quarta-feira, 30 de abril de 2008

Era Lisboa e chovia... uma carta imperdível de Fradique pela caneta de Eça - 3


(conclusão)

No entanto o capataz resmungava. Eram tres horas (mesmo tres e um quarto), e elle queria fechar a estação! Que fazer? Abandonamo-nos, suspirando, á decisão do desespero. Agarrei o estojo de viagem e o rolo de mantas: Smith deitou aos seus respeitaveis hombros, virgens de cargas uma grossa maleta de couro: o carregador gemeu sob a enorme mala de cantoeiras d’aço. E (deixando ainda dois volumes para ser recolhidos de dia), começamos, sombrios e em fila, a trilhar á pata a distancia que vai de Santa Apolonia ao Hotel de Braganza! Poucos passos adiante, como o estojo de viagem me derreava o braço, atirei-o para as costas... E todos tres, de cabeça baixa, o dorso esmagado sob dezenas de kilos, com um intenso azedume a estragar-nos o figado, lá continuamos, devagar, n’uma fileira soturna, avançando para dentro da capital destes reinos! Eu viera a Lisboa n’um fim de repouso e de luxo. Este era o luxo, este o repouso! Alli, sob a chuvinha impertinente, offegando, suando, tropeçando no lagedo mal junto duma rua tenebrosa a trabalhar de carrejão!...
Não sei quantas eternidades gastamos n’esta via dolorosa. Sei que de repente (como se a trouxesse, á redea, o anjo da nossa guarda) uma caleche, uma positiva caleche, rompeu a passo do negrume duma viella. Tres gritos, sofregos e desesperados, estacaram a parelha. E, á uma, todas as malas rolaram em catadupa sobre o calhambeque, aos pés do cocheiro, que, tomado d’assalto e de assombro, ergueu o chicote, praguejando com furor. Mas serenou, comprehendendo, a sua espantosa omnipotencia — e declarou que ao Hotel de Braganza (uma distancia pouco maior que toda a Avenida dos Campos Elyseos) não me podia levar por menos de tres mil reis. Sim, minha madrinha, dezoito francos! Dezoito francos em metal, prata ou ouro, por uma corrida, n’esta nossa democratica Idade! Tremulo de colera, mas submisso como quem cede á exigencia d’um trabuco, enfiei para a tipoia — depois de me ter despedido com grande affecto do carregador, camarada fiel da nossa trabalhosa noite:
Partimos emfim, n’um galope desesperado. D’ahi a momentos estavamos assaltando a porta adormecida do Hotel de Braganza com repiques de sineta, apêllos de voz, punhadas, bengaladas, injurias, suspiros, todas as violencias e todas as seducções. Debalde! Não foi mais resistente ao bello cavalleiro Alandôr o portão de oiro do palacio da Ventura! Finalmente o cocheiro atirou-se a ella aos couces. E, decerto porque comprehendera melhor «esta linguagem», a porta lenta e estremunhada rolou nos seus gonzos. Graças te sejam dadas, meu Deus, pae ineffavel! Estamos emfim sob um tecto, no meio dos confortos do Progresso, ao cabo de tão barbara jornada. Restava pagar o batedor. Vim para elle com acerba ironia
— Então, são tres mil reis?
Á luz do vestibulo, que me batia a face, o homem sorria. E que ha de elle responder, o malandro sem par?
— Aquillo era por dizer... Eu não tinha conhecido o snr. D. Fradique... Lá para o snr. D. Fradique é o que quizer.
Humilhação incomparavel! Senti logo não sei que torpe enternecimento que me amollecia o coração. Era a bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós portuguezes, nos enche de culpada indulgencia uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a Disciplina e toda a Ordem. Sim, minha cara madrinha... Aquelle bandido conhecia o snr. D. Fradique. Tinha um sorriso bréjeiro e serviçal. Ambos eramos portuguezes. Dei uma libra áquelle bandido!
E aqui está, para seu ensino, a veridica maneira porque se entra, no ultimo quartel do seculo XIX, na grande cidade de Portugal. Todo seu, aquelle que de longe de si sempre pena —
FRADIQUE.

Eça de Queiroz

terça-feira, 29 de abril de 2008

Era Lisboa e chovia... uma carta imperdível de Fradique pela caneta de Eça - 2

(continuação)

Ficamos sós, Smith e eu. Smith já arrebanhára a custo a minha bagagem. Mas faltava inexplicavelmente um saco de Couro; e em silencio, com a guia na mão, um carregador dava uma busca vagarosa através dos fardos, caixas, pacotes, velhos bahus, armazenados ao fundo, contra a parede enxovalhada. Vi este digno homem hesitando pensativamente diante d’um embrulho de lona, diante d’uma arca de pinho. Seria qualquer d’esses o saco de couro? Depois, descorçoado, declarou que positivamente nas nossas bagagens não havia nem couro nem saco. Smith protestava, já irritado. Então o capataz arrancou a guia das mãos inhabeis do carregador, e recomeçou elle, com a sua intelligencia superior de chefe, uma rebusca através das «arrumações», esquadrinhando zelosamente os caixotes, os embrulhos, os pipos, as chapeleiras... Por fim sacudiu os hombros, com indisivel tedio, e desappareceu para dentro, para a escuridão das plataformas interiores. Passados instantes voltou, coçando a cabeça por baixo do bonet, cravando os olhos em roda, pelo chão vasio, á espera que o saco rompesse das entranhas d’este globo desconsolador. Nada! Impaciente, encetei eu proprio uma pesquiza sofrega através do casarão. O guarda da Alfândega, de cigarro collado ao beiço (bondoso homem!), deitava tambem aqui e além um olhar auxiliador e magistral. Nada! Repentinamente, porém, uma mulher, de lenço vermelho na cabeça, que alli vadiava, n’aquella madrugada agreste,apontou para a porta da estação:
— Será aquillo, meu senhor?
Era! Era o meu saco, fóra, no passeio, sob a chuvinha miuda. Não indaguei como elle se encontrava alli, sósinho, separado da bagagem a que estrictamente o prendia o numero d’ordem estampado na; guia em letras grossas — e reclamei uma tipoia. O carregador atirou a jaleca para cima da cabeça, sahiu ao largo, e recolheu annunciando que não havia tipoias.
— Não ha! Essa é curiosa! E então como sahem d’aqui os passageiros?
O homem encolheu os hombros. Ás vezes havia, outras vezes não havia. Era conforme calhava. Fiz reluzir uma placa de cinco tostões, e suppliquei áquelle benemerito que corresse as visinhanças da estação, á cata d’um vehiculo qualquer, com rodas, coche ou carroça. O homem largou, resmungando. E eu logo, como patriota descontente, censurei (voltado para o capataz e para o homem da Alfandega) a irregularidade d’aquelle serviço. Em todas as estações do Mundo, mesmo em Tunis, mesmo na Romelia [a] , havia, á chegada dos comboios, omnibus, carros, carretas, para transportar gente e bagagem... Porque não as havia em Lisboa? Abominavel serviço!
O aduaneiro esboçou um movimento de desalento, como na plena consciencia de que todos os serviços eram abominaveis, e o mundo todo uma irreparavel desordem. Depois para se consolar puxou com delicia o lume ao cigarro. Assim se arrastou um d’estes quartos d’hora que fazem rugas na face humana. Finalmente, o carregador voltou, sacudindo a chuva, afirmando que não havia em todo o bairro uma tipoia:
— Mas que hei de eu fazer? Hei de ficar aqui?
O capataz aconselhou-me que deixasse a bagagem, e na manhã seguinte, com uma carruagem certa (contratada talvez por escriptura), a viesse recolher «muito a meu contento». Isso não convinha ao meu conforto. Pois n’esse caso elle não via solução, a não ser que por acaso alguma caleche, tresnoitada e trasmalhada, viesse a cruzar por aquellas paragens.
Então, á maneira de naufragos n’uma ilha deserta, todos nos apinhamos á porta da estação, esperando através da treva a vela — quero dizer a sege salvadora. Espera longa, espera esteril! Nenhuma luz de lanterna, nenhum rumor de roda, cortaram a mudez d’aquellas solidões!
Farto, inteiramente farto, o capataz declarou que «iam dar tres horas, e elle queria fechar a estação!» E eu? Ia eu ficar alli na rua, amarrado, sob a noite agreste, a um montão de bagagens intransportavel? Não havia pois piedade nas entranhas do digno capataz? Commovido, o homem lembrou outra solução. E era que nós, eu e o Smith, ajudados por um carregador — atirassemos a bagagem para as costas, e marchassemos com ella para o Hotel. Com effeito este parecia ser o unico recurso aos nossos males. Todavia (tanto costas amollecidas por longos e deleitosos annos de civilisação repugnam a carregar fardos, e tão tenaz é a esperança no peito do desditoso!) eu e o Smith ainda uma vez sahimos ao largo, mudos, sondando a treva, com o ouvido inclinado ao lagedo, a escutar se ao longe, muito ao longe, não sentiriamos rolar para nós o calhambeque da Providencia. Nada, desoladamente nada, na sombra avara!... A minha querida madrinha, seguindo estes lances, deve ter já as lagrimas a bailar nas pestanas. Eu não chorei — mas tinha vergonha, uma immensa e pungente vergonha do Smith. Que pensaria aquelle escossez da minha patria — e de mim, seu amo, parcella dessa patria desorganisada? Nada mais fragil que a reputação das nações. Uma simples tipoia que falta de noite, e eis, no espirito do Estrangeiro, desacreditada toda uma civilisação secular!

(continua)

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E, quanto a notas de rodap'é, vamos à segunda:

[a] É mesmo "Romélia" e não "Roménia", como já vi escrito. Romélia era a designação então usada para a parte europeia da Turquia, mais dilatada que a actual, e Eça usa-a pelo menos outra vez com esse significado geográfico (crónica de Londres de 14 de Abril de 1877).

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Era Lisboa e chovia... uma carta imperdível de Fradique pela caneta de Eça - 1

Nada melhor que, depois de transcrever a obra de Cesário em que este depreciativa mas realisticamente fez o retrato da cidade, encontrar, na mesma cidade, o Fradique do Eça em bolandas, com o escocês Smith, tardiamente desembarcados do comboio do Porto em Santa Apolónia e, não havendo ainda metro para a Baixa Chiado (onde certamente poderiam tomar a linha verde para o Cais do Sodré, já próximo do local em que se pensa tenha estado o Hotel Bragança), terem de caminhar sob chuva morrinhenta até que uma salvadora mas especulativa caleche foi encontrada a sair de um dos boqueirões ou becos por onde Cesário se dizia deambular. Quando, pelos buenos aires ou maus desaires da vida, me encontro em estado de plena chateação molecular, nada mais compensador, nada mais refrescante que mergulhar n' "A Cidade e as Serras" e ler alguns episódios (ah! a repesca do pescado! ou o Pimentinha a recuperar as picantes revistas parisienses, oportunamente deitadas fora!) ou então debruçar-me sobre esta deliciosa carta. Era Lisboa e chovia... frase admirável que diz tudo em quatro palavras a ponto de, só por si, ter já chegado a título de livro. Acrescento apenas que, em homenagem à evolução linguística, mantive a grafia que se encontra na original versão que a "Revista de Portugal" pôs preto no branco. E que, em reparação oportunista das minhas demoras de postagem, absorvido que ando em objectivas lucubrações, reparti o texto por 3 porções, o que inclusive dá um maior equilíbrio técnico à sua apresentação.

"AS CARTAS [DE FRADIQUE MENDES]
( 1 ª S é r i e )

VII
A MADAME DE JOUARRE
Lisboa, abril
.
Minha querida madrinha. — Foi hontem, por noite morta, no comboio, ao chegar a Lisboa (vindo do Norte e do Porto), que de repente me acudiu á memoria estremunhada o juramento que lhe fiz no sabbado de Paschoa em Paris, com as mãos piamente estendidas sobre a sua maravilhosa edição dos Deveres de Cicero. Juramento bem estouvado, este, de lhe mandar todas as semanas,
pelo correio, Portugal em «descripções, notas, impressões e panoramas», como se lê no sub-titulo da Constantinopla do seu academico amigo o Barão de Fernay! Pois com tanta fidelidade cumpro eu os meus juramentos (quando feitos sobre a Moral de Cicero, e para regalo de quem reina no meu coração) que, apenas o recordei, abri logo escancaradamente ambos os olhos para recolher «descripções, notas, impressões e panoramas» desta terra que é minha, e que está a la disposicion de ustêd... Chegaramos a uma estação que chamam de Sacavem — e tudo o que os meus olhos arregalados viram do meu paiz, através dos vidros humidos do wagon, foi uma densa treva, d’onde mortiçamente surgiam aqui e além luzinhas remotas e vagas. Eram lanternas de falúas dormindo no rio: — e symbolisavam d’um modo bem humilhante essas escassas e desmaiadas parcellas de verdade positiva que ao homem é dado descobrir no universal Mysterio do Sêr. De sorte que tornei a cerrar resignadamente os olhos — até que, á portinhola, um homem de bonet de galão, com o casaco encharcado d’agua, reclamou o meu bilhete, dizendo Vossa Excellencia! Em Portugal, boa madrinha, todos somos nobres, todos fazemos parte do Estado, e todos nos tratamos por Excellencia.
Era Lisboa e chovia. Vinhamos poucos no comboio, uns trinta talvez, — gente simples, de maletas ligeiras e sacos de chita, que bem depressa atravessou a busca paternal e somnolenta da Alfandega, e logo se sumiu para a cidade sob a molhada noite de abril.
No casarão soturno, á espera das bagagens sérias, fiquei eu; o Smith [1] e uma senhora esgrouviada, de oculos no bico, envolta n’uma velha capa de pelles. Deviam ser duas horas da madrugada. O asphalto sujo do casarão regelava os pés.
Não sei quantos seculos assim esperamos, Smith immovel, a dama e eu marchando desencontradamente e rapidamente para aquecer ao comprido do balcão de madeira, onde dois guardas d’Alfandega, escuros como azeitonas, bocejavam com dignidade. Da porta do fundo, uma carreta, em que oscillava o montão da nossa bagagem, veio por fim rolando com pachorra. A dama de nariz de cegonha reconheceu logo a sua caixa de folha de Flandres, cuja tampa, cahindo para traz, revelou aos meus olhos que observavam (em seu serviço, adoravel madrinha!) uma saia de xadresinho azul, um livro de missa e dois ferros de frisar. O guarda enterrou o braço através d’estas coisas intimas, e com um gesto clemente declarou a Alfândega satisfeita. A dama abalou.

(continua)
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Existem duas notas de rodapé: Uma, assinalada com [1] que é do original; outra assinalada com [a] que é uma pequena observação que o bloguista ousou fazer. A primeira aí vai:

[1] O velho creado de quarto de Fradique Mendes.


domingo, 27 de abril de 2008

O Sentimento de um Ocidental, de Cesário Verde - 4

O Sentimento dum Ocidental
(conclusão)

IV

Horas mortas
.    O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.
.    Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.
.    E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.
.    Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!
     Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.
.    Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!
.    Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.
.    E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.
.    Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.
.    E os guardas, que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.
.    E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
.
                                Cesário Verde
 

sábado, 26 de abril de 2008

O Sentimento de um Ocidental, de Cesário Verde - 3



O Sentimento dum Ocidental
(continuação)

III

Ao Gás
    E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arripia os ombros quase nus.
.    Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.
.    As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.
.    Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.
.    E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.
.    Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!
.    Que grande cobra, a lúbrica pessoa,
Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!
Sua excelência atrai, magnética, entre luxo,
Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.
.    E aquela velha, de bandós! Por vezes,
A sua traine imita um leque antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses.
.    Desdobram-se tecidos estrangeiros;
Plantas ornamentais secam nos mostradores;
Flocos de pós-de-arroz pairam sufocadores,
E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.
.    Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga um cauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.
.    «Dó da miséria!... Compaixão de mim!...»
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede-me esmola um homenzinho idoso,
Meu velho professor nas aulas de Latim!

Cesário Verde
(continua)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Cravos vermelhos

.
Dianthus caryophyllus (1974)
.Dianthus caryophyllus (2008)
.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

O Sentimento de um Ocidental, de Cesário Verde - 2



O Sentimento dum Ocidental
(continuação)

II
Noite Fechada

    Toca-se às grades, nas cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,
Bem raramente encerra uma mulher de «dom»!
    E eu desconfio, até, de um aneurisma
Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;
À vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes,
Chora-me o coração que se enche e que se abisma.
    A espaços, iluminam-se os andares,
E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos
Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.
    Duas igrejas, num saudoso largo,
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:
Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,
Assim que pela História eu me aventuro e alargo.
.    Na parte que abateu no terremoto,
Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas;
Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,
E os sinos dum tanger monástico e devoto.
.    Mas, num recinto público e vulgar,
Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,
Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,
Um épico doutrora ascende, num pilar!
    E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,
Nesta acumulação de corpos enfezados;
Sombrios e espectrais recolhem os soldados;
Inflama-se um palácio em face de um casebre.
    Partem patrulhas de cavalaria
Dos arcos dos quartéis que foram já conventos:
Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,
Derramam-se por toda a capital, que esfria.
    Triste cidade! Eu temo que me avives
Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,
Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,
Curvadas a sorrir às montras dos ourives.
.    E mais: as costureiras, as floristas
Descem dos magasins, causam-me sobressaltos;
Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos
E muitas delas são comparsas ou coristas.
    E eu, de luneta de uma lente só,
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:
Entro na brasserie; às mesas de emigrados,
Ao riso e à crua luz joga-se o dom
inó.
Cesário Verde
(continua)

quarta-feira, 23 de abril de 2008

O Sentimento de um Ocidental, de Cesário Verde - 1

A reaparição brusca do calor, depois de um frio já impróprio para um Abril avançado, fizeram-me debruçar sobre a pintura poética da cidade que, não sendo a minha, me mira em luzes do outro lado do estuário. Teria Cesário Verde (1855-1886) a idade de 25l anos quando, em homenagem a Camões mas com dedicatória a Guerra Junqueiro, escreveu sobre Lisboa os 4 poemas de "O Sentimento de Um Ocidental": I. Avé Maria; II. Noite Fechada; III.Ao Gás; e IV.Horas Mortas. Destes, o mais conhecido é sem dúvida o "Avé Maria", e isto porque era o mais frequentemente presente nos Livros Únicos da disciplina de Português e o mais correntemente declamado... mas, em diversos casos, omitindo os últimos 4 versos. O conhecimento dessa "pintura poética" era portanto muito parcial (como aliás sucede com a segunda e terceira estrofes do nosso Hino; quem as sabe?) e, no que se reporta à citada omissão, mesmo em considerados declamadores como João Villaret, recordo a surpresa do aluno liceal que eu era ao dela ter conhecimento - levando-me a perguntar ao meu Professor de Português por que razão esses versos existiam... e por que razão eram afinal omitidos. O meu Professor falou-me numa "nota de realismo que completa o sentido que o Poeta quis transmitir no poema" - expressão simples que me tornou curioso e abriu janelas para, pouco tempo depois, escancarar outras explorações no vasto reino da leitura - e deu-me a conhecer os restantes três poemas e... o vector bucólico de um Cesário campestre, contraponteando em sol e cor com a cidade descrita em dia findo. Não vou esconder que foi uma surpresa, em vários planos. Um deles foi a noção de que - truncando e traindo a expressão poética na sua intencional completação - se privilegiava uma aparente suavidade, com omissão de realidades mais duras. Por isso trarei aqui, em postagens sucessivas,"O Sentimento de Um Ocidental" em toda a sua extensão - para, no abraço de uma Primavera que já tardava - mas reencontrado agora num calmo fim de tarde lisboeta - celebrar esse não esquecido abalo.

O Sentimento dum Ocidental


I


Avé-Maria

.

Nas nossas ruas, ao anoitecer,

Há tal soturnidade, há tal melancolia,

Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia

Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

.

O céu parece baixo e de neblina,

O gás extravasado enjoa-me, perturba;

E os edifícios, com as chaminés, e a turba

Toldam-se duma cor monótona e londrina.

.

Batem carros de aluguer, ao fundo,

Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!

Ocorrem-me em revista, exposições, países:

Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

.

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,

As edificações somente emadeiradas:

Como morcegos, ao cair das badaladas,

Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

.

Voltam os calafates, aos magotes,

De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;

Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,

Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

.

E evoco, então, as crónicas navais:

Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!

Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!

Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

.

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!

De um couraçado inglês vogam os escaleres;

E em terra num tinir de louças e talheres

Flamejam, ao jantar alguns hotéis da moda.

.

Num trem de praça arengam dois dentistas;

Um trôpego arlequim braceja numas andas;

Os querubins do lar flutuam nas varandas;

Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

.

Vazam-se os arsenais e as oficinas;

Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;

E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,

Correndo com firmeza, assomam as varinas.

.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!

Seus troncos varonis recordam-me pilastras;

E algumas, à cabeça, embalam nas canastras

Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

.

Descalças! Nas descargas de carvão,

Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;

E apinham-se num bairro aonde miam gatas,

E o peixe podre gera os focos de infecção!



Cesário Verde

(a continuar)

 

terça-feira, 22 de abril de 2008

Dia da Terra e...

... Gaia ou Géia, deusa da mesma. De onde vem o prefixo "Geo"

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Papel, pedra, tesoura (PPT)... bem mais que um jogo!

No campeonato mundial não há idades! Aqui o papel ganha à pedra! [5]

Conhece-se (ou vai-se esquecendo...) aquele jogo elementar, a dois parceiros, que é o do "par ou pernão", típico do "jogar a pinhões" da época de Natal [1] : um dos jogadores coloca os pinhões na mão fechada e o outro tenta adivinhar se são em número par ou ímpar. Se acerta, o jogador recebe um pinhão; se perde é ele a pagar. Variantes menos inocentes deste jogo e certamente mais conhecidas envolvem moedas e procuram o adivinhar (ou aproximar) da soma de quantias (ou de número de moedas) escondidas nas mãos fechadas de ambos os parceiros. [2]
Porém, muito menos ingénuo é o jogo, também de dois parceiros e também "de mão escondida", que aprendi em longes terras (じゃんけんぽん, janken-pon, em japonês), mas que já anda muito divulgado pelo mundo e que se pode chamar "do papel, da tesoura e da pedra". Não envolvendo pinhões ou moedas ou valores (mas apenas uma formulação simultânea de expressivos gestos simbólicos) tem um conteúdo bem mais significativo que o simples ganhar ou perder. Nesse jogo a mão aberta representa o papel; a mão fechada representa a pedra e os dedos indicador e médio estendidos, com a restante mão fechada, representam a tesoura. Os dois jogadores, frente a frente, partem de uma posição neutra, escolhem uma destas figuras e, a uma voz ou gritando ambos a sua figura, desenvolvem simultaneamente a figura escolhida. Mas existem regras de valor: a tesoura ganha ao papel, porque o corta; a pedra ganha à tesoura, porque a embota; e o papel ganha à pedra, porque a pode embrulhar. E o jogo termina ou numa só jogada, prolongada até desempate, ou ao fim de um determinado número de apresentações sucessivas, designadas como "partidas" ou "jogadas". [3]
Fácil é de ver um simbolismo subjacente: se o papel representa a invocação de um direito, a tesoura supera-o como lei que pode julgar da sua validade; a força bruta da pedra pode impor-se à lei, mas acaba por ceder perante a reivindicação do direito que julga espezinhar e que a "embrulha". E, neste curioso sentido, o jogo oriental, que - injustamente - alguns consideram infantil, traz consigo um grande ensinamento.
É enganador, portanto, confrontar a pedra com a pedra (como a tesoura com a tesoura, ou o papel com o papel): quando isso sucede, no jogo, a partida é de empate, ou melhor, de valor nulo - o que, na perda de tempo e de oportunidade que se associa a estas situações, traduz mesmo um verdadeiro confronto "de empatas".
É igualmente enganador insistir em usar a mesma figura: esta derrota outra e é por outra derrotada. E se um jogador cai nessa estratégia, fácil é ao seu concorrente aguardar a jogada seguinte para, também repetidamente, o brindar com a figura que o derrota (ou adivinhar a mudança enganadora de estratégia à terceira jogada).
Não é difícil de aprender este jogo, como jogo; difícil é usá-lo como sabedoria. Porque, como bem diz o lema de uma minha Amiga para superar as tais jogadas nulas: "Nunca discutas com um idiota; ele arrasta-te ao seu nível e ganha-te em experiência" [4].

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[1] Em "As Pinhas Mansas do Natal", em Jornal da Trofa de 23/12/2007, hoje acedido no endereço
[2] Esta uma das variantes, mas sempre pedindo regras complementares: pode haver uma limitação do número máximo de moedas, do valor facial destas, da possibilidade de não apresentar qualquer moeda, etc. Pode inclusive jogar-se a mais de dois parceiros.
[3]
Para um exemplo animado de jogo ver
[4] Existindo campeonatos, e mesmo campeonatos mundiais deste jogo (e uma federação mundial:"World Rock Paper Scissors Society" - WRPS) , há também estratégias para o ganhar: consultar
Por exemplo: considera-se que um novato, ou um inexperiente (ou um qualquer jactante) tende a usar inicialmente a pedra (ou mesmo a insistir nela). Assim é também na vida...o que justifica o lema acima citado.
[5] Para uma notícia do campeonato mundial de 2007 (Outubro 2007) em Toronto, Canadá, aceder ao seguinte endereço:
http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk/6159658.stm.
Uma versão em Português pode ser lida em
se se procurar depois em" Toronto Campeonato Pedra Papel Tesoura" (desta notícia foi retirada a imagem supra). Podem também encontrar-se na "net" diversos regulamentos aplicáveis e variantes. P.ex. na Índia o jogo é designado por Homem (que comanda a Arma), Arma (que mata o Tigre) e Tigre (que mata o Homem).
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domingo, 20 de abril de 2008

Ditado brasileiro

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Piranha
Mau aspecto, meu! [1]

Em rio de pira
nha, jacaré nada de costas!

Gostei mesmo de ouvir este, que logo disse ir juntar à minha colecção de dizeres favoritos - pela utilidade que tem para quem anda neste mundo. E não deixo de assinalar que tão original dito tem mesmo outras versões, adaptadas a diferentes cenários [2]. Tudo se aprende!!!

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[1] A vera efígie supra exibida do tenebroso teleósteo foi "pescada" no blogue eternalawareness.wordpress.com, onde se encontra como lema uma frase de Jung, também a reter: "Quem olha para fora, sonha! Quem olha para dentro, desperta!". Vénia para ambos os transcritos.
[2] Um exemplo higiénico: "Em rio de piranha, jacaré nada de camisinha", versão que se recolhe num outro blogue, este de exuberante juventude, com linguagem um tanto "bolinha vermelha no canto" mas muito interessante pela escrita abreviada e sintética, tipo sms, que usa e que até se entende: www.saposdalagoa.blogger.com.br . O Português do pós-pós-pós-acordo? Ou do pós-acordo-pós-desacordo-pós-acordo? Sei lá!
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sábado, 19 de abril de 2008

Situação político-citrina [1][2]

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"A Caminho de St. Ives

A caminho de St. Ives*,
Encontrei um homem com sete esposas;

Cada esposa tinha sete sacos,
Cada saco tinha sete gatos,
Cada gato tinha sete gatinhos,
Gatinhos, gatos, sacos e esposas,
Quantos iam a caminho de St. Ives?

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* St. Ives é uma pequena cidade inglesa perto de Cambridge que deve o seu nome a Santo Ivo, bispo persa que morreu na localidade por volta de 600."[3]

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[1] De http://clubematematica.googlepages.com/problemadom%C3%AAsdeoutubro, retirado "ipsis verbis" e com a devida vénia, após pesquisa no Google sob o conceito "SACO DE GATOS"
[2] Potencialmente também aplicável ao maior clube de futebol do universo & arredores. Homonimices e/ou simultaneidades!
[3] Se respondeu 2800 está certo! [há também quem responda 2802 contando o proponente/narrador do problema e o homem que levava aquilo tudo, mas o enunciado da questão de facto não os refere...]
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sexta-feira, 18 de abril de 2008

Um poema de Joaquim Pessoa: "Balada para um Construtor Civil"

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Joaquim Pessoa nasceu no Barreiro a 22 de Fevereiro de 1948. Colaborador no Suplemento Literário Juvenil do "Diário de Lisboa", da "Vértice" e de outras publicações literárias, o seu primeiro livro de poesia foi editado em 1975 ("O Pássaro no Espenho"), seguido por várias outras obras em que se debruça com realismo crítico e sobre a evolução da sociedade portuguesa - destacando-se "O Livro da Noite", Prémio de Poesia 1981 da Secretaria de Estado da Cultura / Associação Portuguesa de Escritores. Em http://ocanto.webcindario.com/lexicon/jpessoa.htm pode encontrar-se o comentário de David Mourão Ferreira quanto à sua vasta obra poética. É do volume "Os Dias da Serpente", dedicado a Mário Viegas e publicado em 1981 na Colecção "Círculo de Poesia" da Moraes Editora, mais concretamente das pags 44 e 45 da sua 2ª edição, datada de Lisboa e de de 1983, que retiro a seguinte poesia:

"BALADA PARA UM CONSTRUTOR CIVIL

É este o -monumento erguido em tua honra:

um bloco de cimento de cento e vinte apartamentos

Ele é o teu orgulho por ele andaste

de um lado para o outro constantemente discutiste

o preço do ferro e da mão-de-obra deste gratificações

a funcionários municipais assinaste papéis papéis papéis

acordaste em cada manhã impaciente por ver mais um andar sobre

a tua cabeça que fez de noite contas e mais contas

jantaste repetidamente com o engenheiro e os arquitectos

a quem generosamente pagaste os whiskies e o marisco

mostraste algumas vezes á esposa e às amantes o edifício em construção

e passeaste-as no Mercedes dando largas à tua alma de betão

tiveste -problemas com o pessoal ameaçaste

os homens que fizeram greve e untaste as mãos

aos que não aderiram e continuaram o trabalho

seguiste passo a passo a construção com a baba na boca

é meul é meu! disseste para ti mesmo olhando para o alto

tiveste longas conversas com o gerente do Banco que te sorriu e financiou

e a quem prometeste não esquecer no acto da escritura

passaste entre os operários que erguiam as paredes e perguntaste

olá! como vai isso? mas referias-te sempre ao trabalho deles

mandaste pôr uma coroa de flores na campa do servente que

desabou como um pássaro tonto de um andaime do décimo-terceiro andar e

só não acompanhaste o funeral porque a tua filha fez anos nesse dia

fizeste servir na última tarde um almoço para todos

esquecendo alguns ressentimentos e onde havia vinho à discrição

agradeceste pessoalmente a cada um e bataste discurso

mostrando-lhes claramente que és um homem preocupado

que sabe muito bem tudo o que faz


Porém agora que está pronto o monumento

é sobre ti que me interrogo:

Sabes tu quem foram Engels Stravinsky Cesário?

e Van Gogh? E Byron? E Rodin?

Saberás tu que assassinaram Pasolini?

Saberás que Neruda construiu edifícios com pedras preciosas com rubis sangrentos

e que Éluard carregou a sua arma e disparou versos sobre os inimigos da França?

Saberás que Aragon amou Elsa nas trincheiras

entre ratos e cadáveres de milhares de crianças fardadas

e que tinham grandes olhos azuis?

Saberás que Camões foi expulso do Império porque ergueu o talento mais acima que o de todos os outros? E que também Dante foi expulso de Florença e errou como

um pedreiro à procura de trabalho para morrer feito um cão

longe das portas -de ouro da cidade que hoje o reclamam?

Saberás que Fernando Pessoa também olhava para as casas

como quem olha para as árvores? Será que tu te interessas

por estas ninharias? Oh! com eu gostaria que ao menos pudesses ter presente

o que um dos nossos poetas deixou escrito sobre

as casas as casas as casas!


Joaquim Pessoa
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quinta-feira, 17 de abril de 2008

Santa Bárbara de Nexe (Faro, Algarve)

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Continuando a procura...

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A "lei da acção das massas"

"Quando uma organização estruturada se vê obrigada a correr atrás de um movimento de base para se apropriar da dinâmica deste ou sufoca o movimento na sua genuinidade, ou acaba trasbordada por ele." [1]

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[1] vg. Maio 1968 e não só.


terça-feira, 15 de abril de 2008

Gárgula ingénua (Igreja de Santa Bárbara de Padrões, Castro Verde)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Ilustradores famosos dos EUA: 16. Frederic Remington (1861-1909)

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Frederic Sackrider Remington (Canton, Nova Iorque, 1861- Ridgefield, Connecticut, 1909), filho de um herói da Guerra da Secessão e ele próprio inicialmente atraído para a vida militar (que havia de trocar pela Escola de Arte mas que sempre gostaria de representar) foi ilustrador, pintor, gravador, escultor, correspondente de guerra (nomeadamente na "guerra de Cuba", de que ilustrou com realismo importantes episódios bélicos), escritor e rancheiro (no Kansas). Descrevendo o que testemunhou e preenchendo uma trajectória artística polifacetada e muito sensível ao Oeste Selvagem, trouxe da sempre flutuante "Fronteira" as paisagens ricas em cor, os índios e caras-pálidas aventureiros, as diligências assaltadas ou rolando por encostas bravias, as noites brancas de luar, os largos rios e os lagos sulcados por canoas. Pintor de homens e de animais (lobos, mulas e cavalos e mesmo cavalos assustados por lobos), raramente concederá lugar à beleza feminina no universo essencialmente macho e vigoroso que domina a sua obra. Pujante em estatura e em produção, os seus trabalhos estão amplamente distribuídos pelos Estados Unidos e Canadá e existe mesmo um museu e fundação que lhe são exclusivamente dedicados (vd. www.fredericremington.org). Representa-se, supra, um cartaz de exposição que reproduz o seu quadro "Fim de tarde, num lago canadiano" e, infra, a gravura "O Assalto" ("The Hold-up"), destinada a ilustrar uma obra literária [1] [2].


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[1] Com vénia a http://www.nga.gov/feature/remington/remington.shtm e a http://www.remington-art.com/paintings.htm, respectivamente - locais a visitar para se conhecer mais sobre Remington e a sua obra.
[2] Coevo com Remington, cita-se - de entre vários - um outro autor de referência da designada "cowboy art": Charles Marion Russell (1864-1926)

domingo, 13 de abril de 2008

Monumento ao mineiro, em Rio Maior

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Ao fundo da fotografia superior: o fuste da chaminé da antiga fábrica de briquetagem do Espadanal; por detrás do mineiro, na fotografia inferior: vislumbra-se uma "grande" ou "média superfície" já existente, o modelo de realidade actual que pressiona o futuro daquela.
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sábado, 12 de abril de 2008

Um tubarão mecânico


Triturador de lenhite da antiga mina do Espadanal
(exposto na I Jornada do Património Mineiro de Rio Maior, que hoje teve lugar)


sexta-feira, 11 de abril de 2008

O alpinista


A cena passa-se a mais de 3 metros do solo... e sem rede!


quinta-feira, 10 de abril de 2008

Em solidariedade com a Urda!

Em solidariedade com a Urda Klueger, já tantas vezes aqui referida com amizade, transcrevo (mantendo a grafia original) o sentido lamento e forte reclamação por esta expressos e que, versando situações também conhecidas entre nós por formas similares, me leva a usar o aforismo antigo do "lá como cá más fadas há":

(transcrição:)

"GVT - AMARGO COMEÇO DE OUTONO

E eu que esperava o calorzão de Blumenau tomar outros rumos para poder trabalhar com mais serenidade, quando, no dia 25 de março, comecinho da porta do outono, de repente já não era mais possível mandar mensagens eletrônicas no meu Outlook-express. Tá, tais coisas acontecem, e a primeira coisa que a gente faz é ligar para o provedor. Meu provedor (SAN) é muito atencioso, e ficou fazendo uma bateria de testes até que esgotou as possibilidades:

- Urda, o problema não é conosco. Talvez seja no teu computador, quiçá na nas tuas linhas GVT (pois tenho duas).

O passo seguinte era chamar o técnico, o Dilson, que acabava de ficar papai de uma pequena Fernandinha, naquele dia, mais que foi tão prestimoso quanto sempre. Testou de todos os jeitos, tentou todas as possibilidades, e nada do problema aparecer.

- Teu computador já está meio ultrapassado. Será que não é algo no funcionamento dele?

- Ta, é tempo, mesmo, de atualizá-lo. Providencias para mim?

É bom explicar que eu trabalho como escritora num endereço, e como historiadora em outro – e um dos computadores já havia sido atualizado fazia algum tempo. O bom Dílson providenciou, mesmo com uma menininha novinha em folha em casa – e assim passaram-se os dias 25, 26, 27, 28, 29 e 30 – há que contar que 29 e 30 foram sábado e domingo.

Na segunda-feira, dia 31, computador novo instalado, testes e mais testes feitos, o Dílson me disse:

- Não é coisa nos teus computadores, não. A única explicação é que seja na GVT, a linha telefônica.

Eram umas 11 horas da manhã de segunda, dia 31.03.2008, quando abrimos chamado técnico com a GVT. Neste momento em que escrevo, é sexta-feira, dia 04 de abril, seis da tarde, e tenho aqui o registro de 4 chamados técnicos para a GVT, muita amargura, muito nervosismo, muita promessa vã, muito desrespeito humano, muita desconsideração para uma cliente, qualquer que seja. Estou sabendo que o problema está lá nos computadores da GVT em Curitiba, que se trata de uma tal “porta 25” que não se abre, e no segundo chamado, uma moça que conseguiu ser muito simpática diante do meu grande nervosismo (afinal, tenho uma vida que corre via e-mail, nas minhas duas profissões) garantiu-me que até ontem, dia 03.04.2008, às 18:20 horas, meu problema estaria resolvido.

- O problema está nas nossas linhas. Você não precisa estar em casa para atender possível técnico.

- Então vou cair fora, antes de ficar maluca. Mas, amiga, avise aí que é o prazo final. Vou escrever um texto sobre o que acontece e passar para a Internet (e outros meios de imprensa) caso a situação não se resolva.

Adivinhem o que aconteceu? Hoje, 48 horas depois, chego em casa e tudo continua na mesma, e faz duas semanas que não consigo mandar meus textos para a imprensa, entre tantas outras coisas, além de estar em pleno abalo emocional, ter gasto com um computador novo e toda uma série de outros prejuízos financeiros, morais e emocionais.

A gente sempre tenta dar um jeitinho, não? Pois então comecei a fazer algumas ligações, e descobri que na verdade os técnicos da GVT andam brigando entre eles pois não conseguem resolver o caso das minhas duas linhas. Tenta-se falar com o chefe, não é mesmo? Tentei na minha cidade: impossível, e, inclusive, a moça malcriada que atendeu ao telefone, negou-se até a se identificar. Aí liguei para o número10325, que é onde a gente faz queixas, pedindo para falar com a ouvidoria. Sabem o que ouvi? Que procurasse a ouvidoria do Fórum da minha cidade – e isto depois de cinco dias de espera, e sendo já o anoitecer de uma sexta-feira. Insisti em falar com alguma pessoa encarregada, e tal pessoa ia me atender, quando, inadvertidamente, deixei cair a linha. Fiz nova tentativa de contato, e então só consegui ouvir uma coisa, repetida ao infinito: “É impossível falar com o supervisor. É impossível falar com o supervisor. É impossível falar com o supervisor.”

Fico com uma pena danada desses rapazes e moças que ficam na linha de frente, e transcrevo a seguir o que um dia já escrevi sobre eles:

“(...)quando falo em tadinhos, não quer dizer que esteja a depreciá-los: estou é querendo dizer que são grandes vítimas de um Monstro chamado Capitalismo, que lhes paga um salariozinho de fome, lhes faz decorar algumas frases sempre iguais, lhes obriga a não cometerem nenhum ato de piedade ou de humanidade e lhes faz a aturar todos os estresses que o tal Capitalismo lança sobre os consumidores dos seus produtos. No caso da GVT não é diferente. Com a gentileza que são obrigados a terem para não serem colocados no olho da rua e serem incorporados às multidões de excluídos que o Capitalismo vem formando, sempre maior multidão destinada à morte pela desassistência e pela fome(...)[1]”... “Pois é, taí o que penso daquelas centenas, milhares de jovens que ficam tentando ser gentis com a gente quando a empresa quer que eles nos matem e nos esfolem, o que nos causa as grandes revoltas e nervosismos que acabamos devolvendo a eles, e eu imagino que a maioria deles viva com dor de estômago, de cabeça, ou quem sabe até em depressão, de tanto levar bronca imerecida, broncas direcionadas aos seus nababos patrões desconhecidos, que decerto neste instante estão por aí refestelados em iates fabulosos ou vomitando champanhas cujo preço de uma garrafa é maior do que o dos salários mensais dos pobres atendentes que estragam sua saúde para mantê-los a jogar dinheiro fora em cassinos de luxo – e como tenho esta clareza quanto ao que é feito com os seres humanos que atendem o 0800 (ou equivalente), desde já peço a eles desculpas pelas vezes em que também me irrito e repasso para eles o que não tenho como repassar àqueles donos do Capital e do Poder que, como se fossem Santos do Céu, permanecem inacessíveis à nossa reles ira humana.”[2]

Há que se pensar, no entanto, que entre os nababos patrões e a moçada que atura os nossos nervosismos, há uma classe chamada de “supervisor ou supervisora”, e esse pessoal também deve ganhar uma mixaria e se contorcer um bocado para poder manter seus filhinhos em escolas particulares, para terem a sensação de que pertencem à classe média. Como já dizia Paulo Freire[3], no entanto, “O oprimido hospeda o opressor”, e um dia os tais supervisores já amargaram os nervosismos dos clientes, e agora não estão nem aí: viraram gente de açúcar, quiçá de cristal, que se derrete ou se quebra se pegar um telefone para falar com um cliente cheio de angústia: como foi bom passar de oprimido a opressor! Hoje, que se lixem os coitados dos atendentes – sabe-se lá se, à moda dos patrões invisíveis, recostados em coxins de veludo e vomitando champanha, esses seres de açúcar não estejam refestelados nas suas cadeiras de chefetes, tomando garrafas inteiras de cafezinhos e exercendo seu poder de oprimir com o prazer que teriam com um orgasmo! Fico pensando que sou uma ignorante mesmo, quando cheguei a pensar que algum deles desceria da sua fantasia de diabinho portando um garfo (para espetar os atendentes, claro), na ânsia que têm em se parecer com os nababos donos da empresa, que jamais verão, pois tais representantes do Capital nunca se darão ao trabalho de adentrar a um desses ambientes de trabalho e olhar para as fuças de quem ganha um salário miserável para tornar o patrão cada vez mais milionário.

Ficam para mim, aqui, algumas perguntas: cancelo meus contratos e meus telefones com a GVT? Processo a GVT por todos as perdas e danos que venho tendo desde, pelo menos, a segunda-feira, quando registrei o primeiro chamado técnico? Devo pedir ressarcimento do valor do meu computador novo, que desnecessariamente foi trocado? Dirijo-me à Ouvidoria do Fórum da minha cidade, conforme me foi sugerido por essa malfada GVT, ou basta ir ao PROCON?

Sei lá, tenho o final de semana para aclarar os pensamentos, mas que isto fica assim, ah! não fica mesmo!

Blumenau, 04 de abril de 2008.

Urda Alice Klueger

Escritora



[1] Da crônica “Depois de Jeová e de Alá, o novo deus, o 0800” – da mesma autora, publicada em 2005.

[2] Da crônica “GVT – quem já se incomodou com ela? – da mesma autora, publicada em 2006.

[3] Paulo Freire: brasileiro, filósofo da Educação, mundialmente respeitado."


(fim da transcrição)


Sensível, esta referência aos que, lançados na "frente", são continuamente avaliados sem saber quando e como e sem conhecer os critérios de avaliação. Já que há outros que... Bom, adiante! Lá como cá más fadas TAMBÉM há!!!

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NOTA FINAL: entre esta postagem e a que, no momento em que foi publicada, lhe era imediatamente anterior, de 2 de Abril, há textos preparados escritos durante uma recente deslocação do bloguista mas não acabados "aceitavelmente" e portanto "no frigorífico" dos textos guardados. Procurar-se-á colmatar esta lacuna fazendo-os "saltar" do buraco e postando-os retroactiva e gradualmente com um mínimo de apresentação, mas logo que prontos. Aceite-se este compromisso de qualidade... e veja-se o seu conteúdo! Não admira pois que apareçam... antes deste.



quarta-feira, 9 de abril de 2008

Regresso a La Felguera, ou 50 anos depois: 2 - a Estátua de D.Pedro Duro

A estátua de D.Pedro Duro, mantida no Parque de La Felguera, concelho de Langreo, Astúrias
(ao lusco-fusco)

No parque de La Felguera, frente à igreja [1], continua a estátua do "patrão" da Duro-Felguera, D. Pedro Duro [2], que sobreviveu à desindustrialização da terra onde ainda hoje é recordado como bem o demonstra o cartaz que, quando da recente visita, envolvia o fuste do monumento e que se pode ler a seguir. Por esta manifestação pública - que traduz um manifesto desagrado pelo processo de desindustrialização de que La Felguera foi alvo - qualquer alteração da localização central do monumento, junto ao Parque, permanece, como há 50 anos, fora de questão! [3].

De todo lo que fué Duro Felguera en Langreo solamente quedará esta estátua.
De tudo o que foi a Duro Felguera, em Langreo, somente ficará esta estátua.

Representação que é da "figura mítica do patrão", consagrado vulto do paternalismo industrial asturiano, o monumento de La Felguera é encimado pela estátua em bronze do Fundador, com coluna e pedestal construídos em calcáro marmóreo e simulando obra metálica, seja de fundição, seja de caldeiraria, seja finalmente de mecânica - numa aproximação temática que bem se enquadra na actividade do homenageado e da Empresa que desenvolveu e dirigiu.



Logo no topo se denota essa representação temática (ver figura supra): a estátua assenta, indirectamente, num capitel com os motivos decorativos característicos de obras congéneres em ferro fundido, que termina com duas golas estreitas, simuladamente rebitadas ao fuste, como dispositivos de união/fixação que procuram representar.

O fuste é, todo ele, uma pretensa realização em caldeiraria, com os rebites e juntas perfeitamente evidentes:


Finalmente o pedestal representa quatro pernos, retidos, em cima, por porcas sextavadas e que entregam, em baixo, em outras tantas rodas dentadas - a que se seguem trê degraus e uma base poligonal alargada, dando altura (e importância) a toda a obra.




Na frente do monumento, uma placa comporta uma mensagem típica da relação paternalística:


Los obreros de la Fabrica de La Felguera a su Fundador D.Pedro Duro

Os operários da Fábrica de La Felguera ao seu Fundador D. Pedro Duro

São muitas as aproximações que se encontram entre as histórias industriais de La Felguera e do Barreiro, no que toca, respectivamente, à Duro-Felguera e à CUF. Como se esses aspectos históricos não chegassem, é interessante notar que ambas as sociedades escolheram a roda dentada como motivo principal do seu logotipo - como se pode aperceber do cartaz afixado na estátua (segunda imagem a partir de cima) e da seguinte amostra de metal, presente no Museu da Siderurgia (MUSI), de La Felguera:


Com uma diferença substancial, que também não deixa de ser interessante: enquanto a CUF, no Barreiro, produzia peletes que não consumia (nem eram consumidos), a Duro-Felguera, na sua vertente siderúrgica, consumia peletes que não produzia:

Peletes hematíticos, entre as matérias-primas consumidas pela indústria siderúrgica em La Felguera (MUSI)


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[1] Onde ainda se mantém, à esquerda quem entra no templo, o altar da Senhora de Fátima que determinava, cinquenta anos atrás, que um engenheiro da SIN, crente fervoroso, me interpelasse, em cada domingo, com um amistoso "Visitaste hoy tu Compatriota?"
[2] Para uma nótula biográfica sobre D.Pedro Duro, vd. a postagem de 15 de Julho de 2007, neste blogue.
[3] Estava eu a fotografar o movimento, quase na hora "del paseo", excitando a curiosidade dos felguerinos, quando um destes se me dirigiu, com a franqueza típica da região e me perguntou: "Está V. a fotografar o monumento ou o cartaz?". E eu, com também a franqueza lusitana, respondi-lhe de imediato com um clarificador "Los dos!"... isto é "Ambos!".