
Celeuma causou o director do Observatório Astronómico do Vaticano ao admitir, recentemente, que a fé e a doutrina católica romana não seriam postas em causa caso se viesse a provar a existência de vida inteligente noutro "local" do Universo - coisa que eu já tinha ouvido referir e justificar, nos anos 50, a um Professor de Moral do meu Liceu que, anos depois, se notabilizou como Bispo e como investigador. Aviso ou dedução, a posição assim assumida não deixa de ser um passo importante e que se insere na sucessão de recusas de Jerusalém como centro dos mapas antigos (posteriormente eurocentristas...), da Terra como centro do sistema solar (e Galileu bem penou por isso), do Sol como centro das esferas celestes (quando na realidade está periférico, num braço de uma Galáxia), ou seja, numa sucessiva abertura universal que nada deve excluir ou afirmar dogmaticamente como singularidade. Mais tenebroso me parece - como contrário que sou às situações de inerência quando ombreiam com situações de eleição - que o mesmo eclesiástico tenha admitido, como refere a notícia, que, a existirem outras formas de vida inteligentes, "esses tais" possam estar isentos do designado "pecado original", e nós não.
O problema não é novo, deu larga discussão religiosa e filosófica, tem alimentado obras e obras de FC (ficção científica, ou SF para quem preferir as abreviaturas anglo-saxónicas) e, para além das exposições genéricas do "estado da arte" como por exemplo
deu motivo recente a vários desenvolvimentos teorizantes a que, graças à Wikipedia como texto de primeiro embate, o interessado pode aceder com facilidade (para facilitar a busca, colocam-se também os designativos em inglês). Destacam-se, entre estes:
a) A equação de Drake (Drake equation), também conhecida como "equação de Green Bank" e erroneamente designada como "equação de Sagan": É uma formulação probabilística estabelecida em 1960-1961 por Frank Drake para o encontro de Green Bank, Virgínia Ocidental, que estabeleceu o SETI (ver abaixo). Exprime o número N de civilizações com que seria possível estabelecer contacto na nossa galáxia, como produto:
- da frequência média de formação de novas estrelas na nossa galáxia;
- da probabilidade dessas estrelas terem planetas;
- do número médio de planetas que possam suportar vida numa estrela com planetas;
- da fracção destes que vão desenvolver vida;
- da fracção dos anteriores em que a vida desenvolvida é inteligente;
- da fracção de civilizações criadas que pode desenvolver tecnologias que permitam saber da sua existência por sinais detectáveis no espaço;
- do tempo durante o qual essas civilizações emitem sinais detectáveis no espaço.
Pode prever-se a dificuldade de definir cada termo desta equação, numa discussão que une astrónomos, biólogos e sociológos, mas a verdade é que Drake, bem como outros cientistas, propuseram e discutiram valores (em 1961, a apresentação original de Drake conduzia a N=2,3) - para além dos críticos que, liminarmente, rejeitaram a validade e o significado desta proposta. A estimativa de valores superiores a 1 permitiu defender o programa SETI (vd. infra) mas o confronto entre valores elevados nos primeiros termos, como defendia Carl Sagan, e os nulos resultados obtidos até agora traduz o designado paradoxo de Fermi (vd. também infra). Ref.
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b) O paradoxo de Fermi (Fermi paradox), ou de Fermi-Hart: Pode enunciar-se como segue: "Se a vastidão e idade do Universo sugerem a existência de muitas civilizações tecnologicamente evoluídas que pudessem ser reconhecidas pelos sinais a elas associáveis, a falta de dados de observação que o confirmem não é consistente com esta hipótese." O detalhado artigo
http://en.wikipedia.org/wiki/Fermi_paradox analisa os diversos aspectos da questão em dois planos essenciais: (1) o que se entende como prova; e (2) explicações teóricas do paradoxo. Pela sua curiosidade, presente em muitas obras de FC, desenvolve-se seguidamente o segundo destes aspectos, na sistemática observada na fonte referida.
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Assim (e tenha-se em conta o problema posto pelas grandes distâncias astronómicas) pode considerar-se (1) que actualmente não existem outras civilizações (ou porque não surgiram mesmo, ou porque a auto-destruição está na natureza da vida inteligente, ou porque a destruição de outros está na natureza da vida inteligente, ou porque apenas o Homem foi criado), ou (2) que actualmente existem outras civilizações, sem que tenhamos obtido prova disso (ou porque a comunicação é impossível por problemas de escala, ou porque a comunicação é impossível por razões técnicas, ou porque "eles" estão deliberadamente calados, ou porque "eles" deliberadamente decidiram não interferir connosco, ou porque "eles" já cá andam sem serem observados). Saborosa panóplia de alternativas - em que não falta a gloriosa Criação da Capela Sixtina ao lado da infernal auto-destruição da vida inteligente. Vale a pena ler... e verificar, olhando a prateleira de FC, como nada de novo existe na imaginação dos imagináveis (a menos que alguns deles sejam encapotados imaginados).
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c) O Grande Filtro (The Great Filter): Consiste numa tentativa de explicação do Paradoxo de Fermi pelo estabelecimento de 8 etapes (escalões de Hansen) de criação e evolução da vida:
- sistema estelar adequado (incluindo possível química)
- algo reprodutível (ex. RNA)
- vida unicelular simples (procariótica)
- vida unicelular complexa (archaeota e eucariótica)
- reprodução sexual
- vida multi-celular
- animais de grande cérebro usando instrumentos (onde estamos nós)
- colonização intensa
Traduz-se seguidamente o texto de
"[Para a explicação do Paradoxo de Fermi] pelo menos uma destas etapes deve mostrar-se improvável. Se não for uma das escalonadas de 1 a 7, então o nosso futuro é sombrio porque, de todas as civilizações que terão [facilmente] chegado ao escalão 7, nenhuma passou ao escalão 8 (ou então a galáxia estaria cheia de colónias), e a única coisa que nos pode afastar do escalão 8 é um qualquer tipo de catástrofe. Usando este argumento, um achamento de vida multi-celular em Marte (desde que tenha evoluído independentemente) traria más notícias, porque mostraria ser fácil a evolução de 1 a 6 - e assim só os escalões 7 e 8 seriam o grande problema."
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d) A Escala de Kardashev (Kardashev scale): É um método geral de classificação do grau de avanço tecnológico de uma civilização, proposto em 1964 pelo astrónomo russo Nikolai Kardashev. Define 3 tipos de civilização, em relação à energia utilizável: Tipo I: a energia de um planeta (é onde nos situávamos quando da proposta da escala); Tipo II: a energia de uma estrela simples; e Tipo III: a energia de uma galáxia simples. A discussão da escala levou mesmo à definição de um Tipo IV (para a energia de um super-cúmulo estelar) e, numa outra interpretação, Carl Sagan propôs que se tomasse ainda em consideração a extensão de informação disponível. É interessante verificar como os "clássicos" de FC se podem escalonar segundo as categorias definidas, como se encontra em
Os contactos entre as propostas de metodologia científica e a FC tornam-se aqui evidentes.
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e) SETI ( = Search for Extra Terrestrial Intelligence) ou Pesquisa de Inteligência Extra-Terrestre: É a designação genérica de um número de actividades científicas que persistem na procura de sinais de actividade inteligente no Universo. A primeira conferência SETI teve lugar em Geen Bank em 1961, como já referido, e desde aí numerosos projectos parcelares se têm articulado numa estrutura de dimensão mundial que igualmente inclui o por vezes criticado "SETI activo" ou "METI" (Messages for extra terrestrial intelligence") que é o "Estamos aqui!" em contraposição ao "Estão vocês aí?" do SETI passivo. Envolvendo organizações, publicações, instalações internacionais e nacionais de grande investimento e suportes de governos nacionais, o programa SETI prossegue e vai prescrutando o espaço à espera de respostas que, até ao momento, ainda não chegaram. Ou chegaram i.e. ou é que há algo, para interpretar de forma algo especulativa a entrevista do padre jesuíta argentino Dr. José Manuel Funes, director do Observatório Vaticano. Para mais detalhes sobre SETI vd.
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Após esta longa divulgação sobre um tema apaixonante e controverso, que se procurou manter afastado da análise ligada a OVNI's e outros acontecimentos relacionados, resta concluir com a frase lapidar do Calvin e Hobbes, contemplando o céu estrelado numa noite de Verão:
"A prova provada de que existe vida inteligente no Universo é que nunca alguém procurou contactar connosco!".