O Poder e um Padre Nosso...
Da coletânea "Legislação Portuguesa", de 1876, pag.ª 143, retirou-se a seguinte preciosidade:
Transcrição:
" MINISTERIO
DOS NEGOCIOS DO REINO
DIRECÇÃO
GERAL. DE ADMINISTRAÇÃO POLITICA E CIVIL
2ª
REPARTIÇÃO
Foi
presente a Sua Magestade El-Rei o officio remettido pelo governador civil de
Coimbra, no qual o administrador do concelho de Penella, explica os fundamentos
por que procedeu á prisão de uma mulher, que, contra as recommendações do
parocho da freguezia do Espinhal, pediu depois da missa conventual um padre nosso
pelas almas.
D’esse
officio vê-se que o administrador considerou legal a prisão por ser feita em flagrante
delicto, visto que se effectuou logo em seguida á terminação dos actos
religiosos, e que teve por um dever seu
prestar por este modo auxilio ao parocho, em vista do preceito do artigo 249.°
n.°10 ° do codigo administrativo.
Se a
falta de observancia das recommendações feitas pelo parocho, contra similhantes
pedidos na igreja, constituisse crime ou delicto, o procedimento do
administrador do concelho poderia justificar-se; mas esses actos reprovados pelo parocho, comquanto
reprehensiveis, não são classificados
crimes por alguma lei , e consequentemente a prisão da mulher que, na igreja do
Espinhal , pediu um padre nosso pelas almas , foi um acto arbitrario, contra o
qual com rasão se procede judicialmente.
Invoca
o administrador, para considerar crimeo facto praticado n’aquella igreja, o
artigo 188.º do codigo penal, a simples leitura delle leva porém á evidencia que
esse artigo nenhuma applicação tem á
hypothese sujeita. Pune elle os que se recusam a prestar qualquer serviço de
interesse publico para que forem competentemente nomeados ou os que faltarem
aos mandados da auctoridade publica; mas nem o parocho é autoridade publica,
nem as suas recommendações feitas na igreja têem o caracter de mandados, cuja
falta de observancia dê motivo á
applicação das leis penaes. O artigo 18.°
é expresso, quando declara que nenhum facto é criminoso se não se verificam n’elle os
elementos essencialmente constitutivos do crime, que a lei penal expressamente
declarar, e faltam aqui todos os elementos do crime de desobediencia.
Tem
obrigação o administrador de manter a boa ordem nos templos e de estabelecer, de
accordo com o parocho, os regulamentos
de policia necessarios para se conseguir este fim: estes deveres porém hão de ser exercidos em
harmonia com as leis, e não com transgressões d'ellas. Se o parocho julgava
necessario prohibir dentro do templo que
se annunciassem fogaças, perdas e achados de objectos, promessas de alviçaras,
etc., e o administrador concordava em que era isto um acto de boa policia,
cumpria-lhe prohibir o facto por meio de
um edital publicado convenientemente, e se depois d'isso houvesse transgressão
é que teria logar o procedimento criminal por desobediencia aos mandados da
auctoridade publica, que ainda assim deveria reduzir-se a simples participação
ao juizo, vistoque a pena não excedendo a tres mezes de prisão (codigo penal,
artigo 188º.), nem o artigo 145.º° § 8.° da carta constitucional, nem o artigo 920.º da reforma judiciaria justificariam a prisão
do delinquente.
Sua
Magestade manda transmittir ao governador civil de Coimbra estas observações para que elle dê a conhecer ao administrador
do concelho de Penella, como elle tem a desernpenhar-se das obrigações que lhe
impõem o artigo 249.° n.º 10.º do codigo
administrativo, fazendo-lhe sentir que este servico é pela sua natureza mui delicado,
e demanda por isso da parte dos
magistrados administrativos muita cordura e prudencia, que faltaram no caso a que o administrador se reporta.
Paço,
em 13 de maio de 1876.=Antonio Rodrigues Sampaio.”
: Fim de transcrição
A TEMPO: Manteve-se a ortografia original em homenagem a todos os que - muitos e por várias vezes - a fizeram mudar até aos nossos dias.