Acompanhei e acompanho no essencial os temas debatidos e as principais posições assumidas, mas ás intermitências do debate tele-transmitido pouco assisti. Aprende-se pouco com a mútua invectivação sem suporte, quando se sabe que ali ninguém vai convencer ninguém. Mas, a propósito ou a despropósito, o tema leva-me a falar de 3 Mulheres de reconhecido mérito na sociedade portuguesa. A primeira é Manuela Ferreira Leite, de quem não sou francamente admirador no campo político, de cuja competência técnica não duvido e de quem destaco, na intervenção feita, o reconhecimento de uma situação de facto, que é a de estarmos (ou melhor, a de para ela nos termos deixado escorrer) num quadro de dependência relativamente a terceiros, sejam esses alguns dos nossos parceiros europeus, sejam instituições europeias, sejam as entidades nebulosas mas actuantes com perfil de sindicatos anónimos e a que nos habituamos de ouvir designar como "os mercados".
Isto leva-me a encontrar o segundo nome, Leonor Beleza, nos tempos em que lhe era atribuída, como docente, a autoria de uma sebenta de Direito de Família na FD da Universidade de Lisboa. Dizia esse texto, retirado das aulas da então assistente, que o afastamento dos conjuges que leva à ruptura não sucede de "impromptu", mas vai-se sucedendo. Transpondo este modelo dinâmico para o que connosco e nesse outro campo está a acontecer, poder-se-ia concluir que a situação de dependência se não estabeleceu agora, de cachapuz, mas que - com diversos sintomas de gravidade minimizada (e nesta minimização sem soarem alarmes é que reside o erro nosso, aos mais diversos níveis) - se foi placidamente embarcando naquilo que eu sempre designei por "economia do soufflé" e que hoje se ouve chamar de "bolha". Não vou entrar no processo de autoflagelação de muitos analistas que pugnam pela enumeração de todos os maus passos que demos nesse roteiro da desgraça e que, de um lado e de outro, procuram dar nomes a todas as calçadas mal pavimentadas nele contidas. Como as duas rãs que caíram no balde de leite e de que já aqui neste blogue se falou, estamos afogados no lodo. Agora é safarmo-nos dele - e recordo que da atitude diferenciada de cada uma das rãs saíram finais opostos. Folgamos para além do que nos permitia a carteira, há que pagar por isso. Se alguns foram mais prudentes (ou menos enganados) que outros e agora dizem "ora porra!", há que questionar em que extensão (não apenas económica) terão contribuído também para isso, incorrendo por vezes em actos que parecem afastados mas não estão, como na aceitação de facilitismos, em situações de "não te rales", na não expressão de opções firmes, em não querer afirmar uma inscrição activa na sociedade que é a nossa (p.ex. claudicando no exercício do voto). Mas do voto falaremos um dia destes. A noção é esta: estamos numa situação da maior exigência. Não pensemos que a dificuldade é de curta génese e que vai ter cura a curto prazo e que vai ser simples essa cura. E consideremos que, como nas situações de guerra, há sempre quem ganhe com isto, que "as paredes têm ouvidos" e que a exibição dos nossos mais caricatos destrambelhamentos só serve para alimentar o bandulho desses sugadores, anónimos ou não . Os sugados somos nós e os episódios recentes assim o mostram. O trabalho de casa faz-se moderadamente caladinho, à espanhola.
Isto leva ao terceiro nome e à indicação de uma obra biográfica, lançada há um ano e que, salvaguardando algumas importantes diferenças de situação, permite algumas reflexões úteis: a biografia de Fontes Pereira de Melo, por Maria Filomena Mónica, editada pela Aletheia. É leitura para os dias que correm. Tendo presente essas diferenças e que o tempo impede que nada se reproduza exactamente como foi, nela se encontram situações que se diriam manter-se nas hélices genéticas da nossa vida política. Entre muitas, e só para dar um pequeno exemplo, o que a pag. 147 da 4ª edição se pode retomar do passado, no que respeita a representações e a representantes parlamentares: "Explicava [Fontes ao Rei], nos seguintes termos, os motivos da [sua] apreensão: «Não é o número, que, aliás, cria uma grande dificuldade para o futuro, mas a qualidade, sobretudo, que constitui o verdadeiro perigo». Vimo-lo há escassos instantes.