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De um amigo portuense recebi, há alguns dias, o seguinte texto, apresentado como uma intervenção discursiva do político brasileiro Cristovam Buarque, quando Ministro Brasileiro da Educação, num debate realizado numa universidade dos EUA em que lhe foi perguntado o que pensava quanto a uma internacionalização da Amazónia (ideia que, como referia a mensagem recebida, surgia então com alguma insistência em alguns sectores da sociedade americana e que, compreensivelmente, porque não parece ter sido efectivamente arredada, muito incomoda os brasileiros). O jovem estudante que formulou a pergunta, concluiu-a dizendo que esperava a resposta de um Humanista e não de um Brasileiro – e o texto recebido do meu amigo portuense fechava com a afirmação da importância dessa intervenção, uma vez que não teria tido a divulgação que muito merecia e que pelo menos se esperava, facto este que logo me despertou incrementado apetite. Como, porém, não é todos os dias que se recebem palavras de um ministro (mesmo que já ex-ministro desde 2004) , fiz um seguimento da simpática informação, remetendo-a outro amigo, este brasileiro – que me confirmou a veracidade do discurso e apenas disse que não era tão recente quanto isso, pois o referido incidente se situava no já distante ano 2000 [1]. Como a demora pode afectar a frescura, mas não afecta a veracidade e, muito menos, o fundo da questão, a intervenção aí vai, tal qual a recebi. E, sem dúvida, face a discursos e ufanias imperiais, merece ainda hoje ser lida:
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“De facto, como brasileiro, eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazónia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse património, ele é nosso.
Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazónia, posso imaginar a sua internacionalização, como também a de tudo o mais que tem importância para a Humanidade.
Se a Amazónia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro... O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso património da Humanidade.
Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazónia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país. Queimar a Amazónia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo génio humano. Não se pode deixar que esse património cultural, como o património natural amazónico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito tempo, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazónia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos também todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA [2] têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro.Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia seja nossa. Só nossa!
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[1] Idêntica dúvida parece ter surgido no próprio Brasil, dando origem a uma nota explicativa muito oportuna na transcrição da intervenção em http://www.almacarioca.com.br/cro38.htm - portal que estabelece, em tons definitivos, a sua genuinidade e inclusive data e localiza o incidente reportado. Nesse portal o presente texto é apresentado como um artigo publicado na imprensa como resultante de uma intervenção, e não como a própria intervenção. Mas, no essencial, mantém-se. [2] Para evitar confusões com o actual (e o anterior) confronto eleitoral nos EUA, recorda-se que o incidente terá decorrido no ano 2000.
[3] Imagens:
1ª: http://www.universia.com.br/materia/img/ilustra/2006/abr/amazonia.jpg
2ª e 3ª: http://www.lbaconferencia.org/port/press_images.htm ;
4ª: http://www.consciencia.net/2006/0128-amazonia3-greenpa.jpg
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