Esta terra liderou, em Portugal, a queima de pirite para a produção de ácido sulfúrico. Muitos que isso viveram e que disso beneficiaram ou foram beneficiados, do facto se queixam. Muitos outros que não se queixam, antes de gabam da realidade que conseguiram fazer, em equipes de valores a todos nos níveis reconhecidos, e até ensinando a outros algumas coisas importantes e significativas, hoje entre nós "apagadinhas". Quem saberá que muitas novidades tecnológicas passaram "en première" por aqui? Quem saberá algo dessas realizações, frequentemente apontadas como "benefícios ao capital" e "ataques ao ambiente"? Num colóquio recente que interessava ao passado da terra, e esse já seguramente
ninguém lho tira, as comunicações técnicas foram consideradas "chatas" quando se tratava de contrapor aos méritos de uma obra a demonstração de quanto o Capitalista -Promotor da mesma fora afinal "tão mau, tão mau que até era por mal todo o muito bem que fazia"[2]. Este país pode ser para velhos-relhos mas, aos técnicos, pouco suporta. O ataque dessas refracções dura geralmente duas gerações, como o dia tem duas marés. Depois vem uma reflexão e, geralmente, o balanço crítico do que entretanto se perdeu e que certamente foi enriquecer outros, os disfarçudos e intocáveis "pomposos" - que esses manter-se-ão nas tintas para a terra, para esta terra, e para as gentes que aqui habitam e que aqui antes encontravam mais trabalho.
A pirite é, aqui, um personagem indiferente na sua génese a todas estas correntes de pensamento. Nascida no fundo de mares, de fumos negros vindos do interior do planeta, esta mistura de sulfuretos variados, predominantemente de ferro, parece estar a retomar o rumo de "fonte de enxofre" e, acessoriamente, dos metais contidos. Quem entrar nos motores de pesquisa e colocar "Pyrite" reconhecerá animações recentes onde antes permanecera um longo silêncio alimentado pelas tão frequentes dessulfurações em nome do ambiente. Mas a realidade pesa e a política das matérias primas também. Os recursos voltam a ser computados, devagarinho, em passinhos de lã, de longe até. Não é por acaso que num trabalho, também não muito delongado no tempo, os recursos mineiros da Faixa Piritosa Ibérica, maxime de Aljustrel , voltaram a ser citados a nível mundial. Ainda poderá ser cedo para se olharem desenvolvimentos integrados e retentores de acrescida mais-valia no Alentejo profundo (aqui "profundo" porque também em profundidade), mas não é cedo para que deixemos a atalaia para observar "o que aí possa vir," não esquecendo que - como no passado - se mantém válido e avisador um ditado bem conhecido: "com papas e bolos se enganam os tolos". Desencantem-se porém os que esperem ver "Contactos" a fumegar por esta terra: primeiro, porque os Contactos hoje não fumegam e, principalmente, porque aqui, na cabecinha de muita gente, ainda não arribou para melhor a ideia de manter uma nova forma de poluição, mais insidiosa, mais terrível, mais agrilhoante, e que é a de associar o desenvolvimento à dominante feitura de casas, casinhas e casotas, dentro do que já mereceu a alcunha de "tsunami do betão" [3].
Esta reflexão sobre as riquezas naturais - e não apenas sobre os sulfuretos complexos do Alentejo e Andaluzia, porque os estrategas dos recursos (nós nesse capítulo, desde a adesão à então CEE, parecemos
quase continuar de licença sem vencimento [4]) já verificaram que a posse de muitos potenciais valores expressos nesses e noutros recursos, e estou precisamente a pensar noutros (e não apenas minerais), vem a ser gradualmente desviada dos clássicos "mercados" para surpreendentes mas não adormecidas e potencialmente especuladoras alternativas - termina com uma notícia dos meados do sec. XVIII: aí um daqueles naturalistas alemães, que anteciparam os estudantes-viajantes-naturalistas-espiões norte-europeus que calcorrearam "a outra Europa" no sec. XIX, de nome Johann Friedrich Henckel (precursor dos Henkel sem c), conecto a Freiberg, escreveu um manual com a atractiva epígrafe de "Piritologia". Não o tenho... mas gostava de o ter, na sua tradução em Inglês (que existe), para dar companhia ao meu respeitável "De Re Metallica" (tradução Hoover) que há muito aguarda uma edição em Português.
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[1] Para quem não saiba, esta magnífica unidade produzia no Barreiro 625 toneladas diárias de ácido sulfúrico MHS (ou seja, na base de 100%) a partir de 500 t/dia de pirites portuguesas, numa ustulação desarsenificante em leito turbulento, a duas etapes (ou seja pirite -> pirrotite e pirrotite -> hematite), processo BASF. Antes desta, e em "formato industrial", existiu uma outra unidade do mesmo processo na Bayer - Uerdingen, mas que teve morte prematura. Ao sucesso desta instalação devem ligar-se os nomes de toda uma equipe, liderada pelo Eng. Francisco Montes. Existe a reportagem do arranque, que decorreu a 21 de Abril de 1972.[2] Frase que, na altura e no debate, usou o escrevedor destas linhas para caricaturar tão porfiado esforço de auto-flagelação disfarçada e de procura, "après la lettre", do "orgulhosamente sós" (numa situação manifestada por alguns mas não compartilhada por todos).
[3]E é de ver a contradição doutrinal nele e aqui reinante entre o discurso de ataque e a prática de apego à propriedade! Venham pois os lucros e réditos que esta possa trazer e tanto e enquanto mais melhor, para os pluto-qualquer-coisa que por aí vão enchendo o bandulho. Querem uma poluição mais evidente? Querem uma mais evidente agressão ao ordenamento, ao ambiente e até ao convívio social? Percorram-se alguns bairros próximos, ditos sociais, até inaugurados com pompa e circunstância por políticos que ainda tentam marcar caminho. Esclareça-se que não sou CONTRA essa actividade; sou CONTRA o seu predomínio e quase exclusividade, em detrimento de outras aplicações possíveis, mais produtivas e menos tacita ou expressamente agressivas. Sou CONTRA a sua desordem e desadaptação à estrutura social das populações que dizem servir. Sou CONTRA os débitos familiares e a rigidez de fixações que originam, E, obviamente, CONTRA a hipocrisia bifronte dos Janus.[4] Reforcei o quase porque há quem esteja a mexer no assunto. Veja-se a propósito, numa primeira aproximação, o meritório "Roteiro das Minas e Locais de Interesse Mineiro e Geológico de Portugal", em http://www.roteirodeminas.pt,e a exposição do Director Geral de Energia e Geologia, Eng. Carlos Caxarias, em http://www.youtube.com/watch?v=oyytT8ajCR0