícia dos nostálgicos do passado."
Texto traduzido, por forma algo livre, de http://ecoleautrefois.chez.tiscali.fr/tdf.htm
(4) "Acácio Antunes nasceu em 1853, na Figueira da Foz e faleceu em Lisboa em 1927. A partir de 1880 consagrou-se a fazer adaptações de óperas cómicas, operetas, zarzuelas e "vaudevilles" de proveniência francesa, austro-húngara e espanhola, embora "O Cinemathógrapho" tivesse sido vertido livremente do italiano. Apesar deste trabalho de tradução e adaptações de peças estrangeiras, Acácio Antunes assinou algumas obras originais, como as comédias "Às Onze e Meia", em três actos, representada no Teatro do Ginásio em 1880, e várias vezes reposta em cena, e "O Marido de Minha Mulher", em um acto, escrita em 1917. A comédia em três actos "O Cinemathógrapho" [...] foi igualmente publicada em 1917, em Lisboa, pela Livraria e Papelaria Portugueza de Ferreira Franco, então a edição que mais teatro publicava na nóvel República. Acácio Antunes é, pois, um desses autores que, juntamente com Baptista Machado (O Caçador de Fortunas) e Carlos Borges (Um Conselho à Moda Antiga), trabalhou para o Teatro do Ginásio, a "meca" do teatro ligeiro e da comédia de costumes, no Portugal de Eça de Queirós e do Conselheiro Acácio. [...]".

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

Construir o futuro...

"Construir o futuro apagando o passado não é futuro."

Citação na notícia sobre o III Encontro de Comunidades Mineiras, Aljustrel, Julho 2005, no site da C.M. Aljustrel http://www.mun-aljustrel.pt

terça-feira, 2 de agosto de 2005

Astúrias, 1934