

Há tempos escrevi algures que dois males poderiam ter sido apontados no fim da primeira metade da vida quase centenária do complexo industrial (químico) do Barreiro: a ausência da síntese orgânica e de industrias de catálise/alta pressão. Os anos seguintes colmatariam estas lacunas, ainda que um pouco "à portuguesa". A síntese do amoníaco, no que ao Barreiro interessa, nasceria em Alferrarede, Abrantes, com transporte em vagão cisterna para que a produção de sulfato de amónio pudesse ter lugar ao fim de tal percurso, por um encontro do amoníaco vindo de lá com o ácido sulfúrico que cá era produzido. Esta lógica torcida daria depois lugar a duas sucessivas fábricas de amoníaco "químico", substituindo a via electrolítica que se usava em Abrantes e permitindo a produção local de ácido nítrico, nitrato de amónio e ureia, tudo num "combinado" próprio, sito já no Lavradio (Barreiro). Quanto à síntese orgânica, se se excluir a produção de ureia que historicamente tem o seu significado (Wohler dixit), poder-se-á dizer-se que só seria "inaugurada" no Barreiro com a produção já nos anos 60-70 (em 1965), de um pesticida organometálico que dava pelo nome quase poético de etileno-bis-ditiocarbamato de amónio, ou apenas zinebe para os mais íntimos, e que seria apenas 15 anos depois (1980) continuada, num investimento ambicioso, por uma unidade de produção de poliois e resinas- e que "orfã e dependente" iria ficar, com a ausência de algumas matérias primas que se esperou viessem ser produzidas em Sines mas que, como em vários outros projectos portugueses (sempre de tanga, sempre à míngua, sempre ratados e limitados, seduzidos e mal remunerados, desenfiados e desprogramados, mal vistos do exterior e criticados pelos XicoNhocas locais), acabaram por não sair da prancheta. Quem quiser documentar-se (ou chorar) sobre o nosso interrompido peregrinar industrial procure, na Ordem dos Engenheiros, os textos de um colóquio que aquela Ordem organizou e que se denominou "Indústria Química - Anos 80" e confronte o sonho com a realidade!
Pois é com a despedida final dessas duas unidades que o Barreiro regressa a um estado mais original, num retorno ao "grass roots". Aliás ambas estavam paradas - algo recentemente a primeira, algo há muito mais tempo a segunda. Desses estabelecimentos industriais, a primeira foto mostra parte da instalação de amoníaco em plena desmontagem para ser enviada para a Ásia, segundo o que por aqui consta; a segunda foto mostra o esqueleto da unidade de síntese de poliois - uma interessantíssima unidade, diga-se - já despida de equipamento, já visitada pelos "pilha-galinhas-de sucata-em carrinhos-de supermercado-também pilhados", betão ao léu, em pleno e triste fim de vida. Quando se procura pelo PIB fica-nos só o B, porque estas unidades desaparecem mas, aqui, nada surgiu em troca que, de alguma forma, viesse suprir tais ausências.
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Uma edição recente de um periódico "on line" barreirense dava notícia da remodelação do resta-isso denominado museu das fábricas, pós a celebração do centenário da primeira unidade fabril que aqui funcionou. Reclamando-se da preservação da memória que tal museu possa permitir, um então entrevistado referia a venda ou a transferência das fábricas, sem que algumas peças de interesse tivessem vindo enriquecer a colecção exposta. Desse apontar de dedo à execução das grandes unidades, recordei com saudade um simples laminador de chumbo de 1908, idêntico ao descrito na Enciclopédia de Diderot e D'Alembert e de que já se falou neste blogue, que teria até sido deliberado manter fora de qualquer abate industrial, constituindo um etape num percurso e um exemplo claro do que poderia ter ficado... mas que não ficou e que, numa queixa silenciosa, deixa aberta a questão de quem terá assinado a sua morte. Requiescat in pace, pobre laminador - que ao final da tua longa vida não terás mais servido que o teu peso em sucata!
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