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Desde 26 e 4 de Julho de 2007 não tenho trazido aqui textos do poeta e escritor paraense Alberto Lisboa Cohen (vd. biografia, inserida a 4 de Setembro de 2007). Certamente que não por faltar ao Autor a excelente produção de que já foi dada amostra e, em continuidade, por outras obras que por gentileza e amizade me tem feito chegar, mas pelas diversas vicissitudes que criaram descontinuidades nas "postagens" aqui realizadas e que deram lugar a silêncios e lacunas neste blogue. De Setembro de 2007 a Abril de 2010, muito mudou no Mundo. No entanto, e como se verá, Alberto Lisboa Cohen mantém o seu estilo, sensibilidade e domínio numa modalidade tão difícil como é a "short-story" [história breve"][1]. Passemos pois, com autorização do Autor, aos dois textos que farão parte de uma obra que se nos refere como proximamente a editar - com os votos de que essa edição tenha o esperado (e justificado) sucesso.
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"A garota da Copa de Setenta
Seriam assim, então, todos os dias daqui por diante... Uma infinidade de nadas disfarçados de pequenos afazeres. O poder esvaíra-se de suas mãos tão rapidamente quanto demorado fora o deferimento da aposentadoria. Sentia falta das pessoas querendo soluções para seus casos. Lembrava que, na época, elas o aborreciam.
Após fazer a barba com o esmero dos que têm o tempo por passar, tomou café, acendeu um cigarro (precisava parar) e procurou no jornal diário as notícias que eram, ainda, do seu mundo embora não mais fizesse parte dele.
Inesperadamente, um nome no obituário: Angélica! O sobrenome o mesmo! Não era possível que fosse ela, tão jovem e cheia de vida! Devagar foi assimilando a realidade: Mais de trinta anos haviam se passado desde a última vez que a vira.
Década de setenta. Brasil tricampeão. O povo nas ruas. Lágrimas, abraços. Todos irmãos. E lá estava ela, morena, nariz empinado na arrogância de quem sabe o que quer. Não era nada mais que bonitinha, mas tinha alguma coisa que a tornava única. Talvez fosse a sua maneira de olhar, dentro dos olhos, ou, quem sabe, a desenvoltura com que caminhava no meio da multidão de eufóricos e bêbados. Ninguém a tocava. Passarelas se abriam à sua frente, fechando-se logo depois de sua passagem. Era a irmã, ou a namorada de cada um, quem passava.
De repente o encontrão predestinado a juntá-los. Um sorriso, um toque de mão e a nítida percepção de que seriam um do outro.
Namoro intenso, quase passional, porém um curso, muito importante para a formação profissional dele, arrastou-o para o outro lado do Brasil. As últimas palavras dela, no aeroporto, foram: “Estamos nos perdendo”.
Um ano envolvido com estudos e noitadas na cidade hospedeira fizeram cessar a correspondência entre os dois. Achava que no seu retorno tudo seria como antes. Não foi. Ela havia casado. Morreu mil vezes até conseguir um encontro em lugar público com aquela que, agora ele sabia, era a mulher de sua vida.
Em poucas palavras, racional como sempre fora, ela eliminou qualquer esperança que pudesse haver. Ainda o amava e achava que esse amor seria para sempre. Casara com um primo e amigo que a apoiara em seu abandono e solidão. E finalizou: “Nasci para ser fiel e jamais trairei o meu marido, mesmo contigo”. Recusou a súplica de um último beijo e partiu sem olhar para trás.
O mundo e o tempo cauterizaram parte das feridas e eles viveram suas vidas possíveis, sem aquele grande amor desperdiçado.
Agora o jornal dava a notícia de que ela se fora, sem retorno. Acendeu mais um cigarro para justificar com a fumaça as lágrimas e se pôs a recordar como ela era bonitinha naquela Copa do Mundo de setenta.
(22 de outubro/2005)
Alberto Lisboa Cohen"
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"A solidão do chefe
Aquela nação indígena tinha sempre dois chefes: Um para os dias de paz, quando todos os conflitos haviam sido resolvidos, outro para a guerra, para o vencer ou vencer, para os atos de bravura e liderança. Um era o provedor, o outro o defensor. Cada qual absoluto, dependendo da época que atravessavam.
Ocorre que, durante a guerra, o chefe da paz não podia perder o ar pacífico e tranqüilo, enquanto na paz o chefe guerreiro tinha que demonstrar ferocidade, como se ainda estivesse em combate. Imagine-se o conflito interior de cada um ao se tornar símbolo de uma expectativa.
Nos dias de importância meramente totêmica, na solidão de um comando sem seguidores, o chefe reserva (chamemos assim) costumava partir para grandes caminhadas, geralmente com destino desconhecido. Dizia-se que estava viajando para dentro dele mesmo. Na verdade o que buscava era somente a paz, ou a guerra (conforme o caso), que não podia vivenciar junto com os de sua tribo. O encontro com o momento histórico que lhe era negado.
Nessas peregrinações, ocorria, então, o absurdo de um chefe da guerra alimentar-se somente de raízes e frutos, para não molestar os animais, e cuidar de doentes e feridos encontrados, por acaso, no caminho. De outro modo, era comum um chefe da paz bestializar-se, transformando-se em sanguinário matador de qualquer ser vivo que avistasse. Apenas as respectivas formas de contraditarem a ambigüidade de seus destinos.
Assim, guerreiros tornavam-se, em determinado instante, monges e distribuidores da caridade, e pacifistas mudavam em cruéis assassinos seriais.
Ao voltarem para a aldeia, o da paz coberto de sangue e o da guerra com um acervo de atos de bondade, afivelavam, novamente, suas máscaras e assumiam os papéis de bons ou maus, que por algum tempo haviam abandonado.
Nota - Obviamente, tudo isso é fantasia e um amontoado de palavras sem objetivo ou moral da história.
(24 de setembro/2005)
Alberto Lisboa Cohen"
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1. A 10 de Janeiro de 2008 tentei propor, para tradução de "short story", a palavra "historieta". No entanto, em Português, "historieta" - embora talvez o termo mais adaptável - encerra algo de depreciativo não em relação à extensão mas em relação ao conteúdo. Revendo a proposta, talvez não insista no vocábulo proposto e me fique, por isso e cautelosamente, na acepção de "história breve" (ou mesmo "história curta"). Não tem a expressão inglesa igualmente duas palavras?